Sabedoria e Amizade

16/08/2013 10:25
 
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Para o sábio Confúcio, todos os seres humanos do mundo eram seus irmãos. No entanto, quem - em busca da sabedoria - já não se sentiu só, desalentando, cada vez mais longe daqueles com quem se relacionava? Será que investigar o íntimo para nos tornarmos melhores necessariamente exige o afastamento de todos? Precisamos perder amigos, ou mesmo fazer inimigos, para buscarmos a sabedoria? É necessário, de fato, afastar-nos de tudo? O Caminho ('Dao', ou 'Tao') exige um total desprendimento dos sentimentos e das coisas? Para Confúcio, tal pergunta pareceria, curiosamente, absurda. O Dao confucionista é social, pois visa e prioriza o convívio ético entre os seres humanos e a natureza; não pode (e nem tenta) nos livrar completamente de desejos, sensações e sentimentos, posto que estes são inerentes ao ser humano; busca, de fato, dar-lhes uma coerência harmônica, evitando seu excesso ou ausência de acordo com o ser, a circunstância e com as possibilidades.

Então, tenhamos em mente que a busca do caminho parte de nós mesmos. Ela tem origem no eu, e não no outro. Logo, o sábio sabe de si mesmo, e assim procedendo, conhece aos outros. "Coloca-me na companhia de duas pessoas escolhidas ao acaso - elas invariavelmente terão algo para me ensinar. Poderei tomar suas qualidades por modelo e seus defeitos como alerta" (Lunyu, 7). Seu potencial reside, no entanto, no exemplo e na conduta, e não na imposição - por isso, ele não busca modificar os outros, mas antes de tudo tenta conduzir a si próprio com clareza e apenas incitar o que é benéfico. Assim é que o sábio busca na amizade a realização do seu eu; na afinidade existente em torno da busca da sabedoria, ele encontra seus companheiros de viagem e pode, então, realizar plenamente 'Ren', o humanismo. Que fique claro, não existem amigos unidos por afinidades nefastas; pela violência ou corrupção, aproximam- -se pessoas cujos interesses convergem enquanto vale a causa; em situação de perigo ou passada a ocasião, desfazem-se estes laços dos piores modos. Ações, motivos ou objetos desagregadores não podem unir, pois é da sua natureza desunir - logo, como poderiam servir a amizade? Por isso, afirma o mestre: "Três tipos de amigos são benéficos; três tipos de amigos são nefastos. A amizade com os retos, os dignos de confiança e os sábios é benéfica. A amizade com os desviantes, os falsos e os eloquentes é nefasta" (Lunyu, 16). A maior parte de nós usualmente afirma conhecer estas regras, mas qual de nós realmente a põe em prática? Quem de nós não tolera, por exemplo, certa maledicência tomando-a pelo fim "útil" da informação? Muitas de nossas associações não são coerentes com o que buscamos - é necessário, portanto, um autoexame profundo neste momento.

Tal condição implica naturalmente em observar que algumas pessoas afastam-se de nós, tomando-nos como contraponto a sua conduta. Perder de vista a busca em função da incompreensão alheia, este sim é um erro. O buscador da sabedoria deve sempre evitar cair nesta cilada - e não podendo dela escapar, conduzir-se então de modo que suas ações exprimam exatamente o seu caráter, pois o que se funda na virtude não perece. Eis uma descrição sucinta do sábio, que resume precisamente algumas características buscadas na amizade; "apreensão, inteligência, conhecimento profundo e compreensão - qualidades necessárias para o exercício da palavra; magnanimidade, generosidade, benignidade e gentileza - qualidades necessárias para o exercício da paciência; originalidade, energia, força de caráter e determinação - qualidades necessárias para o exercício da paciência; piedade, ponderação, ordem e regularidade - qualidades necessárias para o exercício da dignidade; graça, método, sutileza e penetração; qualidades necessárias para o exercício do julgamento crítico" (Zhongyong, 31). Ao buscarmos tais valores, não vemos na sabedoria o espelho da verdadeira amizade?

A amizade, portanto, é amor, o compartilhar da virtude e da sabedoria, é o ideal de uma busca comum, o Caminho. Assenta-se não apenas no prazer advindo da relação, mas também em nos incitar constantemente a reformular nossa conduta íntima e dirigir nossa atenção aos nossos erros, visando corrigi-los. A amizade é o próprio Ren, o humanismo que nos funda, nos constitui e permeia todas as nossas atitudes. Quem poderá, pois, não ter amigos possuindo - ou apenas, buscando - a sabedoria? O sentido profundo do valor da amizade não pode ser encontrado meramente na aparência ou no conhecimento de uma grande diversidade de companhias. Está, pois, no coração de quem a conhece - e para conhecê-la, precisamos da sabedoria. Sendo sábios, adquirimos o sentido da amizade. E vemos, assim, que ambas se engendram mutuamente, se alimentam, se sustentam de modo infinito, fortalecendo o sentido da busca.