SIGNIFICANTE
23/06/2019 23:11
Ao nascer, geralmente, somos acolhidos por aqueles que nos cercam. Pessoas que um dia chamaremos — se assim nos ensinarem — de Pai e de Mãe. Se tivermos “sorte” e formos frutos de um Desejo “verdadeiro” — nossos pais nos darão amor, carinho, nos ensinarão a nos alimentarmos, a dar os nossos primeiros passos, a falar… E assim por diante.
Estes mesmos pais depositarão, em nós, suas expectativas, seus sonhos e desejos. Seremos os “encarregados” a realizar tudo aquilo que eles não puderam. Seremos, segundo os nossos pais, os “Engenheiros”, as “Professoras”, os “Empresários”, os “Médicos”…
Somos “encarregados” também de continuar a história de nossa Família, de fazer “bom uso” do Nome e do Sobrenome que recebemos. História que embora contenha algo do familiar, do particular, também é atravessada pela história de nossa sociedade, cultura… Enfim, de nossa Época!
“Nem só de pão viverá o homem”… também será necessário que este “corpinho”, “franzino”, que acabou de chegar ao mundo, o bebê, seja “banhado” de palavras.
E não é isso que aqueles que se encarregam dos cuidados iniciais do bebê fazem? Dizem: “ele é a cara do Pai”, “ela é tranquila… parece com a Mãe”, “Mau humorado… feito o Avô”, “Preguiçosa”, “Quietinho”, “Enjoada”, “Forte”, “Risonho…”, “Simpática”, “Chorão”, “Sensível”…
Pouco a pouco, os pais vão atribuindo, vão “etiquetando” uma série de “palavras” aos Filhos. Palavras que vão constituir o seu jeito de “Ser”, de se portar e de lidar com os seus semelhantes e com o mundo. Este processo é continuo, lento… E porque não dizer, necessário…
Já criança, chega o momento de se apropriar, de fato, da “imagem de si”, esta “produzida” pelos Pais. Pelos discurso que “cercaram” essa criança desde o seu nascimento. Ah! Um detalhe essencial: Soma-se a esta imagem “produzida” pelos Pais, a “ficção” construída pela própria criança. Um processo que “envolve”, a maior parte das vezes até sem nos darmos conta, uma série de perguntas: “de onde eu vim?, “para onde eu vou?”, “porque me colocaram neste mundo”, “o que meus pais querem que eu seja?”, em última instância: “o que os meus pais querem de mim?”. Deste modo, as palavras dos pais, mais a ficção criada pela criança, diante do Enigma do desejo de seus pais, resulta no “nosso” EU.
“Eu sou…”
O que “esqueceram” de nos contar é que Todo “Eu” possui uma parte falsa! Todo EU é Imagem. Projeção. Portanto, falso! Falso, pois é algo que é construído (constituído) a partir do Olhar e das Palavras do Outro. Trata-se de uma suposição, construída a partir da nossa percepção da posição que ocupamos na relação com o Outro; daqueles que nos acolheram no mundo — como já mencionamos.
Assim, passamos toda uma vida sendo: “o Gordo”, “a Chata”, “o Preguiçoso”, “o filho (supostamente) Perfeito”, “o Capetinha ou a Ovelha Negra da família”, “a Falsa”, “a Mentirosa ou Criadora de histórias”, “aquela que tem que ser exemplo para todos”, “a Complicada”, “a Burra”, “o filho 10, que só tira 10”, “Manipulador”, “Controladora”, “Enrolada”… Passamos toda uma vida “carregando” uma “imagem” falsa de nós mesmos.
E é com esses significantes, no começo ainda desconhecidos por nós, que chegamos a uma análise. Foi assim comigo. E também foi assim com todos os “meus” analisandos. E graças a uma delas, que pronunciou a frase, não uma, mais por diversas vezes: “EU SOU FALSA! UMA PARTE MIM É FALSA”, que a escrita desse texto pôde ganhar forma.
Felizmente, a Psicanálise pôde descobrir que é possível, sim, trilhar outros caminhos…
Um percurso analítico me ensinou que, embora nem tudo seja possível, há uma margem de liberdade que nos possibilita escrever uma outra história, traçar outros caminhos, a partir do arcabouço histórico, social, cultural e familiar que herdamos. Que há, sim, a possibilidade de inventar outras saídas para nossos dilemas, para as nossas mazelas.
Em poucas palavras: a Experiência Psicanalítica me possibilitou apropriar-se de suas letras, re-ver as minhas, para com elas poder escrever uma outra história: a minha Própria História! E é a partir do contato com o Real dessa Experiência que surgiu o Desejo de escrever sobre a Vida e a Psicanálise.