Prisão da Miséria

25/02/2014 23:04

 


								
O Autor
Loïc Wacquant é professor de sociologia na Universidade de California-Berkeley e pesquisador no Centro de Sociologia Europeia do Collège de France. Foi professor visitante em Paris, Los Angeles, Rio de Janeiro e Nova Iorque. É um dos fundadores do grupo ativista “Raisons d´Agir” e colaborador do Monde Diplomatique.
Ganhou o prêmio da Fundação MacArthur.
Esteve no Brasil e estudando as desigualdades sociais, o sistema carcerário e judiciári.
Dentre suas obras mais conhecidas estão: “As Prisões da Miséria”(Zahar,2001), "Punir os Pobres - A Nova Gestão da Miséria nos EUA" (Freitas Bastos Editora, 2001) e "As Duas Faces do Gueto" (Boitempo Editorial, 2008).
Introdução
Em “As Prisões da Miséria” o autor mostra como o programa Tolerância Zero se transforma, a partir de uma bem montada rede entre instituições acadêmicas, estatais, entidades sociais e de mídia, em um baluarte da luta contra a violência, esmiuça o discurso neoconservador que sustenta esse tipo de política e demonstra como o Estado de Bem Estar Social deixa de existir nos EUA e na Europa, dando lugar a um Estado de Punição a partir da criminalização da miséria e das classes operárias.
Na disciplina Espaço Urbano: História da Cidade e Suas Representações pudemos ver, entre outras coisas, a cidade configurada como um espaço de demonstração e disputa de poderes, no texto de Wacquant poderemos perceber a utilização da cidade como meio de controle e criminalização das populações “indesejadas”. Por esse motivo e por se tratar de uma das obras que serão utilizadas em nosso trabalho de conclusão de curso, optamos por apresentar a resenha deste livro como trabalho de conclusão de módulo.
Parte I – Como o “bom senso” penal chega aos europeus
O autor começa fazendo um apanhado das idéias que desenvolverá ao longo do livro.
Descreve a Europa como local atingido diretamente por um discurso ideológico conservador que vê as classes pobres, os jovens e os estrangeiros como agentes causadores da violência e dos distúrbios urbanos acontecidos em cidades centrais do continente, principalmente Londres e Paris; aponta esse discurso como sustentáculo de politicas públicas que visam a transformação do Estado Previdência em um Estado Penitência; elege os EUA como principal irradiador desse discurso a partir da criação de uma rede formadora de opinião que une institutos acadêmicos, órgãos estatais, organizações sociais e de mídia, além das firmas que lucram com o sistema carcerário norte-americano.
Segundo o Wacquant, essa rede se difunde a partir de bases estatais dos EUA como o Ministério da Justiça Federal e o Departamento de Estado (órgão encarregado das relações exteriores) juntamente com organizações que o autor chama de “para-públicas” ligadas à administração policial e penitenciária, às associações de vítimas dos crimes e à mídia.
O autor também aponta como grandes formuladores das políticas de penitência os institutos de consultoria, adotados tanto pelo governo dos EUA quanto da Inglaterra sob Reagan e Thatcher, respectivamente. Esses institutos partem da crítica ao que o autor chama de “contrato social fordista-keynesiano” para pregar um Estado socialmente mínimo e penalmente forte.
Como mentor e principal articulador dessa teoria está o Manhattan Institute que, em 1984 lança um livro chamado “Losing Ground”, de Charles Murray, “(...) um politólogo ocioso de reputação medíocre. O Manhattan Institute lhe ofereceu 30.000 dólares e dois anos de tranquilidade para escrever Losing Ground: American Social Policy, 1950-1980.(WACQUANT, 2001, p. 22)
Essa obra se transformou na bíblia dos governos que adotaram a política do Estado-Penitência, depois de uma bem montada estratégia de marketing promovida pelo Manhattan Institute.
(...) Um especialista em relações públicas foi contratado para promovê-lo; um milheiro de cópias foi enviado a título de gentileza a jornalistas, eleitos e pesquisadores cuidadosamente peneirados. Murray foi “colocado” no circuito dos talk shows televisados e das conferências universitárias, e encontros foram organizados com diretores e comentaristas da imprensa. O Manhattan Institute chegou a empreender um grande simpósio em torno de Losing Ground, pelo qual os participantes, jornalistas, especialistas em políticas públicas e em ciências sociais, fizeram jus a “honorários” que chegavam a 1.500 dólares afora hospedagem grátis num hotel de luxo no coração de Nova York. Como foi publicado no auge da popularidade Reagan e como remava no sentido da corrente política dominante – (muito) menos Estado (social) -, essa obra recheada de absurdos lógicos e erros empíricos tornou-se de um dia para o outro um “clássico” do debate sobre a ajuda social nos Estados Unidos. (...)” (WACQUANTE, 2001, p. 23)
Segundo Murray, o Estado Previdência estimula a inatividade e induz as classes populares a uma degradação moral sendo uma dessas características, e a mais grave de todas, as uniões “ilegítimas”, causadoras direta da violência urbana.
O Manhattan Institute lançou também a revista “City”, distribuída entre políticos, altos funcionários, empresários e jornalistas, cuja base do discurso era a qualidade de vida. Para discutir o assunto a publicação utiliza como idéia motriz o caráter ordeiro do espaço público como indispensável à vida urbana o que contraria a natureza das classes pobres, adeptas da desordem, terreno natural do crime.
Outra ação do Manhattan Institute foi a difusão da “Teoria da Janela Quebrada” que prega o combate ostensivo aos pequenos delitos como forma profilática.
Um dos participantes desse debate e adepto dessas teorias era Rudolph Giuliani, mais tarde prefeito de Nova Iorque, cuja gestão deu plenos poderes às forças repressoras do Estado para perseguir moradores de bairros considerados “sensíveis”, pequenos delinquentes, moradores de rua e sem-teto, fazendo da cidade uma vitrine do “Tolerância Zero”.
Esses argumentos serviram como alicerce da política de William Bratton na reorganização do trabalho policial em Nova Iorque.
O objetivo dessa reorganização: refrear o medo das classes médias e superiores – as que votam – por meio da perseguição permanente dos pobres nos espaços públicos (...)” (WACQUANT, 2001, p. 26)
A partir da gestão Giuliane, o orçamento da polícia de Nova Iorque é aumentado em 40% , atingindo a cifra de 2,6 bilhões de dólares, quatro vezes mais do que os investimentos em hospitais públicos, por exemplo. (Cf. WACQUANTE, 2001, p. 28)
Com o Tolerância Zero a queda da violência se apresenta idêntica a da cidade de San Diego, adepta da polícia comunitária, muito mais barata e com uma queda de 15% no número de prisões efetuadas, ao passo que em Nova Iorque esse percentual sobe em 24%. Além disso o número de reclamações da população com relação à ação policial cai em 10% em San Diego e aumenta em 60% em Nova Iorque. (Cf. WACQUANTE, 2001, p 28/29)
Mas a mídia, em conjunto com o Manhattan Institute, propalam a experiência de Giuliane como se fosse a única maneira eficiente de combate ao crime.
No discurso desses gestores públicos nota-se, principalmente, a preocupação com um “resgate” do espaço público por e para aqueles que a ele, supostamente, têm direito, ou seja, as classes médias e altas, como se o proletariado ou aqueles que estão completamente à margem da sociedade do trabalho, não tivessem direito a conviver nesse mesmo local. Esse banimento da pobreza do olhar daqueles que “têm direito à cidade” se reveste de um discurso acadêmico-científico com ares de modernidade, exatamente como, segundo MATOS, no início do século XX, no Brasil, o discurso higiênico-sanitarista foi utilizado para ordenar a urbanidade e livrar o moderno do decadente. Nesse caso, os representantes da decadência eram o pobre, o imigrante, a mulher, o negro. (Cf. MATOS, 2002, p. 34)
Na Europa e nos EUA a decadência está no pobre, no negro e no estrangeiro. Essas populações veem seus bairros transformados em guetos, com vigilância permanente tanto da polícia como de equipamentos eletrônicos, os investimentos sociais reduzidos e sua mão de obra sub-remunerada ou não remunerada sendo usada em trabalhos compulsórios dentro das prisões ou mesmo fora delas. É a partir da criminalização das massas que os governos dos EUA e Europa vão gerar lucros para toda uma gama de empresas que exploram o sistema carcerário ou gravitam em torno dele.
Essa mentalidade se dissemina também pela América Latina sendo seus principais expoentes o México, a Argentina e a cidade de Brasília sob o governo de Joaquim Roriz.
O resultante dessa política em Nova Iorque foi que, em dois anos, a tropa de referência do Tolerância Zero sofreu diversos inquéritos administrativos e dois processos federais por abuso de autoridade. Nesse mesmo período 45 mil pessoas foram detidas e revistadas por conta de aparência, vestuário e principalmente, cor de pele. Dessas 45 mil detenções apenas 4 mil foram consideradas válidas pelos tribunais, as outras 41 mil foram consideradas gratuitas, inválidas ou nulas. Ainda segundo Wacquant, investigações do New York Daily News sugerem que mais ou menos 80% dos homens jovens negros e latinos da cidade foram detidos e revistados ao menos uma vez pelas chamadas forças da ordem. Esses números também apontam para outro problema criado pelo Tolerância Zero: o acúmulo de processos nos tribunais de justiça.(Cf. WACQUANTE, 2001, p. 35)
As queixas contra os abusos das “forças da ordem” registraram-se de forma maciça pela população pobre, negra e latina, distribuídas em 21 dos 76 bairros da cidade.
Segundo o autor “(...) uma das consequências do “tolerância zero”, tal como é praticada no cotidiano (...) é ter cavado um fosso de desconfiança (...) entre a comunidade afro-americana e as forças da ordem (...)” (WACQUANTE, 2001, p. 37)
Isso pode ser confirmado segundo os dados que o autor nos aponta:
- Quando perguntados sobre uso abusivo dos policiais 72% dos negros opinam que sim, os policiais abusam de sua autoridade, contra 33% dos brancos;
-Quando perguntados se as brutalidades dos policiais são mais comuns contra os negros, 66% dos negros responde afirmativamente, contra 24% dos brancos. (Cf. WACQUANTE, 2001, p. 37)
É importante verificar que tanto nos EUA como em outras partes do mundo por onde se disseminou, a idéia do Estado Penitência se sustenta em um discurso que criminaliza os “indesejados” e os culpabiliza pela situação na qual se encontram, sem levar em conta o contexto político econômico no qual essas populações estão inseridas.
Alerta MATOS que o historiador desejoso de investigar o cotiano e a cidade como questão, precisa estar atento para os discursos oficiais, quais seus objetivos, para quem estão sendo elaborados e contra quem estão sendo direcionados. (Cf. MATOS,2002, p.34)
Nesse sentido é importante observar como os argumentos utilizados pelos grupos em questão sempre se voltam contra as populações indesejadas naquela localidade seja por questões sociais, raciais ou religiosas, criminalizando esses grupos e buscando justificar a atuação segregacionista do Estado.
Aqueles que necessitam da ajuda do Estado por estarem em condições marginais na sociedade do trabalho são acusados de degenerar moralmente os grupos que estão em acordo com esse tipo de vida. A questão se desloca do campo político-econômico para o campo moral tendo como finalidade a legitimação da manutenção do poder nas mãos daqueles que já o detém. A população passa a ser dividida entre os que são bons e os que são maus como se a questão sócio-econômica de permanente desigualdade em um sistema capitalista passasse por esse viés. (Cf. WACQUANTE, 2001, p. 40-42)
Novamente a ciência vem em apoio a esse tipo de pensamento. Lawrecence Mead prega a fortificação do Estado Penitência e desta vez vai mais longe do que seus antecessores.
Para Mead
(...) o desemprego deve-se menos às condições econômicas do que aos problemas de funcionamento pessoal dos desempregados”, de modo que “o emprego, ao menos no que diz respeito a empregos “sujos” e mal pagos, não pode mais ser deixado à boa vontade e à iniciativa dos que trabalham”: ele deve ser tornado obrigatório, “a exemplo do serviço militar, que tem permissão para recrutar no exército” (WACQUANTE, 2001, p. 44)
Assim, a população marginal ficaria completamente custodiada pelo Estado, tal e qual a população carcerária o é, ou seja, as cidades e os países seriam territórios penitenciários onde aqueles que “pagam suas penas” não têm direito a voz, muito menos a escolha, isso porque para Mead aqueles que não trabalham, não o fazem por imperícia moral ou incompetência e caberia ao Estado, em sua face paternalista, proporcionar a estes indivíduos a oportunidade de seguirem uma vida de retidão de caráter através do trabalho, ainda que em condições sub-humanas e com salários de fome. (Cf. WACQUANTE, 2001, p. 45)
Wacquant critica esse pensamento pontuando algumas fraquezas nos argumentos do autor supra citado, sendo elas:
-Retrocesso para uma visão atomista da sociedade;
-Explicação individualista do fato social;
-Supressão da divisão em classes sociais que são substituídas por oposições como competente/incompetentes, responsáveis/ irresponsáveis e assim por diante.
O autor aponta também para um retorno ao moralismo neovitoriano, sustentado por um “impulso religioso”, citando como exemplo a preocupação das autoridades inglesas em “desencorajar a gravidez ilegítima e elevar o nível do trabalho”. (Cf. WACQUANTE, 2001, p. 48)
Para Mead e os que pensam como ele, o Estado não deve abandonar os pobres tão pouco subvencioná-los, mas gerir suas vidas e nos casos de recusa, agir com sua mão punitiva.
Wacquant relata que houve uma peregrinação dos líderes europeus aos EUA para adquirir o konw how dessa nova maneira de gerir a questão social e carcerária.
O ardor e o devotamento desses missionários transatlânticos da segurança não foram vãos: os dogmas da nova religião penal fabricada nos Estados Unidos para melhor “educar” as frações da classe trabalhadora refratárias à disciplina do trabalho assalariado precário e sub-remunerado espalham-se por toda Europa, onde já gozam de status de evidências entre os especialistas que se apinham junto a governos repentinamente preocupados em promover o “direito a segurança” - com tanto zelo que mandaram às favas o “direito ao trabalho.”(WACQUANTE, 2001, p.58)
Para Wacquant essa lógica se processa de maneira inversa. Não são as classes trabalhadoras que são refratárias ao trabalho e caminham para a degradação e segregação social. É sim a degradação social causada pela segregação das populações “indesejadas” que as leva a uma situação de miséria crônica e consequentemente a atos de violência (ou de resistência).
Parte II -Do Estado-Providência ao Estado-Penitência: Realidades Norte-Americanas, Possibilidades Européias
O autor começa esta parte demonstrando, a partir de dados numéricos e estatísticos, como se deu, nas últimas décadas o crescimento econômico nos EUA.
Segundo Wacquant a parcela mais pobre da população pagou o preço desse crescimento devido ao desmantelamento do Estado-Providência, ao achatamento do salário mínimo e do desemprego ou subemprego, enquanto 5% dos mais ricos embolsaram 95% desse lucro.
Ou seja, o que o autor nos apresenta é que, ao contrário do discurso que chegou à Europa, mostrando um país economicamente forte e desenvolvido, onde todos gozam de segurança, liberdade e qualidade de vida, o que realmente existe é um lugar de enorme desigualdade social, onde alguns poucos escolhidos gozam e usufruem dos benefícios do Estado (Estado-Penitência), enquanto outros, devido às suas condições sociais, econômicas, raciais etc., ficam à míngua.
Como consequência da diminuição dos investimentos sociais houve uma escalada nos investimentos penais e no número de presos.
Hoje, a população carcerária nos EUA é a maior do mundo e seus habitantes são oriundos das classes que perderam os auxílios sociais, de origem negra e latina (60%) além de estarem detidos por pequenos delitos ou uso de entorpecentes, “crimes” que poderiam ser “pagos” com penas alternativas ou tratamentos em clínicas apropriadas. (Cf. WACQUANTE, 2001, p. 83)
Wacquant demonstra uma mudança nos objetivos do sistema penal nos EUA e que acabou se disseminando pelo mundo, a partir da criação de bancos de dados criminais distribuídos indiscriminadamente pela internet contendo dados processuais, fotografias e identificação genética dos presos, com a possibilidade de serem estendidos a qualquer um que passe pelas malhas da justiça, mesmo para uma simples averiguação. (Cf. WACQUANTE, 2001, p. 85/86)
Essa mudança de objetivo e de resultado traduz o abandono do ideal de reabilitação (...) e de sua substituição por uma “nova penalogia”, cujo objetivo não é mais nem prevenir o crime, nem tratar os delinquentes visando o seu eventual retorno à sociedade (...), mas isolar grupos considerados perigosos e neutralizar seus membros mais disruptos (...)” (WACQUANTE, 2001, p.86)
A despeito do crescente custo do encarceramento em massa, os EUA adotaram uma tática que baseia-se em quatro princípios:
-a diminuição dos gastos com educação e lazer dos presos;
-o fornecimento de comida e tratamento médico mediante pagamento dos familiares;
-a substituição da vigilância humana pela eletrônica;
-o uso da mão-de-obra carcerária em trabalho compulsório. Entre as empresas beneficiadas com esses serviços estão a Microsoft, TWA, Boeing e Konika. (Cf. WACQUANTE, 2001, p.91)
O sistema penitenciário transformou-se em uma indústria, gerando lucros para empresas particulares que oferecem desde o projeto arquitetônico com todos os seus “acessórios” até aquelas que recrutam e disponibilizam pessoal de vigilância. Esse mercado movimenta em torno de 4 bilhões de dólares ao ano. Existe inclusive feiras de materiais e serviços referentes ao sistema carcerário onde são montados stands das mais diversas fábricas e empresas do ramo. (Cf. WACQUANTE, 2001, p. 92)
De acordo com Wacquant nunca houve tanto afro-americano encarcerado como ultimamente. Isso acontece porque os bairros considerados “sensíveis” e passíveis de maior vigilância são justamente aqueles cuja população negra e latina se encontra.
Como LARA, em “Fragmentos setecentistas: escravidão,cultura e poder na América portuguesa”, explica, a cidade inclui a política.
As casas são habitadas por “homens que vivem com sociedade e subordinação”. É de se perguntar: subordinados a quem e vivendo segundo quais regras?” (LARA, 2007, p.29)
A própria autora responde quando, mais a frente, afirma que a ocupação dos espaço físicos pelos portugueses “não se faziam sem uma distribuição de poder” porque tinham como objetivo muito mais do que ocupar e defender o terrítório, mas conquistá-lo e dominá-lo. (Cf. LARA, 2007, p.30/31).
Embora LARA esteja falando da conquista da América portuguesa e Wacquant da política de encarceramento dos EUA dos séculos XX e XXI existe uma conexão entre os autores quando se analisa a utilização do espaço urbano como local de exercício e demonstração do poder sobre aqueles a ele submetidos.
No caso da América portuguesa as populações submetidas e vigiadas eram os pretos e mulatos sobre quem recaíram os “cuidados” das rondas criadas pelo Marquês do Lavradio e que percorriam determinados bairros nos domingos e dias santos “para evitar os ajuntamentos e desordens que naqueles dias costumavam fazer os pretos e os mulatos” (LARA, 2007, p. 52)
Nos EUA, as populações consideradas “perigosas” misturam negros e latinos, todos confinados em bairros e guetos para melhor serem vigiados e mais facilmente encarcerados.
Os números e dados do sistema penal norte-americano demonstram essa “preferência” das autoridades por estes perfis de infratores, que segundo Mead são naturalmente propensos a esse tipo de conduta e segundo Wacquant são perseguidos por uma política social de desamparo e ostensiva repressão policial e penal.
Para Wacquant o sistema prisional assume um papel bem delimitado no que ele chama de “governo da miséria”: controlar metodicamente as populações desviantes e dependentes. (Cf. WACQUANTE, 2001, p.96)
Esse papel do sistema carcerário o autor analisa sob três pontos:
-A regulação do mercado de trabalho.
O sistema carcerário cumpre dupla função, retirando das ruas uma massa de desempregados e gerando lucros às empresas de segurança privada.
-A exclusão de grupos etnicos indesejáveis.
Na visão do autor a prisão substitui os guetos de maneira mais eficiente, pois evita também a sublevação dessas populações.
-A transformação da população pobre e encarcerada em objeto de lucro
Os serviços prestados pelo Estado, tanto os carcerários como os sociais, veem sendo paulatinamente substituídos por empresas privadas. As casas de detenção servem como “ponto de encontro” dessa população funcionando para um maior controle de suas ações e como local onde será encontrado material farto e fácil para a atução das empresas privadas que gerenciam o serviço social norte-americano.
O autor afirma que toma a análise do sistema penitenciário dos EUA como ponto de partida para aquilo que vem acontecendo em quase todo o mundo: a adoção de uma política econômica neoliberal, onde o Estado social é mínimo, o Estado penitenciário é forte e as populações consideradas “supérfluas” são desamparadas, marginalizadas, criminalizadas e finalmente encarceradas. Essas ações se dão a partir da delimitação de áreas urbanas (bairros) como locais de vigilância intensa onde pequenas falhas como atravessar a rua sem usar a faixa de pedestre, caminhar com o cão sem coleira, pichar um muro etc. pode ser motivo de detenção desses cidadãos, ou seja, a cidade passa a adotar uma pedagogia da repressão. O espaço urbano deixa de ser um lugar de trocas e aprendizagem para ser um local de opressão e punição. O Estado passa a selecionar aqueles a quem deseja atender a partir dos lucros políticos ou financeiros que estes indivíduos venham a lhe render ou a seus associados tomando como meios para isso a divisão da cidade em zonas de vigilância mais ou menos intensificada, sempre de acordo com as características raciais, sociais ou econômicas de seus moradores.
Considerações Finais
A partir da leitura de “As Prisões da Miséria” pudemos identificar algumas coincidências do que é relatado na obra com o que vem acontecendo no estado de São Paulo, onde a população carcerária é de 170 mil presos, a maior do país. Porém por falta de dados não podemos afirmar que essa seja a política adotada pelo Governo para gerenciar seu sistema carcerário. Para tanto seria necessário analisar e comparar dados relativos ao sistema penitenciário, judiciário, social, de saúde, educação e habitação locais. O que talvez façamos mais adiante se for demanda da pesquisa que pretendemos colocar em curso.
Com relação ao que estudamos na disciplina Espaço Urbano: História da Cidade e Suas Representações pudemos identificar, a partir da leitura dos textos e das aulas ministradas que a cidade continua sendo o “teatro do poder” onde ele é exercido através de seus ritos e seus monumentos são exibidos, que o espaço urbano serve como meio de intervenção do Estado, entre outras coisas, para separar as populações entre os adaptados e os inadaptáveis e que a cidade-questão, citada por MATOS, precisa ser pensada com menos ingenuidade não apenas pelos cidadãos mas principalmente por aqueles que a tomam como seu objeto de estudo.
 
 
Bibliografia
WACQUANT, Loïc. As Prisões da Miséria, RJ: Zahar, 2001.
Bibliografia Complementar
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões, 38 ed., RJ: Vozes, 2010.
LARA, Silvia Hunold. Fragmentos Setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa, SP: Cia. das Letras, 2007.
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho, Bauru: EDUSC, 2002.
 

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