QUEM NÃO SE COMUNICA SE TRUMBICA
11/12/2013 21:04
QUEM NÃO SE COMUNICA SE TRUMBICA |
No trabalho, nos lares, nos bares, em qualquer contexto, a dificuldade de se comunicar é uma das principais causas de estresse emocional persistente. Estresse e comunicação formam uma alça de feedback. Se você se comunica mal consigo mesmo – e, conseqüentemente, com os outros –, maiores serão a freqüência e intensidade do estresse em sua vida. Portanto, quando você aprende e pratica as regras da comunicação com seus filhos, com seus pais, sua mulher, seu chefe ou seu cachorro, a qualidade da sua vida e a das pessoas ao seu redor melhora muito, alcançando níveis harmônicos inimagináveis.
Muito se tem falado e escrito sobre o estresse e como evitá-lo. Muitas vezes um monte de bobagens e de modo fragmentário. Como história também é cultura, recordemos ou aprendamos a denominada reação de luta ou fuga.
Em priscas eras, nosso parente pré-histórico já possuía um sistema nervoso capaz de defendê-lo do mundo hostil em que vivia. Assim, após uma noite bem dormida, facilitada pela escuridão trevosa (quantos milênios levou o Brazil globalizado para alcançar este progresso, não é mesmo?), saía da sua caverna para respirar oxigênio puro e se deliciar com o magnífico cenário à sua vista. Mas, como mesmo àquela época nem tudo era perfeito, eis que, de repente, magnífico exemplar de um tigre de dentes de sabre se lhe adentrava em seu campo visual! Nosso cognado das cavernas não podia se dar ao luxo de elucubrações cartesianas – “segundo recentes estatísticas da aprendizagem baseada em evidências, os tigres mutilam apenas 0,001% das suas vítimas, de modo que vou voltar ao meu tricô”. Ele não podia parar para pensar, sob pena de não transmitir seus genes aos seus descendentes. Para garantir sua sobrevivência ele tinha que decidir numa fração de segundos se fugia ou enfrentava a fera. Fosse qual fosse a decisão, seu sistema nervoso providenciava uma descarga industrial de hormônios, que preparava seu corpo para qualquer desideratum. Resolvido rapidamente o contencioso, pela morte de um ou de ambos litigantes, ou por sua fuga indecorosa, o excesso de hormônios era reabsorvido e tudo voltava à Santa Paz do Senhor. Ainda bem que herdamos este mecanismo de sobrevivência de nossos heróicos antepassados. É isto que nos permite, por exemplo, ao vermos pelo canto dos olhos um carro disparando em nossa direção com óbvias intenções homicidas, dar um salto tamanho sem pensar e do qual não nos sentíamos capazes, evitando o acidente. No mundo contemporâneo, entretanto, a resposta luta ou fuga nem sempre é socialmente aceitável. Não podemos lutar ou fugir de um guarda que pára a nossa viatura para nos multar. Idem quanto ao chefe que está nos esculhambando ou aos filhos ou o cônjuge (argh!) com quem estamos discutindo. O mesmo se aplica ao idiota que ganhou uma buzina de presente de Natal e que buzina atrás de nós por que o idiota da frente está distraído ou preso num engarrafamento provocado por outros idiotas. É só? Não, tem mais. As coisas nem precisam estar acontecendo no momento presente. Basta você pensar que a reforma previdenciária vai ser aprovada, que você teve um polpudo aumento de 1% (mais R$ 59,87) que ainda não te pagaram, que o seu casamento está indo pro brejo ou que seu chefe te ridicularizou ontem, ou vai te ridicularizar amanhã, o resultado é o mesmo! Aliás, você pode até nem estar consciente de tais pensamentos. Não importa, seu sistema límbico se incumbe de providenciar aqueles tais hormônios, pois para esta parte do seu cérebro não há passado nem futuro. Só existe o hoje. O resultado é que não sobra tempo para reabsorver o excesso das ditas substâncias. Daí, estresse persistente com miríades de sintomas: insônia, ansiedade/depressão, enxaquecas, dores musculares, disfunções sexuais etc – e se a situação se prolonga – doenças graves. A lista de sintomas e de doenças descritas por Hans Selye, pioneiro e um dos maiores pesquisadores na área do estresse, é um verdadeiro museu de horrores. O gentil leitor já terá notado que até agora tive a delicadeza de não lhe perguntar o que é estresse? Como é que você sabe quando está estressado? Não se acanhe com a sua ignorância, preocupado leitor, pois a maioria também não sabe definir o estresse, embora o reconheça quando o experimenta. Para seu consolo, saiba que há alguns anos reuniram-se médicos, psicólogos e assemelhados em Tucson, Arizona, justamente com o fito de uniformizar a terminologia, os tipos de pesquisa sobre o estresse e coisas do gênero. A conclusão mais gozada a que chegaram foi a de que era impossível estabelecer uma única definição para o estresse!!! O máximo a que os doutos cientistas alcançaram foi que estresse era uma coisa, e que fatores estressantes, fatores geradores ou potencialmente geradores do estresse eram outra coisa. Dito de outra forma, há um monte de fatores (causas) capazes de provocar o estresse (efeito)… Esta distinção, embora pareça acaciana, é crucial, já que muitas (pseudo) autoridades costumam misturar as estações. Por ora, na falta de coisa melhor, consideremos o estresse uma reação específica do organismo frente a uma ameaça – real ou imaginária – ou a uma mudança de certa importância, mesmo que desejável, como um casamento, o nascimento de um filho ou uma promoção no trabalho. Os fatores potencialmente geradores do estresse são infinitos e variam amplamente de pessoa a pessoa, e na mesma pessoa conforme as circunstâncias. Vários deles são universais, ou seja, provocam estresse na maioria das pessoas da maioria das culturas conhecidas: morte de uma pessoa querida, doença grave, divórcio, desemprego, economia compulsória de energia-que-você-não-tem-culpa-pois-paga-as-contas-absurdas-em dia-e-o-culpado-foi-o-governo-incompetente-corruptor-e-corrupto-que-comprou-sua-reeleição-e-vendeu-o-país. Outros fatores, ao contrário, despertam reações diversas. Por exemplo, falar para um grande público é um pesadelo para muitos, indiferente para alguns e excitante para outros. Enquanto que os fatores estressantes variam, como vimos, o estresse é específico, isto é, estímulos das mais variadas ordens são decodificados por uma parte do cérebro – sistema límbico – como ameaçadores ou, ao contrário, prazerosos. A partir daí, há uma reação em cascata de “moléculas mensageiras”, de estímulos neuro-elétricos, com a liberação de hormônios e de neurotransmissores, que modificam o DNA de cada célula e preparam o organismo para reagir adequadamente. Para detalhes mais íntimos remeto o leitor ao livro MenteCorpo, em breve nas principais livrarias, escrito pelo erudito infra- assinado. Na prática, o mais relevante é a maneira com que a pessoa lida com os fatores estressantes, o que depende do significado que ela dá aos mesmos (em si, neutros), o que, por sua vez, vai depender do seu sistema de crenças e valores. Vale também lembrar que, assim como há o “bom” e o “mau” colesterol, o mesmo se aplica ao estresse. O primeiro ocorre, por exemplo, quando estamos apaixonados. O simples pensar na pessoa querida, a sua imagem, a sua voz, a maciez do seu corpo, são gatilhos que disparam as reações já descritas: o coração acelera, as mãos esfriam, neurotransmissores, como as betaendorfinas, são lançados na circulação, o que nos dá uma imensa sensação de prazer, como se o mundo tivesse mudado para muito melhor. Lembram-se da síndrome de Polyana? Pois é. A paixão nos deixa assim. “Que magnífico incêndio!” “Que maravilhoso desastre!” Embora muito estimuladora, a paixão compromete o nosso senso crítico. As mesmas sensações acontecem quando atingimos – ou temos a convicção que podemos alcançar – um objetivo muito desejado. As sensações são muito prazerosas e motivadoras. O “mau” estresse, ao contrário, caracteriza-se por sensações e sintomas desagradáveis que podem evoluir para doenças sérias, como hipertensão arterial, infarto do miocárdio, morte súbita, derrames cerebrais, diabetes, câncer, obesidade patológica entre outras. E que aparece sempre que nos deparamos com ameaças reais ou imaginárias persistentes, presentes, passadas ou futuras (através de pensamentos), conscientes ou inconscientes. Sem doses adequadas do “bom” estresse vegetaríamos no terreno pantanoso do tédio, o que, por sua vez, nos levaria ao “mau” estresse. Nelson Marins é médico, terapeuta, jornalista, escritor, entre tantos outros títulos. |