Psicologia-parte 3
Aplicada, a Sociedade de
Psicologia de São Paulo e a Associação
Brasileira de Psicólogos analisam, em 1961,
o substitutivo do projeto em tramitação na
Câmara dos Deputados. Em 27 de agosto
de 1962, é aprovada a Lei nº 4119, que
regulamenta a profissão de psicólogo e
estabelece o currículo mínimo para sua
formação. No ano seguinte, o Ministério
da Educação publica uma portaria sobre a
atuação da Comissão Especial de Registro de
Psicólogos. Em 1964, o Decreto n° 53.464,
de 21/01/64, regulamenta a Lei nº 4119/62
(Lourenço Filho, 1971a,b).
A psicologia como profissão
regulamentada, ampliação
dos campos de atuação e
compromisso social
Há 50 anos, portanto, foi aprovada a Lei nº
4119, que reconheceu a profissão de psicólogo,
com uma emenda sobre os cursos de formação
desse profissional e de seu currículo mínimo.
Esse foi o ponto de culminância de uma
dura e longa luta, principalmente em relação
à oposição de um grupo de médicos, que
exigia o veto ao exercício da psicoterapia por
profissionais que não tivessem formação em
Medicina. Mais tarde, essa questão retornou
nos projetos dos Deputados Kassab e Julianelli,
sendo que atualmente está em cena de novo
no projeto de lei do Ato Médico.
Menos de dois anos depois da regulamentação
da profissão de psicólogo, um golpe militar
instaura uma ditadura que perdurou até
os anos 80. Nesse estado de exceção,
entre tantas desventuras e retrocessos, foi
promulgada a Lei n° 5540 (Saviani, 1987),
mais onhecida como Reforma Universitária
de 1968, produto dos acordos MEC-USAID.
Essa lei, aprovada à revelia dos grupos
diretamente interessados na questão da
expansão de vagas no ensino superior,
promoveu a abertura do ensino superior
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para a iniciativa privada e estabeleceu
mecanismos para reprimir e impedir os
movimentos estudantis e docentes, que se
constituíam, naquele momento, em um das
mais organizados movimentos de oposição
ao regime militar.
A proliferação de instituições privadas de
ensino superior foi uma das consequências
dessa reforma, muitas das quais criadas
em condições acadêmicas precárias, e
que ofereciam cursos de baixo custo e alta
rentabilidade, sem garantia de formação
adequada de seus alunos. A maioria
dessas instituições foi criada com vocação
meramente mercantilista. Muitos cursos
particulares foram criados nos anos 70,
respondendo a uma demanda cada vez
maior pelo ensino superior e a um interesse
crescente pela Psicologia.
Nessa época, foram criados muitos cursos de
Psicologia que, para garantir a lucratividade,
reduziam o número de disciplinas ao
currículo mínimo, com docentes submetidos
a baixos salários e com número elevado
de alunos por sala de aula. Um grande
contingente de alunos oriundos das camadas
menos privilegiadas economicamente, que necessitavam estudar no período noturno
para, com seu trabalho, pagar os custos de um
curso superior muitas vezes de futuro incerto,
formavam o corpo discente de muitas dessas
instituições. A falta de docentes qualificados,
a precariedade das suas condições de
trabalho, as atividades restritas apenas ao
ensino, desvinculadas da extensão e da
pesquisa, contribuíram para uma crescente
perda de qualidade do ensino da Psicologia.
A isso deve-se acrescentar que o número
de psicólogos formados era muito maior do
que o mercado de trabalho demandava,
em franco retraimento para a atuação do
psicólogo se comparado ao período anterior
ao da regulamentação da profissão.
O campo da clínica expandiu-se, sobretudo
porque atraía maior número de alunos,
tornando-se privilegiado nos currículos,
mas não garantindo ao psicólogo meios
de subsistência, pela demanda restrita e
pelo número de profissionais disponíveis.
Condição parecida verificou-se no campo
do trabalho, que restringiu seu acesso aos
psicólogos se comparado ao período anterior,
ficando o profissional muitas vezes reduzido
à condição de mero aplicador de testes em
tarefas de seleção de pessoal. Críticas foram
feitas ao caráter elitista e restrito da Psicologia
clínica e ao comprometimento da Psicologia
do trabalho muito mais com os interesses do
capital do que com os do trabalhador.
Em relação à Psicologia na educação, as
críticas foram muitas, e vieram tanto da
Psicologia como da ducação. De um
lado, havia uma hipertrofia da Psicologia
na educação, incorporada à Pedagogia e à
prática educativa, e, por outro lado, a atuação
do psicólogo na escola baseava-se em uma
perspectiva clínica, no atendimento individual
de crianças consideradas portadoras de
problemas fora da sala de aula ou na
realização de psicodiagnósticos para emitir
laudos a fim de encaminhar alunos para
classes especiais.
Entretanto, essa condição gerou muitas
críticas, tanto de educadores como de
psicólogos. Criticava-se o uso abusivo dos
testes e apontavam-se as consequências para
o aluno, pois os resultados eram interpretados
como atribuições próprias do sujeito,
responsabilizando-o pelos ditos problemas de
aprendizagem, entre outros. As decorrências
dessa prática foram nefastas para muitas
crianças, condenando-as muitas vezes a uma
classe especial que as relegava a um ensino
incipiente, o que confirmava o diagnóstico e
produzia de fato uma deficiência intelectual
com todos os seus estigmas. Essa prática
acabava por culpabilizar a criança e a família,
e obscurecia os determinantes intraescolares
da maioria dos problemas.
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Outro conjunto de críticas referia-se à adoção
do modelo médico, base da atuação de
muitos psicólogos escolares, cuja ação era
fundamentalmente clínica, em detrimento de ações mais propriamente pedagógicas
e coletivas, como a contribuição para o
processo de formação de professores.
Foram poucos os trabalhos que assumiram
um modelo mais educacional, procurando
intervir na escola de maneira mais ampla.
Foram esses os trabalhos que negaram a
Psicologia escolar clínica e individualizante e a
superaram, firmando-se, ainda que de forma
minoritária, por longo tempo, e permitiram
que se chegasse ao desenvolvimento atual
desse campo de atuação.
Percebe-se, assim, que esse período constituiu
um campo rico de contradições na Psicologia,
expressão do momento vivido pela sociedade
brasileira como um todo, que, sob o jugo de
uma ditadura militar, enfrentava o estado de
exceção criando formas de resistência que se
expressavam por uma cada vez mais ampla
luta pela democratização do País.
Foi nessa condição que a Psicologia logrou,
nesse período, um desenvolvimento sem
precedentes, ampliando gradativamente seu
espectro de atuação e buscando respostas para
os problemas sociais, inicialmente no interior
dos campos tradicionais: educação, trabalho
e clínica, e, posteriormente, ensaiando
e implantando novas modalidades de
intervenção, como a Psicologia comunitária,
a Psicologia hospitalar (que mais tarde
se expande para a saúde) e a Psicologia
jurídica, entre outras, que se consolidariam
e ampliariam sua capacidade de responder
às demandas antes não atendidas e a outras
acarretadas por problemas sociais então emergentes. Em outras palavras, a Psicologia
passou a se preocupar com a maioria da
população e seus problemas, com um
claro compromisso social, tendo em vista a
transformação da sociedade.
Também contraditória era a relação com o
conhecimento produzido pela Psicologia,
reproduzido nos cursos de formação e
confrontados com a realidade. A formação
do psicólogo nos primeiros tempos da
Psicologia reconhecida como profissão
era, em geral, baseada na reprodução de
teorias e pesquisas estrangeiras, vindas
principalmente dos Estados Unidos e da
Europa e transplantadas mecanicamente para
a nossa realidade, quando não aligeiradas
e difundidas precariamente por obras de
comentadores e não dos autores originais,
obedecendo a uma lógica de mercado
editorial precária e limitada. Assim, a crítica
à prática profissional do psicólogo fez-se
acompanhar também da crítica teórica e do
questionamento da maneira como tais teorias
eram aqui difundidas.
A produção de conhecimento em Psicologia
expandiu-se e deu um salto de qualidade, em
grande parte com a implantação de alguns
cursos de pós-graduação que, embora com
recursos escassos, conseguiram produzir
críticas fundamentadas e articuladas aos
problemas sociais, produzindo um significativo
acervo de conhecimento original e criativo.
A carência de investimentos em pesquisa no
Brasil, associada à complexidade de nossa
realidade e a seus múltiplos problemas,
constituíram-se em condições relevantes
para que a originalidade e a criatividade
se tornassem marcas da produção de
conhecimento psicológico, relacionadas à
multiplicidade de aspectos de seu objeto de
estudo e à adoção de diferentes perspectivas
metodológicas.
A expansão da pós-graduação produziu
melhorias na qualidade da formação
do psicólogo, embora ainda de forma
desigual, pois a articulação entre ensino
e pesquisa não se efetivou para todos os
cursos, ficando limitada às instituições
que garantiam as condições de trabalho
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necessárias para a concretização do princípio
de indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão.
A organização da categoria de psicólogos
foi um fator de grande relevância para
esse processo de transformação. Muitas
das entidades representativas da Psicologia
assumiram papéis de grande relevância
na transformação da Psicologia no Brasil,
fomentando a crítica e proporcionando
condições para o debate e para a busca
de soluções e possibilidades de superação
daquela Psicologia limitada e elitista, em
direção à constituição de uma ciência e de
uma profissão radicada em sua realidade e
com ela comprometida.
Pode-se afirmar, assim, que a Psicologia no
Brasil passou por significativas transformações
nesse período que se seguiu à regulamentação
da profissão. Das limitações teóricas e
da scassez de mercado de trabalho, da
precariedade de formação de grande
contingente de formandos, das limitações dos
campos de atuação, do comprometimento
com interesses dominantes à crítica que
identificava as contradições e buscava
a superação tanto de suas teorias como
de suas modalidades práticas, buscando
comprometer-se com os interesses e
necessidades da maioria da população, a
Psicologia caminhou para um novo patamar
de produção e para um salto qualitativo em
sua atuação profissional.
Esse processo é confirmado, entre muitas
outras possibilidades, pela presença do
psicólogo nos serviços públicos, assumindo
cargos efetivos e desempenhando funções
legalmente prescritas. Nessa condição, o
mais relevante é que, em geral, a inserção
desse profissional ocorre no âmbito da
concretização de políticas públicas voltadas
para as necessidades e para a promoção
dos indivíduos das camadas populares, e
muitas vezes atua em coletivos intersetoriais
e contribui também para a elaboração, a
construção e o acompanhamento dessas
políticas.
Entretanto, há muitas oposições, muitas delas
ainda não identificadas, outras pouco claras
e algumas já antigas e em pleno processo de
acirramento. Apenas a título de ilustração,
destacar-se-á uma delas, que não apenas
demonstra esse fato mas também o caráter
contraditório da realidade histórica em geral.
Trata-se da coexistência de uma Psicologia
que avançou para uma ampliação em
seu espectro de ação e que se consolidou
como instância social comprometida com
a construção de uma sociedade mais justa
e igualitária e uma psicologia que ainda
se submete a concepções tradicionais e
ultrapassadas, que não se atualiza e que
atua com base em modelos que já foram
analisados, criticados e superados há décadas.
O movimento histórico é, pois, heterogêneo,
e há segmentos que tomam a dianteira
do processo, outros que respondem mais
tardiamente e outros que resistem.
Considerações finais
Ao passar pelos diferentes períodos da
história da Psicologia no Brasil, este texto não
pretendeu apresentar um quadro histórico
da constituição dessa ciência em nosso país
nem tampouco abordar todas as contradições
nele presentes. Pretendeu-se tão somente
mostrar, a partir de algumas situações
ou produções, o movimento histórico
produzido pela coexistência e pelo embate
de elementos antagônicos que produzem as
transformações, gerando o novo e superando
as condições precedentes.
É possível perceber que ideias e práticas
foram hegemônicas em determinados
momentos históricos, mas nunca constituíram
blocos monolíticos, estáticos e homogêneos.
Posições e concepções diferentes, divergentes
e opostas coexistiram e foram elas que, na
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contraposição, provocaram mudanças e
saltos de qualidade.
Esse processo, aqui pontualmente
exemplificado por alguns fatos na história
da Psicologia no Brasil, é inerente à realidade
em geral. Por esse motivo, insiste-se na busca
de estudos históricos que sejam capazes de
identificar e de entender essas contradições
como forma de aproximação com uma
realidade que já não mais está disponível
empiricamente em sua integralidade e cujo
conhecimento é necessário para que se possa
compreender a gênese e o movimento como
processos constitutivos de nosso objeto de
estudo, a Psicologia no Brasil, com a certeza
de que muitos estudos e pesquisas são
necessários para que essa compreensão se
aprofunde e se amplie.
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Doutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora titular do Departamento de
Fundamentos da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo – SP – Brasil.
E-mail: miantunes@pucsp.br
Endereço para envio de correspondência:
Rua Artur de Azevedo 166, ap.11-E. São Paulo – SP - Brasil. CEP: 05404-000
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Referências
Alves, I. (1928). Teste individual de inteligência. Bahia: Officinas
Graphicas da Luva.


