Um Casamento Baseado na Incerteza
“O ser humano é um animal que se casa”, diz o professor do Instituto de Psicologia da USP Ailton Silva. Isso talvez explique a tendência da sociedade moderna de criar novas formas de relacionamento. Namoros via Internet, uniões ‘abertas’ e até mesmo um noivado mantido a centenas de quilômetros de distância estão entre os modos contemporâneos de amar. “Não haverá mais um modelo único de relacionamento, mas continuaremos sempre a nos casar”, prevê o professor YANNIK D’ELBOUX.
Ao invés de trocar juras eternas de amor e fidelidade, a professora de Legislação e Deontologia do Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Patrícia Patrício, de 30 anos, optou por conviver diariamente com a incerteza. Ela e o tradutor Thomas Tünnemann, de 38 anos, namoraram por cinco anos, vivem juntos há um e apostam na lealdade como principal sustentáculo do relacionamento.
Patrícia prefere a sinceridade em admitir os riscos de perder o amor de Thomas a fazer falsas promessas. “Muitas pessoas fazem juramentos eternos de coisas que não sabem se têm capacidade de cumprir. Prefiro viver bem e construir cada dia da relação a prometer mentiras até a morte.”
Eles decidiram não se casar “no papel” e nunca pensaram em usar aliança. “A verdadeira aliança é imaterial”, diz a professora. A honestidade na relação dos dois assustaria a maioria das pessoas que sustentam a fidelidade como principal compromisso na relação a dois.
Para eles, o mais importante é a lealdade do sentimento. Patrícia cita uma frase do escritor francês Roland Barthes para expressar o pensamento que norteou a vida dos dois desde o início do namoro: “Encontro pela vida milhões de corpos. Desses milhões, posso desejar centenas, mas dessas centenas amo apenas um”.
Patrícia acredita que é hipocrisia jurar fidelidade eterna. Ela e Thomas têm um acordo de sempre dizer ao outro se acontecer de se sentirem atraídos por alguém. Até o momento, segundo ela, nenhum dos dois sentiu necessidade de ter uma relação extraconjugal, apesar de já terem percebido o interesse de outras pessoas e comentado o caso entre si. Mas, se ocorrer uma experiência fora do casamento, Patrícia crê que é possível manter o relacionamento, desde que o “incidente” não tenha envolvido nada além do desejo.
Ela confessa que o ciúme existe, mas ainda assim coloca a sinceridade em primeiro lugar. “É uma maneira interessante e arriscada de viver. Tem que ter muita autoconfiança.”
A professora diz que não se imagina vivendo de outra forma e que os dois nunca cercearam a liberdade um do outro. Patrícia acha que é fundamental, num casamento, existir espaço para o indivíduo, para o casal e também para os dois juntos no contexto social. “O problema é que as pessoas estão muito individualistas e não conseguem conjugar o espaço a dois e com a coletividade. É uma doença iluminista.”
Patrícia se orgulha do tipo de relacionamento que mantém com Thomas e acredita que, num casamento baseado na lealdade, como o deles, as pessoas têm mais chance de serem felizes. “Uma relação fundamentada sobre o princípio da incerteza é mais difícil no dia-a-dia, mas a longo prazo o relacionamento se torna muito mais forte e pronto para turbulências. É melhor do que jurar amor eterno e se decepcionar.”
Jornal da USP –