Princípios básicos da terapia cognitivo-comportamental
Em seu livro Uma ética para o novo milênio,* o Dalai Lama (1999) observou que “se pudermos reorientar nossos pensamentos e emoções e reorganizar nosso comportamento, então poderemos não só aprender a lidar com o sofrimento mais facilmente, mas, sobretudo e em primeiro lugar, evitar que muito dele surja” (p. xii). A perspectiva de que o desenvolvimento de um estilo saudável de pensamento pode reduzir a angústia ou dar uma maior sensação de bem-estar é um tema comum entre muitas gerações e culturas. O filósofo persa da Antigüidade Zoroastro baseou seus ensinamentos em três pilares principais: pensar bem, agir bem e falar bem. Benjamin Franklin, um dos pais da constituição dos Estados Unidos, escreveu extensamente sobre o desenvolvimento de atitudes construtivas, as quais ele acreditava que influenciavam favoravelmente o comportamento (Isaacson, 2003). Durante os séculos XIX e XX, filósofos europeus – incluindo Kant, Heidegger, Jaspers e Frankl – continuaram a desenvolver a idéia de que os processos cognitivos conscientes têm um papel fundamental na existência humana (D. A. Clark et al., 1999; * N. de T. Traduzido para o português pela Editora Sextante, 2000. A prática clínica da terapia cognitivo-comportamental (TCC) baseia-se em um conjunto de teorias bem-desenvolvidas que são usadas para formular planos de tratamento e orientar as ações do terapeuta. Este capítulo inicial tem o foco na explicação desses conceitos centrais e ilustra como o modelo cognitivo-comportamental básico influenciou o desenvolvimento de técnicas específicas. Começamos com uma breve visão do histórico da TCC. Os princípios fundamentais da TCC foram ligados a idéias que foram descritas pela primeira vez há milhares de anos (Beck et al., 1979; D. A. Clark et al., 1999). ORIGENS DA TCC A TCC é uma abordagem de senso comum que se baseia em dois princípios centrais: 1. nossas cognições têm uma influência controladora sobre nossas emoções e comportamento; e 2. o modo como agimos ou nos comportamos pode afetar profundamente nossos padrões de pensamento e nossas emoções. Os elementos cognitivos dessa perspectiva foram reconhecidos pelos filósofos estóicos Epíteto, Cícero, Sêneca, entre outros, 2 mil anos antes da introdução da TCC (Beck et al., 1979). O estóico grego Epíteto, por exemplo, escreveu em seu Enchiridion que “os homens não se perturbam pelas coisas que acontecem, mas sim 16 Jesse H. Wright, Monica R. Basco & Michael E. Thase Wright et al., 2003). Frankl (1992), por exemplo, afirmou persuasivamente que encontrar uma sensação de sentido da vida ajudava a servir como um antídoto para o desespero e a desilusão. Aaron T. Beck foi a primeira pessoa a desenvolver completamente teorias e métodos para aplicar as intervenções cognitivas e comportamentais a transtornos emocionais (Beck, 1963, 1964). Embora tenha partido de conceitos psicanalíticos, Beck observou que suas teorias cognitivas eram influenciadas pelo trabalho de vários analistas pós-freudianos, como Adler, Horney e Sullivan. O foco destes nas auto-imagens distorcidas pressagiava o desenvolvimento de formulações cognitivo comportamentais mais sistematizadas dos transtornos psiquiátricos e da estrutura da personalidade (D. A. Clark et al., 1999). A teoria dos construtos pessoais (crenças nucleares ,auto-esquemas) de Kelly (1955) e a terapia racional-emotiva de Ellis também contribuíram para o desenvolvimento das teorias e dos métodos cognitivo-comportamentais (D. A. Clark et al., 1999; Raimy, 1975). As primeiras formulações de Beck centravam-se no papel do processamento de informações desadaptativo em transtornos de depressão e de ansiedade. Em uma série de trabalhos publicados no início da década de 1960, ele descreveu uma conceitualização cognitiva da depressão na qual os sintomas estavam relacionados a um estilo negativo de pensamento em três domínios: si mesmo, mundo e futuro (a “tríade cognitiva negativa”; Beck, 1963, 1964). A proposta de Beck de uma terapia cognitivamente orientada com o objetivo de reverter cognições disfuncionais e comportamentos relacionados foi então testada em um grande número de pesquisas (Butler e Beck, 2000; Dobson, 1989; Wright et al., 2003). As teorias e os métodos descritos por Beck e por muitos outros colaboradores do modelo cognitivo-comportamental estenderam-se a uma grande variedade de quadros clínicos, incluindo a depressão, os transtornos de ansiedade, os transtornos alimentares, a esquizofrenia, o transtorno bipolar, a dor crônica, os transtornos de personalidade e o abuso de substâncias. Foram realizados mais de 300 estudos controlados da TCC para uma série de transtornos psiquiátricos (Butler e Beck, 2000). Os componentes comportamentais do modelo de terapia cognitivo-comportamental tiveram seu início nos anos de 1950 e 1960, quando pesquisadores clínicos começaram a aplicar as idéias de Pavlov, Skinner e outros behavioristas experimentais (Rachman, 1997). Joseph Wolpe (1958) e Hans Eysenck (1966) foram pioneiros na exploração do potencial das intervenções comportamentais, como a dessensibilização (contato gradual com objetos ou situações temidos) e treinamento de relaxamento. Muitas das abordagens iniciais ao uso dos princípios comportamentais para a psicoterapia prestavam pouca atenção aos processos cognitivos envolvidos nos transtornos psiquiátricos. Pelo contrário, o foco era moldar o comportamento mensurável com reforçadores e em eliminar as respostas de medo através de exposição. À medida que a terapia comportamental se expandia, vários investigadores proeminentes – como Meichenbaum (1977) e Lewinsohn e colaboradores (1985) – começaram a incorporar as teorias e estratégias cognitivas a seus tratamentos. Eles observaram que a perspectiva cognitiva acrescentava contexto, profundidade e entendimento às intervenções comportamentais. Além disso, Beck defendeu a inclusão de métodos comportamentais desde o início de seu trabalho, pois reconhecia que essas ferramentas são eficazes para reduzir sintomas, e conceitualizou um relacionamento estreito entre cognição e comportamento. Desde a década de 1960 houve uma unificação das formulações cognitivas e comportamentais na psicoterapia. Embora ainda existam alguns puristas que possam argumentar sobre os méritos de se utilizar uma abordagem cognitiva ou comportamental isolada, terapeutas mais pragmáticos consideram os métodos cognitivos e comportamentais como parceiros eficazes tanto em teoria quanto na prática. Um bom exemplo da combinação das teorias cognitivas e comportamentais pode ser en- Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental 17 contrado no trabalho de D. M. Clark (1986; D. M. Clark et al., 1994) e de Barlow (Barlow e Cerney, 1988; Barlow et al., 1989) em seus protocolos de tratamento para o transtorno de pânico. Eles observaram que os pacientes com transtorno de pânico normalmente apresentam uma constelação de sintomas cognitivos (p. ex., medos catastróficos de calamidades físicas ou de perda de controle) e sintomas comportamentais (p. ex., fuga ou evitação). Pesquisas extensivas demonstraram a eficácia de uma abordagem combinada que utiliza técnicas cognitivas (para modificar as cognições de medo) juntamente com métodos comportamentais, incluindo o treinamento da respiração, o relaxamento e a terapia de exposição (Barlow et al., 1989; D. M. Clark et al., 1994; Wright et al., 2003). O MODELO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL Os principais elementos do modelo cognitivo-comportamental estão esquematizados na Figura 1.1. O processamento cognitivo recebe um papel central nesse modelo, porque o ser humano continuamente avalia a relevância dos acontecimentos internamente e no ambiente que o circunda (p. ex., eventos estressantes, comentários ou ausência de comentários dos outros, memórias de eventos do passado, tarefas a serem feitas, sensações corporais), e as cognições estão freqüentemente associadas às reações emocionais. Por exemplo, Richard, um homem com um transtorno de ansiedade social, teve os seguintes pensamentos enquanto se preparava para participar de uma festa em seu bairro: “Não vou saber o que dizer... Todo mundo vai ver que estou nervoso... Vou parecer um desajustado... Vou travar e querer ir embora imediatamente”. As emoções e as respostas psicológicas estimuladas por essas cognições desadaptativas eram previsíveis: ansiedade severa, tensão física e excitação autonômica. Ele começou a suar, sentia um frio na barriga e ficou com a boca seca. Sua resposta comportamental também foi problemática. Em vez de enfrentar a situação e tentar adquirir habilidades para dominar as situações sociais, ele telefonou para a pessoa que o convidou e disse que estava gripado. A evitação da situação temida reforçou o pensamento negativo de Richard e tornou-se parte de um ciclo vicioso de pensamentos, emoções e comportamento que aprofundou seu problema com a ansiedade social. Cada vez que fazia uma manobra para fugir de situações sociais, suas crenças sobre ser incapaz e vulnerável se fortaleciam. Essas cognições de medo, então, amplificaram seu desconforto emocional e tornaram menos provável que se envolvesse em atividades sociais. As cognições, emoções e atitudes de Richard estão esquematizadas na Figura 1.2. Ao tratar problemas como os de Richard, os terapeutas cognitivo-comportamentais podem partir de uma série de métodos voltados para todas as três áreas de funcionamento patológico identificadas no modelo básico de TCC: cognições, emoções e comportamentos. Por exemplo, Richard poderia ser ensinado a reconhecer e mudar seus pensamentos ansiosos, a utilizar o relaxamento ou a geração de imagens mentais para reduzir as emoções ansiosas ou a implementar uma hierarquia gradual para romper o padrão de evitação e desenvolver habilidades sociais. FIGURA 1.1 • Modelo cognitivo-comportamental básico. 18 Jesse H. Wright, Monica R. Basco & Michael E. Thase Antes de descrever teorias e métodos da TCC mais detalhadamente, queremos explicar como o modelo descrito na Figura 1.1 é usado na prática clínica e como ele se relaciona com conceitos mais amplos da etiologia e do tratamento de transtornos psiquiátricos. O modelo básico de TCC é um construto usado para ajudar os terapeutas a conceitualizarem problemas clínicos e implementarem métodos da TCC específicos. Como um modelo de trabalho, ele é propositalmente simplificado para voltar a atenção do terapeuta para as relações entre pensamentos, emoções e comportamentos e para orientar as intervenções de tratamento. Os terapeutas cognitivo-comportamentais também reconhecem que há interações complexas entre processos biológicos (p. ex., genética, funcionamento de neurotransmissores, estrutura cerebral e sistemas neuroendócrinos), influências ambientais e interpessoais e elementos cognitivo-comportamentais na gênese e no tratamento de transtornos psiquiátricos (Wright, 2004; Wright e Thase, 1992). O modelo da TCC pressupõe que as mudanças cognitivas e comportamentais são moduladas por meio de processos biológicos e que as medicações psicotrópicas e outros tratamentos biológicos influenciam as cognições (Wright et al., 2003). Pesquisas recentes confirmam esses dados. Em um estudo, a tomografia por emissão de pósitrons (PET) revelou achados semelhantes (de fluxo sangüíneo cerebral regional diminuído em áreas do cérebro associadas à resposta à ameaça) em pacientes que responderam ao citalopram ou à TCC para fobia social (Furmark et al., 2002). Em uma outra investigação, a normalização do metabolismo do córtex orbitofrontal nas imagens da PET foi positivamente associada ao grau de melhora em pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo tratados com métodos comportamentais ou fluoxetina (Schwartz et al., 1996). Um estudo dos efeitos biológicos da TCC para depressão encontrou ativação cortical antes da estimulação do sistema límbico (Goldapple et al., 2004). Esses achados sugerem que as intervenções biológicas e cognitivas podem interagir no tratamento de transtornos psiquiátricos. Pesquisas sobre farmacoterapia e psicoterapia combinadas corroboraram as idéias sobre as influências biológicas na implementação do modelo da TCC. O tratamento combinado de TCC e medicação pode melhorar a eficácia, especialmente para quadros mais graves, como depressão crônica ou resistente ao tratamento, esquizofrenia e transtorno bipolar (Keller et al., 2000; Lam et al., 2003; Rector e Beck, 2001; Wright, 2004). No entanto, benzodiazepínicos de alta potência, como alprazolam, podem comprometer a eficácia da TCC (Marks et al., 1993). Para direcionar o tratamento, é extremamente recomendada uma formulação minuciosamente integrada, e bastante detalhada, que inclua considerações cognitivo-comportamentais, biológicas, sociais e interpessoais. Métodos para desenvolver conceitualizações multidimensionais de caso são discutidos e ilustrados no Capítulo 3, “Avaliação e Formulação”. O restante deste capítulo é dedicado à introdução das teorias e dos métodos centrais da TCC. FIGURA 1.2 • Modelo cognitivo-comportamental básico: exemplo de um paciente com fobia social. Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental 19 CONCEITOS BÁSICOS Níveis de processamento cognitivo Foram identificados três níveis básicos de processamento cognitivo por Beck e seus colegas (Beck et al., 1979; D. A. Clark et al., 1999; Dobson e Shaw, 1986). O nível mais alto da cognição é a consciência, um estado de atenção no qual decisões podem ser tomadas racionalmente. A atenção consciente nos permite: 1. monitorar e avaliar as interações com o meio ambiente; 2. ligar memórias passadas às experiências presentes; 3. controlar e planejar ações futuras (Sternberg, 1996). Na TCC, os terapeutas incentivam o desenvolvimento e a aplicação de processos conscientes adaptativos de pensamento, como o pensamento racional e a solução de problemas. O terapeuta também dedica bastante esforço para ajudar os pacientes a reconhecer e mudar o pensamento patológico em dois níveis de processamento de informações relativamente autônomo: pensamentos automáticos e esquemas (Beck et al., 1979; D. A. Clark et al., 1999; Wright et al., 2003). Pensamentos automáticos são cognições que passam rapidamente por nossas mentes quando estamos em meio a situações (ou relembrando acontecimentos). Embora possamos estar subliminarmente conscientes da presença de pensamentos automáticos, normalmente essas cognições não estão sujeitas à análise racional cuidadosa. Esquemas são crenças nucleares que agem como matrizes ou regras subjacentes para o processamento de informações. Eles servem a uma função crucial aos seres humanos, que lhes permite selecionar, filtrar, codificar e atribuir significado às informações vindas do meio ambiente. Ao contrário da terapia de orientação psicodinâmica, a TCC não postula estruturas ou defesas específicas que bloqueiam os pensamentos da consciência (D. A. Clark et al., 1999). Em vez disso, a TCC enfatiza técnicas destinadas a ajudar os pacientes a detectar e modificar seus pensamentos profundos, especialmente aqueles associados com sintomas emocionais, como depressão, ansiedade ou raiva. A TCC ensina os pacientes a “pensar sobre o pensamento” para atingir a meta de trazer as cognições autônomas à atenção e ao controle conscientes. Pensamentos automáticos Um grande número dos pensamentos que temos a cada dia faz parte de um fluxo de processamento cognitivo que se encontra logo abaixo da superfície da mente totalmente consciente. Esses pensamentos automáticos normalmente são privativos ou não-declarados, e ocorrem de forma rápida à medida que avaliamos o significado de acontecimentos em nossas vidas. D. A. Clark e colaboradores (1999) usaram o termo pré-consciente ao descrever os pensamentos automáticos, pois essas cognições podem ser reconhecidas e entendidas se nossa atenção for voltada para eles. Pessoas com transtornos psiquiátricos, como depressão ou ansiedade, freqüentemente vivenciam inundações de pensamentos automáticos que são desadaptativos ou distorcidos. Esses pensamentos podem gerar reações emocionais dolorosas e comportamento disfuncional. Um dos indícios mais importantes de que os pensamentos automáticos podem estar ocorrendo é a presença de emoções fortes. A relação entre eventos, pensamentos automáticos e emoções é ilustrada por um exemplo do tratamento de Martha, uma mulher que apresentava depressão maior (Figura 1.3). Nesse exemplo, os pensamentos automáticos de Martha demonstram o achado comum de cognições negativamente tendenciosas na depressão. Embora estivesse deprimida e tendo problemas com sua família e seu trabalho, ela estava funcionando, na verdade, muito 20 Jesse H. Wright, Monica R. Basco & Michael E. Thase melhor do que aparentavam os seus pensamentos automáticos excessivamente críticos. Um grande número de pesquisas confirmou que as pessoas com depressão, transtornos de ansiedade e outros quadros psiquiátricos têm uma alta freqüência de pensamentos automáticos distorcidos (Blackburn et al., 1986; Haaga et al., 1991, 1986; Wright et al., 2003). Na depressão, os pensamentos automáticos muitas vezes se centram em temas de desesperança, baixa auto-estima e fracasso. As pessoas com transtornos de ansiedade normalmente têm pensamentos automáticos que incluem previsões de perigo, prejuízo, falta de controle ou incapacidade de lidar com ameaças (D. A. Clark et al., 1990; Ingram e Kendall, 1987; Kendall e Hollon, 1989). Todas as pessoas têm pensamentos automáticos; eles não ocorrem exclusivamente em pessoas com depressão, ansiedade ou outros transtornos emocionais. Ao reconhecer seus próprios pensamentos automáticos e empregar outros processos cognitivo-comportamentais, os terapeutas podem aprimorar seu entendimento de conceitos básicos, aumentar sua empatia com os pacientes e aprofundar a consciência de seus padrões cognitivos e comportamentais que poderiam influenciar a relação terapêutica. Ao longo deste livro, sugerimos exercícios que acreditamos o ajudarão a aprender os princípios centrais da TCC. A maioria desses exercícios envolve praticar intervenções de TCC com pacientes ou fazer role-play com um colega, mas em alguns você será solicitado a examinar seus próprios pensamentos e sentimentos. O primeiro exercício é colocar no papel um exemplo de pensamentos automáticos. Tente fazer isso para uma situação de sua própria vida. Se um exemplo pessoal não lhe vier à mente, você pode usar uma vinheta de um paciente que tenha entrevistado. • Exercício 1.1 Reconhecendo os pensamentos automáticos: Um registro de pensamento em três colunas 1. Desenhe três colunas em uma folha de papel e escreva em cada uma delas “situação”, “pensamentos automáticos” e “emoções”. 2. Agora, relembre uma situação recente (ou uma lembrança de um evento) que pareceu mexer com suas emoções, como ansiedade, raiva, tristeza, tensão física ou alegria. 3. Tente se imaginar estando de volta na situação, exatamente como aconteceu. 4. Quais foram os pensamentos automáticos que ocorreram nessa situação? Escreva a situação, os pensamentos automáticos e as FIGURA 1.3 • Pensamentos automáticos de Martha. Emoções Tristeza, raiva Ansiedade Tristeza, ansiedade Pensamentos automáticos “Fiz besteira de novo. Não tem jeito, nunca vou conseguir agradá-la. Não consigo fazer nada direito. O que adianta?” “É muita coisa para mim. Não vou conseguir entregar a tempo. Não vou conseguir encarar meu chefe. Vou perder meu emprego e tudo o mais na minha vida.” “Ele está realmente decepcionado comigo. Estou fracassando como esposa. Não gosto de nada. Por que alguém iria querer estar perto de mim?” Situação Minha mãe telefona e pergunta por que eu esqueci o aniversário de minha irmã. Pensando sobre um grande projeto a entregar no trabalho. Meu marido se queixa de que estou irritada o tempo todo. Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental 21 emoções nas três colunas do registro de pensamento. Às vezes, os pensamentos automáticos podem ser logicamente verdadeiros e podem ser uma percepção adequada da realidade da situação. Por exemplo, poderia ser verdade que Martha estivesse em risco de perder seu emprego ou que seu marido estivesse fazendo comentários críticos sobre seu comportamento. A TCC não quer encobrir problemas reais. Se uma pessoa estiver passando por dificuldades substanciais, métodos cognitivos e comportamentais são usados para ajudá-la a enfrentar a situação. Contudo, em pessoas com transtornos psiquiátricos, normalmente há oportunidades excelentes de apontar erros no raciocínio e outras distorções cognitivas que podem ser modificadas com as intervenções da TCC. Erros cognitivos Em suas formulações iniciais, Beck (1963, 1964; Beck et al., 1979) teorizou que existem equívocos característicos na lógica dos pensamentos automáticos e outras cognições de pessoas com transtornos emocionais. Pesquisas subseqüentes confirmaram a importância de erros cognitivos em estilos patológicos de processamento de informações. Por exemplo, foram encontrados erros cognitivos muito mais freqüentemente em pessoas deprimidas do que em indivíduos não-deprimidos (LeFebvre, 1981; Watkins e Rush, 1983). Beck e colaboradores (1979; D. A. Clark et al., 1999) descreveram seis categorias principais de erros cognitivos: abstração seletiva, inferência arbitrária, supergeneralização, maximização e minimização, personalização e pensamento absolutista (dicotômico ou do tipo “tudo-ounada”). A Tabela 1.1 traz definições e exemplos de cada um desses erros cognitivos. Como você provavelmente notará nos exemplos na Tabela 1.1, pode haver grande superposição entre os erros cognitivos. David, a pessoa que estava utilizando pensamento absolutista, também estava ignorando as evidências de seus próprios pontos fortes e minimizando os problemas de seu amigo Fred. O homem que se tornou vítima da abstração seletiva por não receber um cartão de boasfestas tinha outros erros cognitivos, como o pensamento do tipo tudo-ou-nada (“ninguém se importa mais comigo”). Ao implementar métodos de TCC para reduzir erros cognitivos, os terapeutas normalmente ensinam os pacientes que o objetivo mais importante é simplesmente reconhecer que se está cometendo erros cognitivos – e não identificar todo e qualquer erro de lógica que esteja ocorrendo. Esquemas Na teoria cognitivo-comportamental, os esquemas são definidos como matrizes ou regras fundamentais para o processamento de informações que estão abaixo da camada mais superficial dos pensamentos automáticos (D. A. Clark et al., 1999; Wright et al., 2003). Esquemas são princípios duradouros de pensamento que começam a tomar forma no início da infância e são influenciados por uma infinidade de experiências de vida, incluindo os ensinamentos e o modelo dos pais, as atividades educativas formais e informais, as experiências de seus pares, os traumas e os sucessos. Bowlby (1985) e outros observaram que os seres humanos precisam desenvolver esquemas para lidar com as grandes quantidades de informações com as quais se deparam a cada dia e para tomar decisões oportunas e apropriadas. Por exemplo, se uma pessoa tiver uma regra básica de “sempre planejar com antecedência”, é improvável que ela passe muito tempo debatendo os méritos de entrar em uma nova situação sem prévia preparação. Ao contrário, ela automaticamente começará a preparar o terreno para lidar com a situação. Foi sugerido por D. A. Clark e colaboradores (1999) que existem três grupos principais de esquemas, conforme mostra a Tabela 1.2. 22 Jesse H. Wright, Monica R. Basco & Michael E. Thase 1. Esquemas simples Definição: Regras sobre a natureza física do ambiente, gerenciamento prático das atividades cotidianas ou leis da natureza que podem ter pouco ou nenhum efeito sobre a psicopatologia. TABELA 1.1 • Erros cognitivos Abstração seletiva (às vezes chamada de ignorar as evidências ou filtro mental) Definição: Chega-se a uma conclusão depois de examinar apenas uma pequena porção das informações disponíveis. Os dados importantes são descartados ou ignorados, a fim de confirmar a visão tendenciosa que a pessoa tem da situação. Exemplo: Um homem deprimido com baixa auto-estima não recebe um cartão de boas-festas de um velho amigo. Ele pensa: “Estou perdendo todos os meus amigos; ninguém se importa mais comigo”. Ele ignora as evidências de que recebeu cartões de vários outros amigos, que seu velho amigo tem lhe enviado cartões todos os anos nos últimos 15 anos, que seu amigo esteve muito ocupado no ano passado com uma mudança e um novo emprego e que ele ainda tem bons relacionamentos com outros amigos. Inferência arbitrária Definição: Chega-se a uma conclusão a partir de evidências contraditórias ou na ausência de evidências. Exemplo: Uma mulher com medo de elevador é solicitada a prever as chances de um elevador cair com ela dentro. Ela responde que as chances são de 10% ou mais de o elevador cair até o chão e ela se machucar. Muitas pessoas tentaram convencê-la de que as chances de um acidente catastrófico com um elevador são desprezíveis. Supergeneralização Definição: Chega-se a uma conclusão sobre um acontecimento isolado e, então, a conclusão é estendida de maneira ilógica a amplas áreas do funcionamento. Exemplo: Um universitário deprimido tira nota B em uma prova. Ele considera insatisfatório e supergeneraliza quando tem pensamentos automáticos como: “Estou com problemas nessa aula; estou ficando para trás em todas as áreas da minha vida; não consigo fazer nada direito”. Maximização e minimização Definição: A relevância de um atributo, evento ou sensação é exagerada ou minimizada. Exemplo: Uma mulher com transtorno de pânico começa a sentir tonturas durante o início de um ataque de pânico. Ela pensa: “Vou desmaiar; posso ter um ataque cardíaco ou um derrame”. Personalização Definição: Eventos externos são relacionados a si próprio quando há pouco ou nenhum fundamento para isso. Assume-se responsabilidade excessiva ou culpa por eventos negativos. Exemplo: Houve um revés econômico e um negócio anteriormente de sucesso passa por dificuldades para cumprir o orçamento anual. Pensa-se em fazer demissões. Uma série de fatores levaram à crise no orçamento, mas um dos gerentes pensa: “É tudo culpa minha; eu deveria saber que isso iria acontecer e ter feito alguma coisa; falhei com todos na empresa”. Pensamento absolutista (dicotômico ou do tipo tudo-ou-nada) Definição: Os julgamentos sobre si mesmo, as experiências pessoais ou com os outros são separados em duas categorias (por ex., totalmente mau ou totalmente bom, fracasso total ou sucesso, cheio de defeitos ou completamente perfeito) Exemplo: David, um homem com depressão, compara-se com Ted, um amigo que parece ter um bom casamento e cujos filhos estão indo bem na escola. Embora o amigo seja muito feliz em sua casa, sua vida está longe do ideal. Ted tem problemas no trabalho, restrições financeiras e dores físicas, entre outras dificuldades. David está se envolvendo em pensamento absolutista quando diz para si mesmo: “Tudo vai bem para Ted; para mim nada vai bem”. Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental 23 Exemplos: “Seja um motorista defensivo”; “uma boa educação é o que vale”; “abrigue-se durante uma tempestade”. 2. Crenças e pressupostos intermediários Definição: Regras condicionais como afirmações do tipo se-então, que influenciam a auto-estima e a regulação emocional. Exemplos: “Tenho de ser perfeito para ser aceito”; “se eu não agradar aos outros o tempo todo, então eles me rejeitarão”; “se eu trabalhar duro, conseguirei ter sucesso”. 3. Crenças nucleares sobre si mesmo Definição: Regras globais e absolutas para interpretar as informações ambientais relativas à auto-estima. Exemplos: “Não sou digna de amor”; “sou burra”; “sou um fracasso”; “sou uma boa amiga”; “posso confiar nos outros”. Em nossa prática clínica, normalmente não tentamos explicar os diferentes níveis de esquemas (p. ex., pressupostos intermediários versus crenças nucleares) aos pacientes. Descobrimos que a maioria dos pacientes obtém maior benefício ao reconhecer o conceito geral de que esquemas ou crenças nucleares (utilizamos esses termos alternadamente) têm uma forte influência na auto-estima e no comportamento. Também ensinamos aos pacientes que todas as pessoas têm uma mistura de esquemas adaptativos (saudáveis) e crenças nucleares desadaptativas. Nosso objetivo é identificar e desenvolver os esquemas adaptativos e ao mesmo tempo tentar modificar ou reduzir a influência dos esquemas desadaptativos. A Tabela 1.2 traz uma pequena lista de esquemas adaptativos e desadaptativos. O relacionamento entre esquemas e pensamentos automáticos foi detalhado na hipótese diátese-estresse. Beck e outros sugeriram que, na depressão e em outros quadros, esquemas desadaptativos podem permanecer adormecidos até que um evento estressante da vida ocorra e ative a crença nuclear (Beck et al., 1979; D. A. Clark et al., 1999; Miranda, 1992). O esquema desadaptativo é então fortalecido ao ponto no qual estimula e impulsiona o fluxo mais superficial de pensamentos automáticos negativos. Esse fenômeno é ilustrado através do tratamento de Mark, um homem de meia-idade que ficou deprimido depois de ser demitido de seu emprego. Mark não estava deprimido antes de perder seu emprego, mas começou a ter muitas dúvidas sobre si mesmo depois de ter dificuldades em encontrar outro trabalho. Quando Mark olhava a seção de empregos do jornal local, era invadido por pensamentos automáticos como: “Eles não vão me querer”; “nunca vou conseguir um emprego tão bom quanto o último”; “mesmo se conseguir uma entrevista, vou travar e não vou saber o que dizer”. Depois de iniciar a TCC, o terapeuta pôde ajudar Mark a trazer à tona vários esquemas profundamente arraigados sobre competência, os quais pairavam sob a superfície por muitos anos. Um deles era “nunca sou suficientemente bom”, uma crença nuclear que esteve inerte TABELA 1.2 • Esquemas adaptativos e desadaptativos Esquemas adaptativos Esquemas desadaptativos Não importa o que aconteça, consigo lidar Se decidir fazer alguma coisa, tenho de alguma forma. de ter sucesso. Se eu trabalhar com alguma coisa, posso fazê-lo bem. Sou burro. Sou um sobrevivente. Sou uma farsa. Os outros podem confiar em mim. Nunca me sinto 24 Jesse H. Wright, Monica R. Basco & Michael E. Thase em tempos melhores, mas que agora estimulava uma cascata de pensamentos automáticos negativos toda vez que tentava encontrar um emprego. Processamento de informações na depressão e em transtornos de ansiedade Além das teorias e dos métodos de pensamentos automáticos, dos esquemas e dos erros cognitivos, várias outras contribuições importantes influenciaram o desenvolvimento de intervenções de tratamento cognitivamente orientadas. Descrevemos rapidamente alguns desses resultados de pesquisas sobre depressão e transtornos de ansiedade para dar uma base teórica ampla para os métodos de tratamento detalhados nos capítulos posteriores. As principais características do processamento de informações patológico na depressão e em transtornos de ansiedade estão resumidas na Tabela 1.3. A ligação entre desesperança e suicídio Um dos achados clínicos mais relevantes provenientes de pesquisas sobre depressão é a associação entre desesperança e suicídio. Vários estudos demonstraram que pessoas deprimidas têm probabilidade de ter altos graus de desesperança, e que a falta de esperança aumenta o risco de suicídio (Beck et al., 1975, 1985, 1990; Fawcett et al., 1987). Descobriuse que a desesperança é o fator preditivo mais importante de suicídio em pacientes deprimidos internados que foram acompanhados por dez anos após a alta médica (Beck et al., 1985). Achados semelhantes foram descritos em um estudo relacionado com pacientes ambulatoriais (Beck et al., 1990). Recentemente, Brown e colaboradores (2005) demonstraram que uma intervenção cognitivocomportamental, incluindo a tarefa de escrever um plano de ação anti-suicídio, reduz o risco de suicídio. Estilo atributivo na depressão Abramson e colaboradores (1978), além de outros, propuseram que as pessoas deprimidas colocam significados (atribuições) aos eventos da vida que são negativamente distorcidos em três domínios: 1. Interno versus externo. A depressão é associada a uma tendência de fazer atribuiTABELA 1.3 • Processamento de informações patológico na depressão e nos transtornos de ansiedade Predominante nos transtornos Comum à depressão e aos Predominante na depressão de ansiedade transtornos de ansiedade Processamento automático de informações aumentado Esquemas desadaptativos Maior freqüência de erros cognitivos Capacidade cognitiva reduzida para solução de problemas Maior atenção a si mesmo, especialmente déficits ou problemas Medo de ferir-se ou de perigo Maior atenção a informações sobre ameaças em potencial Superestimações de risco nas situações Pensamentos automáticos associados a perigo, risco, falta de controle, incapacidade Subestimações da capacidade de enfrentar as situações temidas Interpretações errôneas dos estímulos corporais Desesperança Baixa auto-estima Visão negativa do ambiente Pensamentos automáticos com temas negativos Atribuições errôneas Superestimações de feedback negativo Desempenho comprometido nas tarefas cognitivas que requeiram esforço ou pensamento abstrato Fonte: Adaptado de Wright et al., 2003. Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental 25 ções aos eventos da vida que são enviesadas em sua própria direção interna. Assim, indivíduos deprimidos comumente assumem culpa excessiva pelos eventos negativos. Por sua vez, pessoas não-deprimidas têm maior probabilidade de ver acontecimentos nocivos como provenientes de fontes externas, como má sorte, destino ou as atitudes dos outros. 2. Global versus específico. Em vez de ver os eventos negativos somente com uma relevância isolada ou limitada, pessoas com depressão podem concluir que essas ocorrências têm implicações de longo alcance, globais ou totalmente abrangentes. Pessoas que não são deprimidas têm uma capacidade melhor de isolar eventos negativos e evitar que tenham um efeito extensivo sobre a auto-estima e as respostas comportamentais. 3. Fixo versus mutável. Na depressão, situações negativas ou problemáticas são vistas como imutáveis e improváveis de melhorar no futuro. Um estilo mais saudável de pensamento é observado em pessoas não-deprimidas, que acreditam, mais freqüentemente, que as condições ou circunstâncias negativas regridirão com o tempo (p. ex., “isso vai passar”). As pesquisas sobre os estilos atributivos na depressão têm sido criticadas, porque os primeiros estudos foram realizados com estudantes e populações não-clínicas. Outras pesquisas realizadas com pacientes cuidadosamente diagnosticados com depressão também produziram resultados inconsistentes (Wright et al., 2003). No entanto, o peso das evidências dá suporte ao conceito de que as atribuições podem ser distorcidas na depressão e que os métodos de TCC podem ser úteis para reverter esse tipo de processamento cognitivo tendencioso. Em nosso trabalho clínico, descobrimos que muitos pacientes deprimidos conseguem assimilar prontamente o conceito de que seu estilo de pensamento está tendencioso na direção de atribuições internas, globais e fixas. Distorções na resposta ao feedback Uma série de pesquisas sobre como as pessoas respondem ao feedback revelou diferenças entre pessoas deprimidas e não-deprimidas, as quais têm implicações significativas para a terapia. Descobriu-se que indivíduos deprimidos subestimam a quantidade de feedback positivo recebido e despendem menor esforço às tarefas depois de lhe dizerem que seu desempenho é ruim (D. A. Clark et al., 1999; DeMonbreun e Craighead, 1977; Klein et al., 1976; Loeb et al., 1971; Wenzlaff e Grozier, 1988). Indivíduos não-deprimidos apresentam padrões que podem indicar um viés positivo que serve a si mesmos – eles podem ouvir feedback mais positivo do que aquele realmente dado ou minimizar a relevância de feedback negativo (Alloy e Ahrens, 1987; Rizley, 1978). Como um dos objetivos da TCC é ajudar os pacientes a desenvolverem um estilo acurado e racional de processamento de informações, o terapeuta precisa reconhecer e abordar possíveis distorções de feedback. Um dos principais métodos para fazer isso – dar e solicitar feedback detalhado em sessões de terapia – é descrito nos Capítulos 2 e 4. Estas técnicas utilizam a experiência da terapia como uma oportunidade para aprender a ouvir, reagir e dar feedback de maneira apropriada. Estilo de pensamento em transtornos de ansiedade Pessoas que apresentam transtornos de ansiedade demonstraram ter vários vieses característicos no processamento de informações. Uma dessas áreas de disfunção é um nível elevado de atenção a informações no ambiente sobre ameaças em potencial (Matthews e MacLeod, 1987). Por exemplo, a mulher com fobia de elevador, descrita na Tabela 1.1, pode ouvir um rangido ou outros sons em um elevador que a deixam preocupada com sua segurança. Uma pessoa que não tenha esse medo provavelmente prestará menos ou nenhuma aten- 26 Jesse H. Wright, Monica R. Basco & Michael E. Thase ção a esses estímulos. Pessoas com transtornos de ansiedade também, comumente, vêem os ativadores de seu medo como sendo perigosos de maneira não-realista ou com potencial para feri-las (Fitzgerald e Phillips, 1991). Muitos indivíduos com transtorno de pânico têm medo de que os ataques de pânico – ou as situações que os induzem – possam causar danos catastróficos, talvez até mesmo ataque cardíaco, derrame e morte. Outros estudos de processamento de informações demonstraram que pacientes com transtornos de ansiedade freqüentemente fazem uma estimativa reduzida de sua capacidade de enfrentar ou lidar com as situações carregadas de medo, têm sensação de falta de controle e alta freqüência de auto-afirmações negativas, interpretações errôneas dos estímulos corporais e estimativas exageradas do risco de calamidades futuras (Glass e Furlong, 1990; Ingram e Kendall, 1987; McNally e Foa, 1987; Wright et al., 2003). Ter consciência desses diferentes tipos de processamento tendencioso de informações pode ajudar os terapeutas a planejarem e implementarem o tratamento para transtornos de ansiedade. Aprendizagem, memória e capacidade cognitiva A depressão geralmente é associada a comprometimentos substanciais na capacidade de se concentrar e no desempenho das funções de aprendizagem e memória, que exigem esforço ou abstração (Weingartner et al., 1981). Também foram observadas reduções na capacidade de resolver problemas e no desempenho de tarefas tanto na depressão como nos transtornos de ansiedade (D. A. Clark et al., 1990; Ingram e Kendall, 1987). Na TCC, esses déficits de desempenho cognitivo são abordados com intervenções específicas (p. ex., estruturação, métodos psicoeducativos e ensaio) destinadas a melhorar a aprendizagem e auxiliar os pacientes a aprimorar suas habilidades de solução de problemas (ver Capítulo 4, “Estruturação e educação”). VISÃO GERAL DOS MÉTODOS DE TERAPIA Quando começam a aprender a TCC, os terapeutas às vezes cometem o erro de ver essa abordagem como apenas um conjunto de técnicas ou intervenções. Assim, eles passam rapidamente por alguns dos ingredientes mais importantes da TCC e partem diretamente para a implementação de técnicas, como o registro de pensamentos, a programação de atividades ou a dessensibilização. É fácil cair nessa armadilha, já que a TCC é conhecida por suas intervenções eficazes e pelo fato de os pacientes geralmente gostarem de se envolver em exercícios específicos. Mas, se você se focar prematuramente ou muito fortemente na implementação das técnicas, perderá a essência da TCC. Antes de escolher e aplicar técnicas, é preciso desenvolver uma conceitualização individualizada que conecte diretamente as teorias cognitivo-comportamentais à estrutura psicológica única do paciente e sua constelação de problemas (ver Capítulo 3, “Avaliação e formulação”). A conceitualização de caso é um guia essencial para o trabalho dos terapeutas cognitivo-comportamentais. Outras características centrais da TCC incluem um relacionamento terapêutico altamente colaborativo, aplicação hábil de métodos de questionamento socrático e estruturação e psicoeducação eficazes (conforme Tabela 1.4). Este livro destina-se a ajudálo a adquirir as habilidades gerais cruciais na TCC, além de aprender intervenções específicas para quadros psiquiátricos comuns. Como introdução às descrições detalhadas em capítulos posteriores, fornecemos aqui uma breve visão geral dos métodos de tratamento. Duração e foco da terapia A TCC é uma terapia voltada para o problema geralmente aplicada em um formato de curto prazo. O tratamento para depressão ou transtornos de ansiedade descomplicados normalmente dura de 5 a 20 sessões. Entretanto, cursos mais longos de TCC podem ser neces- Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental 27 torno de pânico (Newman et al., 1997). Um outro formato para sessões abreviadas de terapia às vezes é usado por psiquiatras experientes em TCC. São empregadas sessões curtas com medicações e auxiliares de tratamento, como a terapia assistida por computador e livros de auto-ajuda, como alternativa à tradicional “hora de 50 minutos”. A TCC concentra-se primordialmente no aqui-e-agora. No entanto, é essencial ter uma perspectiva longitudinal – incluindo a consideração do desenvolvimento na primeira infância, histórico familiar, traumas, experiências evolutivas positivas e negativas, educação, história de trabalho e influências sociais – para entender completamente o paciente e planejar o tratamento. É enfatizada uma abordagem voltada para o problema porque a atenção às questões atuais ajuda a estimular o desenvolvimento de planos de ação para combater sintomas como desesperança, desamparo, evitação e procrastinação. Além disso, as respostas cognitivas e comportamentais a eventos recentes são mais acessíveis e verificáveis do que as reações a ocorrências no passado distante. Um benefício adicional de trabalhar primordialmente no funcionamento atual é uma redução da dependência e da regressão no relacionamento terapêutico (Wright et al., 2003). Conceitualização de caso Quando estamos em sessões de TCC e fazemos um bom trabalho, sentimos que a conceitualização do caso norteia diretamente cada sários se houver condições co-mórbidas ou se o paciente possuir sintomas crônicos ou resistentes a tratamento. A TCC para transtornos de personalidade, psicoses ou transtorno bipolar pode precisar ser estendida para além das 20 sessões. Além disso, pacientes com doenças crônicas ou recorrentes podem se beneficiar com um desenho de terapia no qual a maior parte da TCC é mais pesada nos primeiros meses de tratamento (i.e., com visitas semanais), mas depois o terapeuta continua a atender o paciente em sessões de reforço intermitentes por períodos mais longos. Psiquiatras experientes nesse método podem usar a TCC em combinação com farmacoterapia em sessões curtas durante a fase de manutenção de depressão recorrente, transtorno bipolar ou outras doenças crônicas. A TCC normalmente é aplicada em sessões de 45 a 50 minutos. Mas sessões mais longas têm sido implementadas com sucesso para o rápido tratamento de pacientes com transtornos de ansiedade (Öst et al., 2001). Sessões de menos de 50 minutos normalmente são recomendadas para pacientes internados, pessoas com psicose e outros com sintomas graves que interferem substancialmente na concentração (Kingdon e Turkington, 2004; Stuart et al., 1997; Wright et al., 1992). Além disso, como será detalhado no Capítulo 4, sessões curtas de 25 minutos provaram ser eficazes para o tratamento de depressão se combinadas com um programa auxiliar via computador (Wright et al., 2005). Uma forma breve de TCC aplicada em combinação com um programa de computador foi descrita para o tratamento de transTABELA 1.4 • Métodos principais de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) Foco voltado para o problema Conceitualização de caso individualizada Relacionamento terapêutico empírico colaborativo Questionamento socrático Uso de estruturação, psicoeducação e ensaio para melhorar a aprendizagem Evocação e modificação de pensamentos automáticos Descoberta e modificação de esquemas Métodos comportamentais para reverter padrões de desamparo, comportamento autodestrutivo e evitação Desenvolvimento de habilidades de TCC para ajudar a evitar a recaída 28 Jesse H. Wright, Monica R. Basco & Michael E. Thase pergunta, cada resposta não-verbal, cada intervenção e o conjunto de ajustes que fazemos no estilo terapêutico para aprimorar a comunicação com o paciente. Em outras palavras, temos uma estratégia cuidadosamente pensada e não fazemos terapia pela nossa cabeça, jogando com um conjunto de técnicas. Para aprender a se tornar um terapeuta cognitivocomportamental eficaz, é preciso praticar e desenvolver formulações que reúnam informações da avaliação diagnóstica, das observações sobre o histórico específico do paciente e da teoria cognitivo-comportamental em um plano de tratamento detalhado. Os métodos de conceitualização de caso são abordados no Capítulo 3. Relação terapêutica Várias das características das relações terapêuticas adequadas são compartilhadas entre a TCC, a terapia psicodinâmica, as terapias não-dirigidas e outras formas comuns de psicoterapia. Esses atributos incluem compreensão, gentileza e empatia. Como todos os bons terapeutas, os terapeutas da TCC também devem ter a capacidade de gerar confiança e demonstrar serenidade quando sob pressão. Mas, em comparação com outras terapias conhecidas, a relação terapêutica na TCC se difere por ser orientada para um alto grau de colaboração, por seu foco fortemente empírico e pelo uso de intervenções direcionadas para a ação. Beck e colaboradores (1979) utilizam o termo empirismo colaborativo para descrever a relação terapêutica na TCC. Eles trabalham juntos como uma equipe investigativa, desenvolvendo hipóteses sobre a acurácia ou o valor de enfrentamento de uma série de cognições e comportamentos. Eles então colaboram no desenvolvimento de um estilo mais saudável de pensamento e de habilidades de enfrentamento e na reversão de padrões improdutivos de comportamento. Os terapeutas cognitivo-comportamentais são normalmente mais ativos do que os terapeutas de outras formas de terapia. Eles ajudam a estruturar as sessões, dão feedback e orientam os pacientes sobre como usar os métodos da TCC. Os pacientes também são incentivados a assumir responsabilidade na relação terapêutica. Eles são solicitados a dar feedback ao terapeuta, a ajudar a estabelecer a programação para as sessões de terapia e a trabalhar na prática das intervenções da TCC em situações da vida cotidiana. De modo geral, a relação terapêutica na TCC se caracteriza pela abertura na comunicação e por uma abordagem focada para o trabalho, pragmática e voltada para o senso de equipe no manejo dos problemas. Questionamento socrático O estilo de questionamento usado na TCC baseia-se em uma relação empírica colaborativa e tem o objetivo de ajudar os pacientes a reconhecerem e modificarem o pensamento desadaptativo. O questionamento socrático consiste em fazer perguntas ao paciente que estimulem a curiosidade e o desejo de inquirir. Em vez de uma apresentação didática dos conceitos da terapia, o terapeuta tenta fazer com que o paciente se envolva no processo de aprendizagem. Uma forma especial de questionamento socrático é a descoberta guiada, por meio da qual o terapeuta faz uma série de perguntas indutivas para revelar padrões disfuncionais de pensamento ou comportamento. Estruturação e psicoeducação A TCC utiliza métodos de estruturação, como o estabelecimento de agenda e feedback, para maximizar a eficiência das sessões de tratamento, ajudar os pacientes a organizar seus esforços em direção à recuperação e intensificar o aprendizado. A agenda da sessão é feita de forma a dar um direcionamento claro à sessão e permitir a mensuração do progresso. Por exemplo, itens bem-articulados da agenda podem ser “desenvolver um plano para voltar ao trabalho”, “reduzir a tensão no relacionamen- Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental 29 to com meu filho” ou “encontrar maneiras de superar o divórcio”. Durante a sessão, o terapeuta orienta o paciente no uso da agenda para explorar produtivamente tópicos importantes e tenta evitar digressões que têm pouca chance de ajudar a atingir os objetivos do tratamento. Contudo, os terapeutas têm bastante espaço para desviar-se da agenda se novos tópicos ou idéias importantes forem identificados ou se o fato de permanecer na agenda atual não estiver produzindo os resultados desejados. Tanto o paciente quanto o terapeuta dão e recebem feedback para confirmar a compreensão e para moldar o direcionamento da sessão. São utilizados vários métodos psicoeducativos na TCC. As experiências de ensino nas sessões normalmente envolvem usar situações da vida do paciente para ilustrar os conceitos. Comumente, o terapeuta dá breves explicações e as acompanha com perguntas que promovam o envolvimento do paciente no processo de aprendizagem. Várias ferramentas estão disponíveis para auxiliar os terapeutas a promover a psicoeducação. Alguns exemplos são a leitura de livros de auto-ajuda, apostilas, questionários de avaliação e programas de computador. O Capítulo 4, “Estruturação e educação”, traz uma descrição completa dessas ferramentas. Reestruturação cognitiva Uma grande parte da TCC é dedicada a ajudar o paciente a reconhecer e modificar esquemas e pensamentos automáticos desadaptativos. O método mais freqüentemente usado é o questionamento socrático. Registros de pensamento também são bastante utilizados na TCC. Identificar pensamentos automáticos sob a forma escrita pode, muitas vezes, incitar um estilo mais racional de pensamento. Outros métodos comumente usados incluem identificar erros cognitivos, examinar as evidências (análise pró e contra), reatribuição (modificar o estilo atributivo), listar alternativas racionais e ensaio cognitivo. Esta última técnica consiste em praticar uma nova maneira de pensar por meio da geração de imagens mentais ou role-play. Isso pode ser feito em sessões durante o tratamento com a ajuda do terapeuta. Ou, depois de ganhar experiência no uso de métodos de ensaio, o paciente pode ter como tarefa praticar sozinho em casa. A estratégia geral de reestruturação cognitiva é identificar pensamentos automáticos e esquemas nas sessões de terapia, ensinar habilidades para mudar cognições e, depois, fazer os pacientes realizarem uma série de exercícios intersessões planejados para expandir os aprendizados da terapia às situações do mundo real. Normalmente, é necessária a prática repetitiva até que os pacientes possam modificar prontamente cognições desadaptativas arraigadas. Métodos comportamentais O modelo de TCC enfatiza que a relação entre cognição e comportamento é uma via de duas mãos. As intervenções cognitivas descritas acima, se implementadas com sucesso, têm probabilidade de ter efeitos salutares no comportamento. Da mesma forma, mudanças positivas no comportamento normalmente estão associadas a uma melhor perspectiva cognitiva. A maioria das técnicas comportamentais usadas na TCC destina-se a ajudar as pessoas a: 1. romper padrões de evitação ou desesperança; 2. enfrentar gradativamente situações temidas; 3. desenvolver habilidades de enfrentamento; 4. reduzir emoções dolorosas ou excitação autônomica. No Capítulo 6, “Métodos comportamentais I: melhorando a energia, concluindo tarefas e solucionando problemas”, e no Capítulo 7, “Métodos comportamentais II: reduzindo a ansiedade e quebrando padrões de evitação”, detalhamos métodos comportamentais 30 Jesse H. Wright, Monica R. Basco & Michael E. Thase eficazes para a depressão e os transtornos de ansiedade. Algumas das intervenções mais importantes que você aprenderá são ativação comportamental, exposição hierárquica (dessensibilização sistemática), prescrição gradual de tarefas, programação de atividades e eventos prazerosos, treinamento de respiração e treinamento de relaxamento. Essas técnicas podem servir como ferramentas poderosas para ajudar a reduzir sintomas e promover mudanças positivas. Desenvolvimento de habilidades de TCC para ajudar a prevenir a recaída Uma das vantagens da abordagem da TCC é a aquisição de habilidades que podem reduzir o risco de recaída. Aprender como reconhecer e mudar pensamentos automáticos, utilizar métodos comportamentais comuns e implementar as outras intervenções descritas anteriormente neste capítulo podem ajudar os pacientes a lidar futuramente com ativadores dos sintomas. Por exemplo, uma pessoa que aprende a reconhecer erros cognitivos nos pensamentos automáticos pode ser mais capaz de evitar o pensamento catastrófico em situações estressantes com as quais poderá se deparar após o término da terapia. Durante as fases finais da TCC, em geral o terapeuta se concentra especificamente na prevenção da recaída ao ajudar o paciente a identificar problemas em potencial, os quais têm uma alta probabilidade de causar dificuldades. Depois, são utilizadas técnicas de treinamento para praticar maneiras eficazes de enfrentamento. Para ilustrar a abordagem da TCC à prevenção da recaída, pense no caso de uma pessoa que está recebendo alta de uma unidade hospitalar após uma tentativa de suicídio. Embora o indivíduo possa estar bem melhor e não esteja apresentando ideação suicida, um bom plano de tratamento cognitivo-comportamental incluiria a discussão dos possíveis desafios de retornar para casa e ao trabalho, seguido de orientação sobre as maneiras de lidar com esses desafios. É provável que a TCC com esse paciente também inclua o desenvolvimento de um plano específico anti-suicida.
RESUMO A TCC é uma das formas mais amplamente praticadas de psicoterapia para transtornos psiquiátricos. Essa abordagem de tratamento se baseia em preceitos sobre a função da cognição no controle da emoção e dos comportamento humanos, os quais foram traçados através de escritos de filósofos desde a Antigüidade até os dias de hoje. Os construtos que definem a TCC foram desenvolvidos por Aaron T. Beck e outros psiquiatras e psicólogos influentes, a partir dos anos de 1960. A TCC distingue-se por uma grande quantidade de pesquisas que examinaram suas teorias básicas e demonstraram a eficácia do tratamento. O processo de aprendizagem para se tornar um terapeuta cognitivo-comportamental qualificado envolve estudar as teorias e os métodos básicos, examinar exemplos de intervenções de TCC e praticar essa abordagem de tratamento com pacientes. Neste capítulo, introduzimos os conceitos centrais da TCC, como o modelo cognitivo-comportamental, a importância de reconhecer e modificar pensamentos automáticos, a influência dos esquemas no processamento de informações e na psicopatologia e a função-chave dos princípios comportamentais no planejamento das intervenções de tratamento. Os capítulos seguintes trazem explicações detalhadas e ilustrações a respeito de como colocar os princípios básicos da TCC em prática.


