PSICOSSOMÁTICA: UMA REVISÃO
Fernando Montanari1 Suzana Silva Kroeff2 Taíse Moschen3 Vivian Cristina Lederer Kratz4 Rudimar Mendes
Resumo: A fim de melhor compreender esse tema tão presente e atual na clínica contemporânea e as razões pelas quais os pacientes psicossomáticos apresentam dificuldade em entender seus sintomas, o presente trabalho teve como objetivo estudar o contexto da psicossomática, desde seu surgimento enquanto objeto de estudo até sua evolução enquanto conceito, passando pelas principais escolas de pensamento que se debruçaram sobre a temática. Por meio de pesquisa bibliográfica e revisão de livros e artigos. Neste artigo buscou-se uma cronologia dos olhares sobre a psicossomática desde a Antiguidade até o surgimento da psicanálise freudiana, assim como, trata da correlação dos sintomas histéricos com as manifestações somáticas, trazidas por Freud. Por fim, trata-se de uma leitura das principais contribuições das escolas de psicossomática. A dificuldade de simbolização entre os psicossomáticos, em que as angústias ficam desassociadas das dores, fatos e realidades traumáticas é uma das principais conclusões do estudo. Por não associar a causa orgânica à psicológica, muitos pacientes tardam ao buscar tratamento psicológico. Palavras-Chave: Psicossomática, corpo, Psicologia e Psicanálise.
1 INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é estudar o contexto da psicossomática, desde seu surgimento enquanto tema até sua evolução enquanto conceito, passando pelas principais escolas de pensamento, até a atualidade. A fim de especificarmos a pesquisa, delimitamos o tema em uma análise contextual da psicossomática para fins de investigação do conceito. O ponto de vista do qual partimos é a busca pelo entendimento das razões pelas quais os pacientes psicossomáticos apresentam dificuldade em entender seus sintomas. É longo e vasto o campo a ser percorrido pela pesquisa em Psicologia a fim de encontrar respostas e formular novas perguntas com o objetivo de aliviar o sofrimento humano. Colaborar nesse constructo é a finalidade deste trabalho proposto para fins de Atividade Prática Supervisionada (APS) do Curso de Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG). Para isso, iniciamos já no primeiro capítulo, com uma breve contextualização do tema, resgatando a cronologia dos olhares sobre a psicossomática nas diferentes épocas, desde a Antiguidade até o surgimento da psicanálise freudiana. No próximo capítulo tratamos do pensamento estruturado por Freud acerca do tema até chegarmos à psicanálise atual. 1 Acadêmico do Curso de Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha. 2 Acadêmica do Curso de Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha. 3 Acadêmica do Curso de Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha. 4 Acadêmica do Curso de Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha. 5 Mestre em Filosofia. Psicólogo. Professor e coordenador do Curso de Psicologia da FSG. 449 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX Assim, especificamos o surgimento do termo psicossomática, cunhado por Heinroth em 1918, para no quinto capítulo seguirmos com o desenvolvimento do tema pela Escola Americana, de Franz Alexander, e no sexto capítulo pela Escola Francesa, liderada por Pierre Marty. No sétimo capítulo fazemos um percurso pelas contribuições de Lacan em relação à psicossomática. No oitavo capítulo apresentamos a Escola de Boston e o conceito de alexitimia, até chegarmos ao nono capítulo e reunirmos contemporâneas perspectivas acerca da psicossomática.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO Não são de hoje as discussões, estudos e a curiosidade em entender a fundo as relações entre o adoecer e o bem viver. Refere Volich, desde os tempos imemoriais, o combate entre a vida e a morte e a oscilação entre saúde e doença foram mistérios fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento do homem sobre si mesmo e sobre a natureza (VOLICH, 2010, p. 23). Castro, Andrade e Muller (2006, p. 40) lembram que Descartes “postulou a separação total da mente e corpo”, alicerçado em um discurso dualista cartesiano. Víctora, Knauth e Hassen (2000) vão adiante e explicam essa dicotomia. Essa concepção dicotômica entre corpo/mente ou corpo/alma ou físico/moral direciona a análise da realidade material – o corpo – como independente das representações sociais – domínio da subjetividade. A universalidade do corpo é premissa básica dessa análise. (VÍCTORA; KNAUTH; HASSEN, 2000, p. 15). Isso se dá porque, segundo os autores, “a doença exige uma explicação não apenas de suas causas naturais, mas também de sentido.” (VÍCTORA; KNAUTH; HASSEN, 2000, p. 21). Se percorrermos alguns momentos históricos, começando pela Antiguidade, podemos perceber que o olhar teocêntrico abordava o adoecimento como sobrenatural, e a cura se davam através dos rituais religiosos. Já no III milênio a.C., na civilização assírio-babilônica, para o mesmo autor acima citado, “curas rituais e mágicas coexistiam com tentativas de estabelecer procedimentos por analogia, com referência à mitologia, à metafísica e à astrologia.” (VOLICH, 2010, p. 23). Em paralelo, no Egito Antigo “emergiram também os primeiros sinais de um raciocínio analógico na compreensão de sintomas e na escolha terapêutica.” (VOLICH, 2010, 450 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX p. 24). “No século V a.C., Heródoto, assinalava a divisão em especialidades na medicina egípcia.” (VOLICH, 2010, p. 24). René Descartes (1596 – 1650) contribuiu com o surgimento do método científico, dividindo o todo em partes, tantas quantas necessárias para se chegar à compreensão. Essas diferentes visões vão contribuir para que em 1918 Heinroth (1773-1843), psiquiatra alemão, apresente a expressão psicossomática, em um artigo onde relacionava a influência das paixões (palavra que vem do grego Pathos, que significa afecção, excesso, ser afetado por, e irá originar o termo patologia) com o processo de adoecer, “ressaltando a importância da integração dos processos físicos e anímicos do adoecer.” (VOLICH, 2013, p. 55). Em 1928, Heinroth fala em somatopsíquica “para caracterizar as modificações dos estados psíquicos a partir do fator corporal.” (VOLICH, 2013, p. 55). A breve fundamentação sustenta a relevância do tema a que se propõe o presente ensaio: entender as questões etiológicas em relação à psicossomática, da Antiguidade até o contexto atual, com o objetivo de responder à pergunta: Por que os pacientes psicossomáticos apresentam dificuldade em entender seus sintomas? A fim de analisarmos as razões em que residem as dificuldades de entendimento da origem de certos males e doenças que atingem o corpo, parece pertinente que percorramos, ainda que brevemente, a origem e a evolução dos conceitos de saúde e doença. Antigamente, a superstição, a magia e a cura estavam bastante mescladas, e as figuras do médico e do religioso andavam juntas, sendo “o xamã [...] o mediador entre as forças cósmicas e o doente.” (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 39). Assim como refere Castro et al., na mitologia grega várias divindades estão vinculadas à saúde: Apolo, Esculápio, Higéia e Panacéia. Já em um período posterior grego, Hipócrates, Platão e Aristóteles já consideravam a unidade indivisível do ser humano. Platão descrevia a alma como preexistente ao corpo e a ele sobrevivente, enquanto Aristóteles postulava que todo o organismo é a síntese de dois princípios: matéria e forma. (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 39). Responsável por dar à medicina o espírito científico, Hipócrates de Cós (460 a.C.), tenta explicar os estados de saúde e doença pela “existência de quatro fluidos (humores) principais no corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue.” (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 39). A saúde seria o equilíbrio entre esses elementos. Os mesmos autores lembram por meio de Volich (2006) que Hipócrates entendia a enfermidade como uma desorganização desse estado. 451 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX A partir desses conceitos Hipócrates teria afirmado que “os asmáticos deviam se resguardar da raiva.” (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 39). Mais tarde, Cláudio Galeno (129-199) entendia “a causa da doença como endógena, ou seja, estaria dentro do próprio homem, em sua constituição física ou em hábitos de vida que levassem ao desequilíbrio.” (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 40). Essa teoria persistiu até Paracelsus (1493-1541) afirmar que “as doenças eram provocadas por agentes externos ao organismo.” (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p.40). Na Idade Média, Fava (2000 apud CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 40), lembra que “a doença era atribuída ao pecado, sendo o corpo o locus dos defeitos e pecados, e a alma, o dos valores supremos”. Na modernidade surgem Descartes e a teoria da separação completa entre mente e corpo. A postura dualista influenciou o desenvolvimento do pensamento médico, sendo reforçada no século XIX com o avanço representado pelas descobertas de Pasteur e Virchow e a visão de uma etiologia de causa específica de doença reforçando essa tendência ao reducionismo (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p.40). Mello Filho (1993 apud CERCHIARI, 2000) divide a evolução da psicossomática em três fases. A primeira, inicial, psicanalítica, com interesse em estudos sobre a origem inconsciente das doenças, “teorias da regressão e [...] ganhos secundários da doença”. A segunda, também chamada de fase intermediária, influenciada pelo modelo Behaviorista, valorizou as pesquisas tanto em homens como em animais, deixando assim grande legado aos estudos do stress. A terceira fase, denominada de atual ou multidisciplinar, valorizou o social, a interação e interconexão entre os profissionais das várias áreas da saúde. (CERCHIARI, 2000, p. 3). Já na década de 30, C. G. Jung diferenciava mente e corpo por um viés conceitual: A distinção entre mente e corpo é uma dicotomia artificial, um ato de discriminação baseada muito mais na peculiaridade de cognição intelectual que na natureza das coisas. De fato, é tão íntimo o inter-relacionamento dos traços psíquicos e corporais que podemos não somente estabelecer inferências sobre a constituição da psiquê a partir da constituição do corpo como também podemos inferir características corporais a partir das peculiaridades psíquicas. (JUNG s.a. apud SILVA et al., 2004, p.6). Conforme escritos de Nemiah (2000, apud CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 40), Pierre Janet, no final do século XIX, “levantou a hipótese psicodinâmica para um processo psicossomático” por meio do caso Marie. Já a partir do início do século XX, o médico alemão Sigmund Freud, “através do conceito de determinismo psíquico, resgata a 452 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX importância dos aspectos internos do homem” (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 40), que é o que iremos discorrer no próximo capítulo. 3 DE FREUD À PSICANÁLISE ATUAL No mesmo período em que surgem os termos psicossomática e somatopsíquica, Freud (interessado em encontrar um tratamento efetivo para os pacientes histéricos) funda a Psicanálise e apresenta suas ideias defendendo um sentido para os sintomas psíquicos manifestos no corpo e recalcados no inconsciente. De acordo com Volich, “para cada indivíduo, as diferentes soluções encontradas em face dos conflitos experimentados ao longo de sua vida, ou em momento particular dessa, determinam o bem estar ou o adoecer.” (VOLICH, 2010, p. 82). Castro, Andrade e Muller observam que “desde o início a psicanálise partiu do corpo” (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 40), uma vez que o sintoma aparecia no corpo. Daí falar-se em somatopsíquica. Freud estruturou a teoria da sexualidade infantil enfatizando as experiências da infância vividas nas relações com o outro e da libido, uma energia psíquica, pulsional, originada na relação entre as necessidades de autoconservação e o investimento inicial recebido. Sobre a satisfação ou frustração da libido, Volich esclarece: os destinos da excitação sexual são marcados pelas experiências de satisfação ou de frustração experimentadas pelo sujeito tanto com relação a outro humano, objeto externo, como com o próprio corpo do sujeito, através das experiências autoerógenas. (VOLICH, 2010, p. 85). O fundador da psicanálise apropria-se do termo médico histeria e teoriza a neurose e a histeria de conversão como sendo a estrutura responsável pelas manifestações somáticas dos conflitos psíquicos. Conforme entendimento de Clemente, sobre os escritos de Freud, o corpo, não raro, transcreve uma história misteriosa que pode ser decifrada e traduzida em palavras, mediante a identificação daquilo que o recalcamento ocultou da linguagem e a conversão transformou em um sintoma dotado de valor simbólico (FREUD, 1908 apud CLEMENTE, 2010 p. 58). Freud postula as fases do desenvolvimento psicossexual e enfatiza os conflitos das fases oral e anal como elementos importantes na estruturação psíquica da personalidade psicótica (esquizofrenia ou transtornos de humor ou paranoia). Enfatiza a conflitiva edípica, da fase fálica, como elemento importante na estrutura neurótica (obsessiva compulsiva, 453 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX neurose histérica de angústia ou neurose histérica de conversão). A forma como o conteúdo recalcado retornará à realidade do sujeito definirá o tipo de neurose. Assim, podemos definir, a partir de Laplanche e Pontalis (2001, p. 296), que neurose é uma “afecção psicogênica em que os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem raízes na história infantil do sujeito e constitui compromisso entre o desejo e a defesa”. Já a histeria, enquanto estrutura, para o mesmo autor, é uma classe de neurose (distúrbio emocional cuja característica principal é a angústia) e pode ser de dois tipos: de conversão (se caracteriza pela predominância de sintomas de conversão) e de angústia, cujo sintoma central é a fobia. Freud relacionou a emoção reprimida, não aliviada pelos canais normais de atividades voluntárias, à constituição dos distúrbios crônicos e psíquicos no corpo. Ela está recalcada dando espaço para o mesmo afeto se associar a novos representativos, retornando substitutivamente através do sintoma. Os sintomas neuróticos “resultam de uma incompatibilidade (conflito) entre vivências ou representações que provocam afetos aflitivos (desprazer), e que o sintoma resulta da impossibilidade da “atividade do pensamento” de diminuir ou eliminar a perturbação produzida por elas.” (VOLICH, 2010, p. 86). Complementa a citação de Freud: esses pacientes [...] gozaram de boa saúde mental até o momento em que houve uma ocorrência de incompatibilidade em sua vida representativa – isto é, até que seu eu confrontou com uma experiência, uma representação ou um sentimento que suscitaram um afeto tão aflitivo que o sujeito decidiu esquecê-lo, pois não confiava em sua capacidade de resolver a contradição entre a representação incompatível e seu eu por meio da atividade do pensamento (FREUD, 1906, p. 55). Considerando que a estruturação da personalidade acontece principalmente durante os primeiros anos de vida de um sujeito, se faz pertinente a colocação de Volich, a mãe, ou seus substitutos, ao prover os cuidados ao bebê, propicia-lhe não apenas satisfação material (alimentação, limpeza), mas igualmente sua própria experiência afetiva e libidinal, que acompanha tais ações. As marcas da experiência emocional do outro também passam a fazer parte da representação do objeto. (VOLICH, 2010, p. 162). O autor detalha a importância dos investimentos afetivos para com a criança na estruturação psíquica desse sujeito. Desde o nascimento, ao ser cuidado por sua mãe, ou por outra pessoa que ocupe esse lugar, a criança experimenta, simultaneamente à satisfação de suas necessidades, o prazer de ser desejada por ela. Por meio de gestos, palavras, fantasias, essas experiências promovem a erogenização do corpo da criança, que, dessa forma transcende gradativamente seus funcionamentos corporais automáticos, 454 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX determinados pela natureza, para viver novas experiências, que podem tanto conduzir ao prazer, como à angústia (VOLICH, 2010, p. 173). Volich (2010, p. 176), prossegue explicando que “Dejours acentua o caráter primordial e estruturante desse corpo”. Segundo ele, as falhas na sua constituição, os fracassos da subversão libidinal traduzem-se pela impossibilidade de completar o desenvolvimento psíquico, ou por falhas e fragilidades das economias psicossomáticas (VOLICH, 2010 p. 176). Ele enfatiza a importância deste corpo erogenizado e acrescenta que os fracassos na obtenção final do seu desejo nele se mostram como falhas e impossibilitam o desenvolvimento psíquico do corpo real. Tudo isso será exacerbado ou atenuado segundo a sua reserva de investimentos. O pensar freudiano mudou o rumo dos estudos, mesmo sem intenção de fazê-lo. Ele provocou “uma mudança de paradigma, ao superar o reducionismo biológico imposto pela tradição cartesiana” (CLEMENTE; PERES, 2010, p. 2), inspirando outros autores a investigar mais sobre o assunto. Ribeiro e Santana (2003) concluem, o legado deixado por Freud, para estudo dos fenômenos psicossomáticos por meio das neuroses atuais, foi teorizar o sintoma somático como produto da angústia – sem mediação da repressão -, o caráter atual da etiologia e sintoma como consequência da não satisfação da libido. (RIBEIRO; SANTANA, 2003 apud ELAEL, 2008, p. 26). 4 DEFINIÇÕES DE PSICOSSOMÁTICA Castro, Andrade e Muller (2006, p. 40) pontuam que em meados de 1917, o psicanalista Groddeck publica a obra que é considerada “um marco da medicina psicossomática”: Determinação psíquica e tratamento psicanalítico das afecções orgânicas, propondo que “o mecanismo psicológico da conversão histérica poderia ser generalizado para outras doenças somáticas, como uma expressão simbólica de desejos inconscientes manifestados no corpo do paciente” (HAYNAL, 1993 apud CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 40). Épinay (1988) apud Castor et al. (2006) explica o pensamento de Groddeck, Groddeck considerava que toda doença tem um sentido e não é fruto do acaso; que é uma solução problemática para os conflitos que pontuam cada ser humano. A saúde 455 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX seria responsabilidade de cada um e ao médico competiria, não curar, mas tratá-la, criando, em colaboração com o paciente, condições adequadas de saúde. (ÉPINAY, 1988 apud CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 40). Casetto entende que Groddeck “estende a teoria do processo conversivo a todo episódio de adoecimento” (2006, p. 123), defendendo que a razão do sintoma, inconsciente, é elucidada pelas consequências que o mesmo provoca: “dores de cabeça aplacam os pensamentos; magreza e fraqueza denunciam a nostalgia da condição de recém-nascido; uma barriga, o desejo de gravidez.” (CASETTO, 2006, p. 123-124). De acordo com Castro, Andrade e Muller (2006, p. 40), “classicamente psicossomático é definido como todo distúrbio somático que comporta em seu determinismo um fator psicológico interveniente”, ou seja, que intervém propriamente e contribui à gênese da doença, e “não de modo contingente, como pode ocorrer com qualquer afecção”. Atualmente o termo psicossomático é compreendido como “a inseparabilidade e interdependência dos aspectos psicológicos e biológicos.” (RAMOS, 1994, apud CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 40). No manual classificatório, o DSM-IV (2002), “o termo psicossomático foi substituído por fatores psicológicos que afetam a condição médica.” (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 41). 5 ESCOLA AMERICANA De acordo com Alexander e Dunbar, da Escola de Chicago, os transtornos psicossomáticos se dariam a partir de estados de tensão crônica, “relativa à expressão inadequada de determinadas vivências, que seriam derivadas para o corpo.” (CARDOSO, 1995 apud CHERCIARI, 2000, p. 4). Cerchiari (2000, p. 4) pontua que Alexander analisou “o conceito Freudiano de histeria conversiva em psicossomática”. Segundo a autora, ele distingue “sintoma conversivo e neurose vegetativa”. Retomando os conceitos já estudados por Freud, Alexander define o sintoma conversivo como “a expressão simbólica de um conteúdo psicológico emocionalmente definido; é uma tentativa de descarregar a tensão emocional.” (ALEXANDER, 1989 p. 37). A neurose, para o mesmo autor, é uma “resposta fisiológica dos órgãos vegetativos a estados emocionais, que, ou são constantes, ou retornam periodicamente”. 456 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX Acerca da psicodinâmica, Alexander (apud CERCHIARI, 2000, p. 4) “divide os distúrbios emocionais das funções vegetativas em duas categorias”, correspondendo a “atitudes emocionais” determinadas. “A primeira categoria se refere às atitudes emocionais de preparação para luta ou fuga e a segunda à retirada da atividade dirigida para o exterior.” (ALEXANDER, 1989, apud CERCHIARI, 2000, p. 4). 6 ESCOLA FRANCESA Insatisfeito com as ideias de Franz Alexander sobre inconsciente e as doenças somáticas, Pierre Marty juntamente com psicanalistas da Sociedade psicanalista de Paris e L. Kreisler criaram a Escola Francesa de Psicossomática. Para eles, “pacientes somáticos se caracterizam por um modo de funcionamento psíquico distinto daquele apresentado por neuróticos e psicóticos.” (VOLICH, 2000 apud PERES, 2006, p. 3). Para eles, “as doenças orgânicas devem ser analisadas a partir de uma perspectiva de continuidade evolutiva e funcional entre o corpo anatômico e o corpo erógeno.” (VIEIRA, 1997 apud PERES, 2006, p. 3). Segundo o autor, as pessoas psicossomáticas têm sua capacidade de simbolização comprometida e pensamentos voltados para a realidade. Assim como Freud, Marty acredita que esse funcionamento psíquico encontra-se intimamente ligado a situações ocorridas na primeira infância. Indivíduos operatórios foram educados por mães autoritárias, deprimidas, negligentes, superprotetoras ou que, devido a qualquer outro motivo, não se mostraram capazes de proteger seus filhos das tensões que os acometeram no início da vida. (PERES, 2006, p. 5). Conforme Horn e Almeida (2003), Silva e Caldeira (1993 apud Peres, 2006) o funcionamento psíquico dos psicossomáticos não se enquadra em psicóticos ou neuróticos, mas sim eles funcionamento psíquico próprio, chamados por eles de “pensamento operatório”. Esse comprometimento tende a se desdobrar em uma considerável restrição da atividade fantasmática e em um marcante apagamento de toda expressividade de ordem mental, o que denota a existência de uma carência funcional do psiquismo. (HORN; ALMEIDA, 2003; SILVA; CALDEIRA, 1993 apud PERES, 2006, p. 4). Para os autores, há “uma orientação excessiva à realidade externa e um apego demasiado à materialidade dos fatos.” (MARTY; M’UZAN, 1962 apud CLEMENTE; 457 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX PERES, 2010, p. 7). Esse apego acaba por ocasionar sofrimento. “O rearranjo dos elementos funcionais existentes no pré-consciente torna-se custoso na vida operatória.” (MARTY, 1985; LORID, 2001 apud PERES, 2006). Os autores discorrem sobre os desdobramentos dessa condição ao longo da existência do sujeito. Em função de esse rearranjo ser uma condição indispensável para a execução dos movimentos psíquicos de organização evolutiva que se fazem necessários ao longo da vida, a substituição da simbolização pela reação biológica deixa de ser — principalmente em circunstâncias estressoras — uma prática esporádica e reestruturante, transformando-se em uma ação usual e destrutiva. Seguindo esse raciocínio, o pensamento operatório não deve ser entendido como um mero desdobramento do impacto causado pela ocorrência de uma somatização, mas, sim, como um fator associado ao adoecimento. (VIEIRA; FERRAZ, 1997 apud PERES, 2006, p. 5). Um das maiores nomes da atualidade da psicossomática psicanalítica, Joyce McDougall, defende que “pacientes somáticos geralmente são pouco capazes de elaborar psiquicamente afetos potencialmente desestruturantes.” (PERES, 2006, p. 5). Para ela, os pacientes psicossomáticos não querem perder o controle de suas emoções e, para isso, inconscientemente deixam de usar estratégias que evitam isso. Segundo Joyce, essas estratégias “não devem ser comparados à repressão — uma vez que não são executados conscientemente — e tampouco ao recalque — pois não transformam emoções em material inconsciente.” (MCDOUGALL, 1983 apud PERES, 2006, p. 6). Ela acredita que esses afetos podem ser ejetados do aparelho mental. Ejetar do psiquismo percepções, pensamentos, fantasias e outras ocorrências de natureza psicológica (frequentemente criadas por situações banais no mundo exterior, porém carregadas de dor mental para o indivíduo, registrada, mas não reconhecidas como tais) pode produzir no adulto, uma regressão a respostas somáticas ao invés de uma resposta psicótica. (MCDOUGALL, 1991 apud PERES, 2006, p. 6). O que foi “ejetado” do aparelho psíquico é convertido no corpo. “A utilização desse expediente pode promover uma cisão entre o corpo anatômico e o corpo erógeno, culminando na ressomatização do afeto.” (MONTAGNA, 1988 apud PERES, 2006, p. 6). É o que Freud chamou de “Repúdio para fora do ego” (Verwerfung), onde a psique utiliza “uma espécie de defesa muito mais poderosa e bem-sucedida. Nela, o ego rejeita a representação incompatível juntamente com seu afeto e se comporta como se a representação jamais tivesse lhe ocorrido.” (FREUD, 1894 apud PERES, 2006, p. 6). 458 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX Diferentemente de Freud, McDougall não associa o repúdio do ego às psicoses. Para ela, os afetos são eliminados sem deixar nenhum registro no psíquico das pessoas, criando assim um quarto destino para eles. Pacientes somáticos usualmente não encontram nenhum dos três destinos descritos por Freud (1894b/1996), posto que, quando excluídos, não são convertidos, deslocados ou transformados. (CLEMENTE; PERES, 2010, p. 6). Os afetos podem “efetivamente desaparecer do aparelho psíquico mediante a expulsão do plano consciente de pensamentos, fantasias e representações associadas a afetos capazes de provocar sofrimento.” (CLEMENTE; PERES, 2010, p. 4). Para Joyce, assim como para Marty, os pacientes psicossomáticos têm dificuldades de simbolização, há uma dissociação entre a representação da palavra e a representação da coisa, o que faz com que os sinais de angústia se tornem equivalentes de uma representação da coisa, destacada da representação da palavra que daria sentido a experiência (MCDOUGALL,1991 apud CLEMENTE; PERES, 2010, p. 4). Laplanche e Pontalis (2000 apud CLEMENTE; PERES, 2010) esclarecem como se dá a formação dessas representações, a representação de coisa resulta do investimento de imagens mnésicas de coisas ou de traços mnésicos derivados. A representação de palavra se encontra relacionada à verbalização. A ligação entre uma e outra caracteriza o sistema préconsciente/consciente; ao passo que o sistema inconsciente compreende apenas a representação de coisa. (LAPLANCHE E PONTALIS, 2000 apud CLEMENTE; PERES, 2010, p. 4). Seguindo a cronologia dos fatos, a partir dos próximos capítulos discorreremos sobre as contribuições de Lacan ao tema, bem como sobre a Escola de Boston e o conceito de Alexitimia, que derivam do pensamento da Escola Americana. 7 LACAN Em um encontro na Salpétrière, Lacan afirmou, num texto conhecido por “Psicanálise e medicina”, que se a ciência moderna continuar a ignorar o “efeito sujeito” cada vez mais se abriria a falha epistemo-somática entre o saber científico sobre o corpo e o que seria 459 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX possível a esse corpo, habitado por um sujeito do desejo e do gozo e ignorado pela ciência, apresentar como fenômeno (LACAN, 1966 apud RIBEIRO, 2004, p. 2). Segundo Carneiro Ribeiro, é o que hoje verifica-se na clínica, com a multiplicação de demandas de análise feitas por sujeitos portadores de fenômenos psicossomáticos (FPS), [...] vagando em uma terra de ninguém entre a medicina e a psicanálise. Talvez seja essa, contudo, uma das aberturas por meio das quais a psicanálise consiga introduzir o “efeito sujeito” à reflexão da ciência. Existem sujeitos portadores de fenômenos psicossomáticos que os fazem sofrer. O interesse por este tema se acentua se pensarmos que a foraclusão do “efeito sujeito” na ciência, que produz a proliferação dos fenômenos psicossomáticos, faz parte da estratégia do discurso capitalista de reduzir o sujeito ao consumidor passivo dos objetos de gozo. (RIBEIRO, 2004, p. 2). Ao procurar auxílio terapêutico, o indivíduo está passando por crises e conflitos emocionais, por mais que traga uma queixa física, ele não consegue significar psiquicamente (discorrer a cadeia significante) tal queixa. Se olharmos sob o aspecto médico, o corpo é um organismo vivo, que pode ser estudado, manipulado, já sob o olhar da psicanálise, ele torna-se erotizado, marcado pela pulsão e pela linguagem, ambas inseparáveis. Lacan (1966 apud ELAEL, 2008), sugere que “no ser falante, o organismo vai além dos limites do corpo, inclui a libido e os objetos que são extra-corpo”. Assim, ELAEL no faz ver que: mesmo antes do nascimento, o ser vivente já está inserido no simbólico, ou seja, na linguagem. Ele já existe no imaginário dos pais, que lhe atribuem significantes e significados, que interferirão sua constituição futura. Nos primeiros anos, esse corpo é marcado libidinalmente pelos cuidados maternos e pelo desejo parental; só aos poucos o indivíduo vai dele se apropriando. (ELAEL, 2008, p. 19). Em detrimento a observação psicanalítica e o contraponto da medicina, não se vê uma manifestação no órgão de um corpo, mas num corpo representado pela linguagem e pulsão. Lacan traz à luz o fenômeno psicossomático em etapas diversas em suas abordagens, focando em três aspectos distintos: o imaginário, simbólico e real. Para Lacan (1966 apud ELAEL, 2008, p. 30) “o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise” aproxima o fenômeno psicossomático ao imaginário no que diz respeito à forma, à imagem, à gestalt do corpo. O corpo, no fenômeno psicossomático, é concebido como uma forma cativante e alienante que captura a identificação imaginária do sujeito pela promessa de completude que acena. (ELAEL, 2008, p. 30). Segundo Carneiro Ribeiro, “o fenômeno psicossomático se inscreveria como um acidente do investimento libidinal, um curto circuito da pulsão que, investida, no próprio 460 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX corpo, o fere, o marca.” (RIBEIRO apud ELAEL, 2008, p. 30). Lacan na “Conferência de Genebra sobre o sintoma”, cita que “o FPS está profundamente enraizado no imaginário.” (LACAN, 1966 apud ELAEL, 2008, p.30). Em Outros Escritos, no texto “Radiofonia”, Lacan explica que, é efeito da entrada do corpo no simbólico, efeito da historização do corpo. O corpo entra na linguagem sofrendo os efeitos dos ditos, daqueles que representam o Outro para o sujeito. Eis o que historiza e histeriza o corpo. Assim, o afeto surge como efeito dos ditos do Outro no corpo. (1970 apud ELAEL, 2008, p. 32). Para Quinet, conforme apontado por Elael: o corpo é negativação da carne porque não é qualquer carne que incorpora um significante e torna-se corpo. Característica conferida, somente, aos seres falantes, aos que estão submetidos à linguagem. O corpo se torna conceito da Psicanálise. Ao se negativizar a carne, sai dela o gozo. (QUINET, 2004 apud ELAEL, 2008, p. 33). Segundo Lacan, “enquanto real, o corpo é carne. Um pedaço de carne que não teve a inscrição simbólica.” (LACAN, 1974 apud ELEAL, 2008, p. 36). Lacan, neste mesmo texto, se referindo ao real do corpo, lança a pergunta: De que temos medo? Responde em seguida: do nosso corpo. O mesmo autor, no seminário que denominou “A angústia” (LACAN, 1974 apud ELAEL, 2008, p. 36), definiu que “este sentimento de angústia refere-se ao fato de nos vermos reduzidos ao nosso corpo. Corpo como máquina que vai falhar e vai nos matar”. Lacan atribui “como específico do ser falante – e especialmente evidente na histérica que brinca de testar a elasticidade da libido – que o organismo incluiria, além do corpo, a própria libido.” (LACAN, 1964 apud ELAEL, 2008, p. 47). “Libido esta que é extra-corpo, como são extra-corpo os objetos a” (LACAN, 1964 apud ELAEL, 2008, p. 47). Ao organismo, soma-se a libido, os objetos a fora do corpo, extrapolando assim as fronteiras do corpo. No FPS há uma sinalização pontual da mortalidade da carne, que retorna no fenômeno, o que pode fazer com que uma abordagem direta possa se tornar, no mínimo, perigosa. Afinal lida com a morte realizada no imaginário do corpo e não apenas imaginarizada no simbólico pelo pensamento. (RIBEIRO apud ELAEL, 2008, p. 59). 8 ESCOLA DE BOSTON E CONCEITO DE ALEXITIMIA 461 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX Cerchiari (2000, p. 6) pontua que “Jonhn Nemiah e Peter Sifneos, dois analistas americanos, nos anos 70, que se propuseram a realizar pesquisas sobre a forma peculiar de se comunicar dos pacientes psicossomáticos” através de uma detalhada pesquisa realizada a partir de gravações de entrevistas psiquiátricas com pacientes que “apresentavam alguma doença psicossomática clássica” chegaram à conclusão que “dezesseis desses pacientes demonstraram uma impressionante dificuldade de expressar ou descrever suas emoções através da palavra, assim como uma acentuada diminuição dos pensamentos fantasmáticos.” (CERCHIARI, 2000, p. 6). A autora segue o resgate explicando que depois de sucessivas observações, tais autores, concluíram que os pacientes com doenças psicossomáticas clássicas, ao contrário dos pacientes psiconeuróticos, apresentavam frequentemente uma desordem específica nas suas funções afetivas e simbólicas, acarretando uma forma de se comunicar confusa e improdutiva.” (TAYLOR, 1990, apud CERCHIARI, 2000, p. 6). Ainda de acordo com Taylor (1990), a forma “peculiar de se comunicar” dos pacientes, Sifneos (1972) denominou Alexitimia, ‘’sendo que a etimologia da palavra é de origem grega (A = falta de, LEXIS = palavra, THYMOS= emoção), significando falta de palavras para as emoções.’’ (TAYLOR, 1990 apud CERCHIARI, 2000, p. 6). Tendo como um dos principais sintomas a confusão entre sensações e sentimentos, e tendo como problemática expressar os sentimentos através de palavras, o alexitímico costuma relacionar suas sensações orgânicas aos seus sentimentos. Como podemos citar que, após sofrer um golpe emocional, o alexitímico irá reclamar de dor de cabeça ou dores no corpo, mas não saberá dizer citar de forma clara o que de fato sentiu. Cerchiari lembra que embora no início tenha sido “relacionada a perturbações psicossomáticas clássicas, atualmente” a alexitimia é comum, em um grande número de sujeitos que padecem de diversas perturbações físicas e psicopatológicas, quer como um estilo peculiar do funcionamento mental, quer como resposta do sujeito às situações vividas como ameaçadoras pela difícil contenção psíquica das emoções dolorosas. (TEIXEIRA, 1991, apud CERCHIARI, 2000, p. 7). Os autores Nemiah e Sifneos (1990 apud CHERCHIARI, 2000), perceberam, através desses estudos, que havia uma diferença considerável na forma como os pacientes alexitímicos e os pacientes neuróticos expressavam suas queixas. Enquanto os pacientes neuróticos se queixavam de sintomas emocionais e dificuldades psicológicas, os pacientes alexitímicos se queixavam de sintomas 462 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX somáticos, onde na maioria das vezes não havia qualquer ligação entre os sintomas e qualquer doença física que pudessem ter. A maneira como esses pacientes se comunicavam se caracterizava por um pensamento simbólico em que as pulsões, os sentimentos e os desejos não apareciam (CERCHIARI, 2000, p. 7). Os autores se referem ainda ao que consideram “uma extraordinária dificuldade desses sujeitos em reconhecer e descrever seus próprios sentimentos”, e pontuam que os mesmos não conseguem também diferenciar “as sensações corporais dos estados emocionais.” (CERCHIARI, 2000, p.7). 9 NOVAS PERSPECTIVAS O avanço dos estudos relativos às neurociências tornou o conceito do dualismo de cada vez mais difícil aceitação, pela verificação da ligação do funcionamento e regulação de estruturas cerebrais, como o sistema nervoso autônomo, pelo controle emocional (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006). “O sistema imune influencia e é influenciado pelo cérebro.” (URSIN, 2000, apud CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 41). Conforme outra abordagem, O campo de estudo da psiconeuroimunologia tem suas origens no pensamento psicossomático e tem evoluído no sentido da realização de investigações de complexas interações entre a psique e os sistemas nervoso, imune, e endócrino. (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 41). Concepções ainda mais abrangentes, como a sociossomática, dão conta de a doença se origina de uma conjugação de fatores vindos “do corpo, da mente, da sua interação e da interação também com o ambiente e o meio social.” (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006, p. 41). Em sua análise, o psicanalista J. Mac Dougall (s.a apud SILVA et al., 2004, p. 3) afirma que “sem afeto não se liga a psiquê ao soma.” Seguindo seu embasamento é correto afirmar que, nossos investimentos para mantermos em ordem nossa estrutura psíquica, sintomas surjam caracterizados como defesas de algo real ou imaginário, como ações de bloqueio de afeto. Na ausência de contornos de sublimação, buscamos outros mecanismos de defesa, como racionalização, negação, repressão, isolamento, projeção e recalque, impedindo a manifestação de nossas necessidades instintivas, nos levando a adoecer. Segundo o autor, doença e saúde, 463 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX se referem a um estado das pessoas, e não a órgãos e partes do corpo. O corpo nunca está só doente ou só saudável, pois nele se expressam informações da mente, que está em constante conflito. Assim sendo, o corpo, por si mesmo, nada faz. Basta observar um cadáver. O corpo de um ser humano vivo deve seu funcionamento, sua saúde e /ou doença às instâncias de sua consciência e inconsciência.” (J. MAC DOUGALL, s.a., apud SILVA et al., 2004, p. 3). 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelo presente trabalho fica clara a permanente evolução do entendimento acerca da psicossomática e as dificuldades em se chegar a um denominador comum e a um conceito acabado do tema. No entanto, o rico percurso pelo instigante e desafiador assunto nos permite tecer algumas considerações longe de conclusivas, mas momentaneamente acalentadoras no viés da preliminar investigação científica proposta como Atividade Prática Supervisionada (APS). É inegável que passadas as primeiras tentativas de compreensão do fenômeno psicossomático ao longo da história, a contribuição do pai da psicanálise, correlacionando os sintomas histéricos às manifestações somáticas, foi o ponto de partida para importantes desdobramentos. Após Freud lançar concepções diferentes do modo cartesiano, Alexander foi o responsável por aproximar medicina e psicanálise, fundando a escola psicossomática. Pierre Marty, também em busca de mudar os paradigmas de sua época (as concepções da Escola Americana), seguiu com a linha de pensamento psicanalista proposta por Freud. Para o francês, as pessoas psicossomáticas, devido à sua relação com a mãe na infância, têm um funcionamento psíquico próprio, que ele chamou de “pensamento operante”. Seguindo essa mesma linha, hoje um dos maiores nomes da psicossomática psicanalista é Joyce McDougall, que utiliza parte das teorias que foram criadas por Freud e Marty, porém cria suas próprias concepções a respeito da psicossomática. A alexitimia, na escola de Boston, define muito bem a dificuldade do paciente psicossomático em entender e expressar os próprios sintomas – pergunta que norteou a presente pesquisa – e se aprofunda na caracterização dessas manifestações. A dificuldade da identificação dos sintomas pelos pacientes psiconeuróticos dá-se em função de uma fragilidade da estruturação psíquica; baixo estoque da economia libidinal, pulsional recebidos na infância; dificuldade de relacionar o simbólico aos afetos, pois possui pensamento “rígido”, voltado em demasia para a realidade; pobreza do acervo de 464 Anais I Mostra de Iniciação Científica Curso de Psicologia da FSG V.1, N.1 (2014) – ISSN XXXX-XXXX representações mentais e do seu discurso. Suas angústias estão desassociadas das suas dores, fatos ou realidades traumáticas. Por não associar a causa orgânica à psicológica, muitos pacientes tardam ao buscar tratamento psicológico. E esse encontro geralmente acontece por eles já terem buscado tratamento médico antes e não conseguirem resultados satisfatórios. O meio usado pelos psicólogos para aliviar a dor psíquica é a fala, ou seja, é através dela que o paciente, com o tempo, vai nomear e expressar seus afetos e “concluir o processo de dessomatização do aparelho psíquico.” (CLEMENTE; PERES, 2010, p. 8). Hoje a psicossomática é uma abordagem inter/multidisciplinar e um tipo de manifestação de sintomas psíquicos traduzidos no corpo. Passada essa etapa de investigações iniciais e no afã de continuarmos na pesquisa cabe seguirmos refletindo sobre o tema de nossa investigação.


