A Política da Morte do Nazismo.
A política da eliminação em massa de pessoas, adotada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, foi um fenômeno até então único na história da humanidade. Esse crime porém foi inspirado em várias doutrinas que passavam então por ciência, como o racismo e a eugenia, que tiveram larga difusão e apoio nos países mais adiantados dos anos vinte e trinta.
As Duas Faces da Eugenia
"Seu negrume não surgiu no deserto de Gobi ou na floresta tropical da Amazônia. Originou-se no interior e no cerne da civilização européia. Os gritos dos assassinados ecoaram a pouca distância das universidades; o sadismo aconteceu a uma quadra dos teatros e dos museus (...) Em nossa época, as altas esferas da instrução, da filosofia e da expressão artística converteram-se no cenário para Belsen."
George Steiner - Linguagem e Silêncio, 1958
O massacre de grande parte da população judaica da Europa perpetrado pelos nazistas entre 1941-45 ocultou o fato de que a política de extermínio adotada por aquele regime não circunscreveu-se à perseguição anti-semita. Foi muito mais ampla de que se supõe. Tratava-se de um vastíssimo plano de eugenia que englobava outros setores sociais, cujas vidas os nazistas consideravam "indignas de serem vividas" (Lebensuntwertes Leben). Mas a política nazista da eugenia tinha as suas ambigüidades. Ao mesmo tempo em que se praticava a esterilização, a eutanásia e o genocídio, por outro estimulava-se a proliferação da "raça superior", concedendo aos homens selecionados o direito de acasalar-se com várias mulheres, desde que elas fossem de origem ariana.
Quando os soldados alemães ocuparam os países vizinhos, essa prática foi estimulada para que novos seres arianos viessem ao mundo para poder substituir as baixas de guerra que a Alemanha estava sofrendo. As crianças nascidas nessas circunstâncias seriam criadas em orfanatos especiais (Lebensborn), sob orientação e supervisão do Estado nazista. Nenhum regime político até então havia se inspirado tão fortemente no darwinismo social e numa concepção tão radicalmente biologicista - quase zoológica - como os nazistas o fizeram entre 1933-1945. Assim, a eugenia era tanto o pretexto para a eliminação dos indesejados como para a seleção dos escolhidos.
A Certeza Científica da Eugenia
Dr.Mengele, experimentos humanos em Auschwitz
A política de extermínio não foi um gesto tresloucado e impensado de um bando de fanáticos que ascendera ao poder na Alemanha em 1933. A maioria dos seus agentes (médicos, cientistas, laboratoristas, pesquisadores, antropólogos, legisladores e militantes políticos) estava firmemente convicta do rigor científico das suas ações e dos benefícios que sua adoção traria para a humanidade (ainda que no momento não fossem entendidas). Levaram à prática o que há anos era defendido por pensadores de renome, por revistas científicas e por doutores ilustres de ambos os lados do Atlântico. Todas as teorias de superioridade racial, de anti-semitismo, de seleção da espécie já encontravam-se largamente difundidas, especialmente entre as elites científicas e acadêmicas, bem antes de Adolf Hitler assumir o poder. O Führer do movimento nacional-socialista implementou o que amplos setores científicos daquela época acreditavam ser verdadeiro, firmando assim o primeiro pacto moderno entre a ciência e o crime em massa, entre a pesquisa genética e a tecnologia aplicada à morte coletiva.
O que é a eugenia
É a ciência que estuda as possibilidade de apurar a espécie humana sob o ângulo genético. Decorreu ela quase que inevitavelmente das idéias de Charles Darwin, expostas no seu consagrado livro A Origem das Espécies (On de Origin of the Species), de 1859, a mais popular exposição da teoria da evolução natural. Coube ao seu parente Francis Galton a invenção desta expressão em 1883. O cientista britânico defendia a tese de que a cultura e mesmo o conhecimento eram resultados da transmissão genética e não dos fatores ambientais (ou pelo menos esses tinham bem menos peso). No seu livro a A Hereditariedade do Gênio (Hereditary Genius), de 1869, ele arrolou o histórico familiar de uma série de homens de gênio e outros afamados cientistas para demonstrar que todos descendiam de uma feliz hereditariedade.
Galton e a Sociedade da Eugenia
Em 1907, após ter introduzido a cadeira de eugenia na Universidade de Londres, fundou a The English Eugenics Society, inspiradora da American Eugenics Society, surgida em 1926, que pregava a superioridade dos germânicos sobre os demais integrantes da raça branca.
Galton, criador da eugenia
As conclusões lógicas extraídas da tese de Galton é de que a classe dominante concentrava as melhores qualidades genéticas do que as classes trabalhadoras, fossem urbanas ou rurais. Os socialmente superiores eram os depositários do "tesouro genético" amealhado pela natureza através de séculos de aperfeiçoamento, aprimorado pela seleção natural dos mais aptos. Portanto, a natureza era sábia ao permitir que a regência da sociedade e dos governos fosse feita pelos biologicamente mais dotados.
O Social-Darwinismo
O sucesso das teses de Charles Darwin não se limitaram às ciências naturais. A teoria da evolução e da seleção natural dos mais apto incendiou também a imaginação das ciências sociais e das concepções políticas e ideológicas do seu tempo. Ideólogos de um lado como do outro, nos finais do século XIX e princípios do XX, diziam-se inspirados no autor da seleção das espécies. Enquanto que para os esquerdistas, elas, as teses de Darwin, serviam para desmistificar a religião e a existência de uma ordem hierárquica preestabelecida pelo poder divino, para os direitistas elas tiveram outra aplicação. Tornou-se o chamado social-darwinismo, para eles, um instrumento na luta contra a democracia liberal que, ao pregar o voto universal, igualizava o lobo e o cordeiro. O que não passava de um contra-senso e um atentado à natureza das coisas. E mais, como reclamou o filósofo Nietzsche, os defensores da democracia praticavam uma injustiça contra os que era naturalmente superiores, os mais fortes e mais aptos, pois viam-se constrangidos pelos direitos da maioria medíocre. Além disso, recomendavam eles um processo de seleção rigoroso para impedir a procriação de certos elementos nocivos, bem como estimular a multiplicação de outros, aqueles vistos como biologicamente superiores. Para tanto, visando atingir tal fim, era preciso adotar-se uma política centralizada, um dirigismo técnico que gradativamente conseguiria a purificação da raça, melhorando o bem estar geral da humanidade. Na difusão de tais doutrinas dedicaram-se Georges Vacher de Laponge, Madison Grant, Ludwig Gumplowitcz, Otto Ammon e tantos outros mais.
A Eliminação dos Desajustados
O programa social-darwinsita era amplo. Pregava a eliminação dos desajustados, o internamento forçado e a esterilização dos elementos considerados inferiores. A antropometria e a frenologia seriam as ciências auxiliares para ajudar estudar as dimensões do crânio, do lóbulo das orelhas, ou da dimensão do nariz, permitindo uma verificação científica daqueles traços considerados por eles como indicadores da inferioridade ou da degenerescência biológica.
A moral cristã da tolerância e da caridade para com os fracos era rejeitada. A ética cristã impedia a imposição da política de seleção natural e terminava por prolongar o sofrimento geral da humanidade ao não aceitar a extirpação dos seus galhos estragados ou das suas raízes deformadas. O liberalismo, a democracia o socialismo - com seus discurso a favor da igualdade, fosse econômica fosse político-social - eram formas diversas de atentar contra a lei natural, que sempre atuava, queiramos ou não, pró os mais aptos e mais fortes. Injustiça social era tentar equiparar o forte ao fraco, ou como disse, em outras circunstâncias, o poeta William Blacke: "a mesma lei para o Leão e o Boi é opressão!"
A Divisão da Política da Eugenia
Dividiu-se a política da eugenia em três grande categorias quanto à sua execução:
reprodução
H.Himmler, executor da "solução final"
1) a esterilização (Sterilisirung) foi aplicada a certas classes de gente: nos insanos, nos idiotas, nos imbecis, nos pervertidos e em criminosos habituais;
2) a eutanásia (Gnadentod, a morte sem dor) nos doentes irrecuperáveis de qualquer idade, nos idosos senis, e em alguns casos de demência, por meio de injeções de fenol, nos asilos ou em sanatórios. Depois no transcorrer da guerra simplesmente deixava-os morrer de fome;
3) o extermínio (Endlösung) teve um alcance bem mais amplo. Inicialmente concentrou-se nos menores excepcionais, nas vítimas do mongolismo (quatro mil) que estavam acolhidos em escolas especiais e em sanatórios e que foram gaseados em caminhões adaptados como câmaras da morte, sendo para tanto utilizado o monóxido de carbono. Em seguida foi a vez dos loucos (70.273 por gás e 120 mil de fome), e, por fim, o holocausto dos judeus (seis milhões) e dos ciganos (200 mil), vitimados em massa pela "solução final" (Endlösung). Depois de terem abandonado os fuzilamentos em massa que ocorreram no Leste Europeu, a partir de 1941 eles foram gazeados e incinerados em campos de extermínio espalhados pela Alemanha e principalmente pela Polônia (em Auschwitz matava-se 4.500 ao dia).
Quem tinha direito à vida
As populações dos países ocupados eram divididas em quatro categorias estabelecidas pela Central de Segurança do Reich (Reischssicherheitshauptamt, RuSHA), um braço da poderosa SS (Shutzstaffel), chefiada por Heinrich Himmler.
Na primeira, eram classificados os alemães e seus descendentes; na segunda - os não-alemães; ao terceiro grupo pertenciam as pessoas consideradas aptas para o trabalho; e na quarta - aqueles que eram enviados para o campo de trabalho/extermínio de Auschwitz.
Em dez de dezembro de 1941, com a crescente dificuldade das forças nazistas no seu avanço na URSS, Heinrich Himmler ordenou que uma comissão de médicos viajasse por todos os campos de concentração a fim de eliminar os doentes e os "psicopatas" (em geral, os comunistas) que fossem considerados incapazes para o trabalho. Doravante bastaria ser idoso, doente, judeu, sacerdote, comunista ou social-democrata para ser assassinado.
Os Selecionadores
Os responsáveis pelo extermínio fixaram a partir de nove de março de 1943, uma equipe permanente de "selecionadores" que aguardavam as vítimas nas plataformas das estações ferroviárias, todos portadores de títulos de doutor (*). O trabalho deles era supervisionar os procedimentos de extermínio. Deviam separar os fracos, os doentes, os velhos, bem como as crianças e enviá-los para as câmaras de gás, enquanto um outro grupo, mais jovem e ainda sadio, seria mantido vivo para os trabalhos na infra-estrutura dos campos e nas fábricas que os utilizava como mão-de-obra.
(*) Uma organização médica reivindicou essa função junto ao comando da SS, em vista, segundo ela, dos selecionadores terem que ter formação acadêmica, com extensão em antropologia racial, para, em meio a multidão semita ou não-germânica, que desembarcava nos campos, poderem identificar um ariano puro e salvá-lo da morte certa.