Os circuitos da paixão
Descubra o que os neurocientistas dizem sobre a verdadeira natureza da paixão e do amor e quais as principais patologias que envolvem a mais sublime das experiências humanas
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Até o século 18, a paixão era considerada uma infecção contraída pelos olhos, que se instalava no coração, atingia o cérebro e poderia levar à morte. Para curá-lo, eram receitados alface, banhos frios e unguentos para os órgãos sexuais. Hoje, com o exames de neuroimagem, é possível investigar a fundo a natureza da paixão. Um grupo de pesquisadores americanos mostrou que essa emoção ativa as áreas mais primitivas do cérebro, aquelas encontradas até em répteis. Apaixonar-se é, de fato, um dos mais irracionais comportamentos do ser humano.
Com o objetivo de descobrir quais as áreas do cérebro envolvidas na paixão, uma das mais proeminentes estudiosas do assunto, a antropóloga Helen Fisher, da Universidade Rutgers, de Nova Jersey, nos Estados Unidos, investigou os circuitos cerebrais de um grupo de homens e mulheres enamorados que estavam vivendo relações recentes. Em estudo publicado na revista científicaJournal of Neurophysiology, a pesquisadora mostrou a paixão provoca um estado similar ao da adição.
Fisher acreditava que a exaltação e obsessão pelo ser amado, comportamento habitual dos apaixonados, eram apenas uma emoção. Mas o estudo revelou que se trata de um impulso básico de acasalamento, que envolve as zonas que integram ossistemas de recompensa e motivação. Assim, este amor romântico é um instinto como o maternal ou como o impulso sexual - lembrando que a paixão é muito mais difícil de controlar do que o impulso sexual. "Provavelmente os circuitos do cérebro para o amor romântico desenvolveram-se há milhões de anos para permitir que os nossos antepassados concentrassem sua energia de acoplamento em apenas uma pessoa por um tempo e iniciar o processo de acasalamento", acredita a pesquisadora.
A exaltação e obsessão pelo ser amado, comportamento habitual dos apaixonados, é um impulso básico de acasalamento, que envolve recompensa e motivação
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O amor romântico é um instinto como o maternal ou como o impulso sexual. Os circuitos do cérebro para o amor romântico desenvolveram-se há milhões de anos para permitir que os nossos antepassados pudessem iniciar o processo de acasalamento |
A química da paixão envolve a dopamina, neurotransmissor que em níveis elevados leva a uma forte motivação, associada à excitação, assim como a níveis elevados de ansiedade e medo. A cocaína, o álcool, a nicotina e a morfina, por exemplo, são drogas que elevam os níveis de dopamina. No amor romântico há, ainda, uma redução dos níveis de serotonina. O resultado são aqueles fenômenos já conhecidos: a sensação de bem-estar ao lado da pessoa amada, a perda do apetite e do sono, o emagrecimento, a obsessão pelo outro.
Ao contrário do que podemos supor, amor não é paixão. E a distinção entre os dois estados é nítida, revelam pesquisadores de Nova York, nos Estados Unidos, após sondar os circuitos acionados pelo cérebro dos enamorados. O estudo, publicado na atual edição do Journal of Neurophysiology, compara 2500 imagens do cérebro de universitários, alguns no auge da paixão e outros, na fase mais consolidada do amor. O grupo foi classificado de acordo com o critério que os cientistas chamaram de "escala da paixão". Para tanto, foram considerados a duração, a intensidade e o tipo de sentimentos relatados pelos pesquisados. Participaram do estudo 17 estudantes (10 homens e 7 mulheres). A faixa etária variou de 18 a 26 anos e o tempo de namoro, de 1 a 17 meses.
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A constatação de que o apaixonado trabalha sistemas ligados à atenção e à recompensa nos permite dizer que a sua dinâmica cerebral se assemelha a de situações como fome e sede |
Para verificar quais sistemas eram ativados pela paixão, foram exibidas fotografias do ente amado aos estudantes. Enquanto isso, os examinadores sugeriam que eles recordassem eventos vividos com essa pessoa, um passeio a dois ou um jantar romântico. Após o exercício, o grupo descreveu as emoções produzidas, como conforto, bem-estar, aconchego e euforia. Os estudantes que viviam a fase mais intensa da paixão tiveram uma reação significativa em regiões específicas do cérebro: o núcleo caudado e a área tegmental ventral. As estruturas concentram células nervosas que interagem na presença de dopamina, substância cuja circulação aumenta sempre que as pessoas anseiam por algum tipo de gratificação.
A paixão é uma espécie de força motivadora e não de emoção, como estamos acostumados a defini-la
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Síndrome de Clèrambault O delírio (falsa convicção) de ser amado por uma pessoa de maior prestígio ou posição social mais elevada. Casos como esse são mais frequentes do que se supõe. O primeiro a falar sobre o problema foi o psiquiatra francês De Clèrambault, em 1921. Segundo ele, a síndrome é gerada por emoções doentias que sempre passam pelos estágios de esperança, despeito e rancor. A fase de rancor seria a mais importante delas. Depois dos sinais de rejeição, o afeto repentino e exacerbado dá lugar às retaliações. |
A constatação de que o apaixonado trabalha sistemas ligados à atenção e à recompensa nos permite dizer que a paixão é uma espécie de força motivadora (foco) - e não de emoção, como estamos acostumados a defini-la. Como atenção dirigida que antevê a recompensa, a paixão é responsável pela vazão de uma série de emoções, como a euforia e a ansiedade. A dinâmica cerebral de um apaixonado se assemelha a de situações como fome e sede. O funcionamento também é semelhante ao de uma pessoa que recebe injeções de cocaína. As respostas são de excessiva energia, insônia e perda do apetite. O que leva crer que a paixão nada mais é do que uma necessidade primária à espera de ser saciada. Puro instinto.
A paixão ocorre em uma área que controla necessidades básicas, como comer, beber e movimentar os olhos. As reações produzidas: euforia, atenção intensa focalizada, pensamentos obsessivos envolvendo o objeto do desejo, dependência emocional e energia sexual aumentada. Isso explica o que já conhecemos muito bem na prática: um estado marcado por uma boa dose de irracionalidade e desejos incontroláveis.
Duração do amor
Uma das descobertas mais interessantes é que a dinâmica cerebral varia de acordo com a duração do amor romântico. Foram notadas diferenças importantes entre os dois grupos. Quando o ímpeto da paixão se esvazia, e a ligação entre pessoas caminha para o que chamamos de amor, um estado mais sereno, foi verificada a ocorrência de pequenas alterações nos circuitos do cérebro. Áreas ligadas a sentimentos mais duradouros passam a ser acionadas pelo amor.
Tipos Veja os tipos de delírio associados à paixão e ao ciúme: Grandioso: esse tipo de delírio faz o indivíduo acreditar que possui grande valor, conhecimento, sabedoria ou relação com uma divindade ou pessoa famosa. Ciumento: delírios recorrentes de que o parceiro sexual é infiel, ainda que não haja nenhuma evidência que justifique tal desconfiança. Persecutório: a pessoa acredita que ele (ou alguém do seu convívio) está sendo tratado injustamente - neste caso, o ciúme se assemelha à mania de perseguição. Tipo Somático: os delírios desse gênero fazem com que a pessoa alimente a crença de que possui algum defeito físico, isso faz com que ela se sinta rejeitada. Misto: delírios que mesclam os tipos mencionados, mas sem predomínio de qualquer um deles em especial. |
Também foi observado que, apesar de ativar mecanismos específicos, a paixão pode ser produzida a partir de uma constelação de sistemas. Isso porque as respostas convergem para regiões ligadas ao núcleo caudado, que permite uma série de associações. Essa área do cérebro é responsável por estímulos e memórias que variam de acordo com indivíduo e com o contexto.
Algumas pessoas estariam mais sujeitas à paixão do que outras? Para o psicanalista português Allen Gomes, autor do livroPaixão, Amor e Sexo, há estados psicológicos específicos que fazem surgir a paixão, como tédio, aborrecimento, falta de realização e falta de satisfação com o dia-a-dia. Esses estados favorecem o surgimento de fantasias e idealizações em relação aalguém. Isso também é comum na presença de uma mágoa, que serve como ponto de partida para um forte desejo de estabelecer uma relação nova. E tudo indica que os homens se apaixonam mais rapidamente que as mulheres.
Erotomania e outros transtornos
No filme Bem me quer, mal me quer, Angélique (Andrey Tautou) é uma estudante de arte e está apaixonada por um cardiologista casado. Ela, no entanto, acredita que sua paixão é correspondida. Só com o desenrolar do filme o espectador descobre que o cardiologista nunca esteve apaixonado por ela e não só isso - na verdade, ele mal sabia da existência da estudante. Casos como esse existem na vida real. A literatura médica descreve quadros em que um mero incidente, como um olhar ou um toque, basta para aflorar fantasias que logo darão lugar a constantes perseguições. Frente à recusa, porém, o que era amor se torna ódio e vingança.
A paixão ocorre em uma área que controla necessidades básicas, como comer, beber e movimentar os olhos
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Há estados psicológicos específicos que fazem surgir a paixão, como tédio, aborrecimento, falta de realização e que favorecem o surgimento de idealizações em relação a alguém |
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche diz que há sempre uma loucura no amor (e que há alguma razão na loucura). Mas alguns casos, porém, ganham dimensões inimagináveis. É o que a psiquiatria moderna identificou como erotomania ou síndrome de Clèrambault.
Curioso é que a fantasia pode aflorar a partir de um único incidente. Isto basta para que a pessoa se convença do amor que sente. A partir daí, passa a acreditar piamente que sua paixão é correspondida - e que foi a pessoa amada que iniciou o caso. Qualquer sinal pode levar a essa interpretação: olhares, mensagens cifradas, mensagens de jornal ou até mesmo (imagine!) telepáticas. Quem sofre dessa síndrome, em geral, são pessoas reservadas, solitárias, com pouca vida social. Elas também podem ser privadas de contato sexual por anos, ocupar cargos de pouco prestígio e, em alguns casos, serem pouco atraentes. O perfil pode levar a uma personalidade sensível e desconfiada ou até a uma assumida atitude de superioridade.
Constante nos consultórios psiquiátricos, o ciúme doentio, muitas vezes pode estar acompanhado de outras patologias. Os delírios de ciúme aparecem em 16% das pessoas com paranoia e estaria mais ligado ao distúrbio psicótico |
Quando o ímpeto da paixão se esvazia foi verificada a ocorrência de pequenas alterações nos circuitos do cérebro
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Atividade cerebral da paixão Manifesta-se de modo diferente em cada um dos sexos. No cérebro feminino, as partes do cérebro mais envolvidas são as relacionadas com as emoções e com a memória. Ela explica que a mulher, desde os primórdios, foi a principal responsável pela sobrevivência dos filhos. Ela e a criança precisavam de proteção e alimento. Assim, era conveniente escolher o parceiro com base na lembrança do que este lhe deu e proporcionou em termos de segurança. Já nos homens, a atividade principal ocorre nas áreas do cérebro associadas ao estímulo visual e à ereção do pênis. De acordo com antropóloga, o homem ancestral precisava se assegurar de que a mulher era jovem e saudável, capaz de gerar descendentes. importante delas. Depois dos sinais de rejeição, o afeto repentino e exacerbado dá lugar às retaliações. |
As pessoas que se tornam alvo de amor são superiores em vários pontos, como inteligência, posição social, autoridade, beleza e popularidade. Não é difícil entender o motivo: quase sempre o amor delirante funciona como uma compensação que permite que o sujeito resgate sua autoimagem perdida e se proteja da solidão. Quando se entrega ao amor, a pessoa simplesmente não aceita a indiferença. Prefere acreditar que a rejeição do outro é, no fundo, uma prova secreta de amor, um teste de fidelidade ou uma tentativa de esconder o "romance" de estranhos. Ela pensa que é amada por um bom tempo e renuncia a esse amor somente para reiniciar suas fantasias com outra pessoa.
Alvo de constantes investidas, a pessoa amada sofre grandes transtornos. O inconveniente varia de chamadas telefônicas no meio da noite a declarações de amor nas situações mais impróprias. Ainda que as agressões físicas ou sexuais não sejam uma regra, estudos atestam que 57% dos casos são de homens com comportamento violento e vingativo. A despeito de vigorosas negações da outra pessoa, a fantasia de estar sendo amado persiste por anos. Há relatos de casos em que o delírio durou mais de 20 anos. Daí a necessidade de hospitalizações ou de ações legais que impeçam a perseguição da vítima.
O problema estaria relacionado a impressões delirantes causadas por uma combinação de fatores: experiências amorosas frustradas, isolamento afetivo, além de dé cit no funcionamento do sistema límbico. Essa estrutura é responsável pela interpretação dos estímulos externos, acrescentando- lhes uma resposta afetiva. A persistência dos delírios, por sua vez, estaria associada ao que os especialistas chamam de rigidez cognitiva, que resulta na di culdade em mudar um determinado sistema de crenças. Constatou-se que pessoas que sofriam com esse problema tinham um comprometimento do hemisfério cerebral direito.
Ciúme e alcoolismo Até pouco tempo, o ciúme era considerado um traço do alcoolismo. Associado à impotência sexual, o vício seria um importante fator que culminaria no sentimento de inferioridade e rejeição - e ao ciúme patológico, por tabela. A incidência em alcoólatras é de 34%. Pelo menos um elemento comum entre o alcoolismo e o ciúme é que os dois estão ligados à dependência. A diferença é que o primeiro caso diz respeito a uma dependência química, enquanto o segundo caso resulta da dependência afetiva. Os mecanismos cerebrais, porém, são similares. E um pode compensar o outro. |
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O amor delirante pode funcionar como uma compensação que permite o resgate da autoimagem perdida |
Tipos de ciúmes
Outra constante nos consultórios psiquiátricos é o ciúme doentio, que muitas vezes pode estar acompanhado de outras patologias. As palavras são do crítico francês Roland Barthes: "como homem ciumento eu sofro quatro vezes: por ser ciumento, por me culpar por ser assim, por temer que meu ciúme prejudique o outro, por me deixar levar por uma banalidade; eu sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum".
As pessoas que se tornam alvo de amor são superiores em vários pontos, comointeligência, posição social, autoridade, beleza e popularidade
E nenhum de nós está imune - em um estudo populacional, todos os entrevistados responderam afirmativamente a uma pergunta que indica o ciúme (embora apenas 10% admitam que ele prejudica as relações). Justamente por ele ser comum, delimitar as fronteiras que separam o ciúme normal do anormal é uma tarefa bem delicada.
Quem tem ciúme doentio é uma bomba-relógio sempre prestes a explodir. Seu modo de sentir o amor é destrutivo
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O ciúme na literatura Ciúme exagerado e paixão doentia são alvos frequentes da literatura, tanto emtrabalhos científicos quanto para contar histórias de quem sofre até passar dos limites. Um dos escritores que mais mergulharam no abismo desse desvio psicológico foi Nelson Rodrigues. Em 1941, o autor lançou A mulher sem pecado, peça que virou livro. A obra narra as aflições de Olegário, homem que vive preso a uma cadeira de rodas e sente um ciúme doentio por sua mulher, a jovem Lídia. Ele chega a dar dinheiro aos empregados para que investiguem a vida da esposa. Contudo, a iniciativa de Olegário tem um efeito contrário. Cansada das atitudes do marido, Lídia foge com o motorista. Então, se descobre que a paralisia de Olegário era fingimento, um pretexto para testar a fidelidade da mulher. Quando o marido toma ciência da fidelidade da esposa ela decide traí-lo. |
Mas há quem afirme que o ciúme normal é passageiro e específico, a desconfiança se baseia em fatos palpáveis. O ciúme patológico, por sua vez, estaria assentado em preocupações absurdas, sem qualquer fundamento ou ligação com a realidade. Trata-se, portanto, de uma fantasia, um delírio.
O ciúme doentio pode se mostrar em três casos: na forma de ciúme prevalente (que surge como um traço isolado), de ciúme obsessivo (quando a pessoa tem ideia fixa na traição e não consegue parar de pensar nisso) e de ciúme delirante (a convicção fantasiosa de que a outra pessoa é infiel, ainda que o fato não tenha qualquer nexo com a realidade).
No primeiro caso, o ciúme se manifesta como fantasias bastante cotidianas, que não trazem nada de bizarro ou esquisito. A pessoa pode acreditar que está sendo traída ou até que é amada à distância etc. (a desconfiança se assemelha à convicção de se estar doente ou infectado por algum vírus, por exemplo).
Quando o ciúme é obsessivo, a pessoa consome grande parte do dia ruminando uma só ideia: a possibilidade de estar sendo traída. Ela não tem certeza, mas a ideia persiste; acaba se sentindo culpada por investigar a pessoa amada a todo instante, tenta por m à sua compulsão, mas não consegue.
Já ciúme delirante é, possivelmente, o mais exuberante de todos. Enquanto o ciumento clássico se concentra na pessoa amada e no medo de perdê-la, o delirante mantém seu foco na existência de um suposto rival (muitas vezes imaginário) - talvez por causa de um desejo velado de competir com ele.
Os delírios de ciúme aparecem em 16% das pessoas com paranoia. Por sua natureza, o ciúme doentio estaria mais ligado ao distúrbio psicótico (problemas psiquiátricos marcados por delírios e alucinações). Neste caso, a pessoa não desconfia, mas está convencida de que realmente foi traída, ainda que isso seja uma hipótese absurda.
Ao contrário do que se supõe, não é a intensidade do ciúme que conta. O essencial é verificar o valor que a pessoa dá ao tema infidelidade e o papel que o ser amado tem em sua vida. Ou seja, a base do ciúme patológico estaria muito mais no seu aspecto absurdo, na sua irracionalidade, do que no seu excesso.
Quem tem ciúme doentio é uma bomba-relógio sempre prestes a explodir. Seu modo de sentir o amor é destrutivo. As pessoas que sofrem de ciúme doentio, geralmente, são sensíveis e têm baixa autoestima. Reagem às ameaças com um comportamento impulsivo, egoísta e agressivo.
Seja qual for o tipo, o ciúme está ligado ao sentimento de inferioridade e insegurança, transtornos psicológicos atuais ou anteriores, a experiências negativas envolvendo separação ou traição, relação de pouca con ança com os pais. Há ainda outros fatores que podem contribuir, como estresse.
Não é incomum que amor se transforme em codependência. O que faz com que a pessoa dedique-se integralmente a outra, a ponto de se sentir totalmente responsável por ela. Essa atenção exagerada costuma ser bem vista por todos, já que a tomamos como atitude zelosa para com o outro, uma demonstração de afeto. No entanto, essa rotina de cuidados pode mascarar uma perigosa relação de codependência em que as pessoas envolvidas se deixam escravizar mutuamente.
Isso faz com que elas se distanciem da sua verdadeira identidade, tomando de empréstimo as expectativas, desejos e necessidades da outra pessoa. De alguma maneira, essa relação de dependência funciona como uma estratégia de defesa a qual costumamos recorrer para sobreviver em tempos de crise, é uma forma de crescer em ambientes dolorosos. Sentimos como se a vida só fosse possível quando nos agarramos fortemente a alguém, quando vivemos em função desse outro.
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Pesquisa realizada por universidade americana sugere que a rejeição de um amante pode ser semelhante a ter de se livrar de um vício |
Desde cedo, as crianças percebem que os sentimentos positivos que lhes é dirigido dependem muito do estado de humor dos pais e, assim, crescem inseguras. Elas aprendem a se basear nos desejos alheios ao invés de investir em suas próprias expectativas. E não raro a dependência mútua é passada de geração em geração. O filho de um pai alcoólatra, por exemplo, poderá manter a mesma relação de dependência, seja por álcool, compras ou trabalho, quando adulto.
Diante do sentimento de inadequação, essas pessoas buscam a perfeição em cada gesto, cobrando demais de si mesmas, talvez por acreditar o que isso lhes trará aceitação. Outras se julgam obrigadas a desempenhar o papel de "salvadoras", sua autoestima passa a depender da sua capacidade de ajudar as outras, especialmente as pessoas que se colocam no papel de vítimas; isto por não se julgarem boas o bastante para que sejam aceitas de outro modo. Existem também os revanchistas que tentam compensar as humilhações a partir de grande feitos, ansiosos para reafirmar sua importância.
O ciúme doentio pode se mostrar em três casos: na forma de ciúme prevalente, de ciúme obsessivo e de ciúme delirante
Todos os casos mencionados são formas variadas de manifestação de um mesmo problema, a dependência excessiva da aceitação do outro, a necessidade de aprovação. Segundo Roberto Ziemer, mestre em Psicologia Social pela PUC-SP e autor do livro Do Medo à Confiança: como realizar seu projeto de vida (Editora Gente), o primeiro passo é desvencilhar do que ele chama de "eu falso", aquele que tomamos de empréstimo a partir de relações destrutivas. "Com a identificação, o questionamento e a transformação dos papéis falsos descobrimos que existe uma maneira mais espontânea e saudável de estar no mundo", ele diz.
Outro passo é resgatar nossos próprios sentimentos e nos conscientizarmos das nossas próprias necessidades. Identificar os limites entre a própria identidade e a da outra pessoa também pode ajudar. Ao nos libertarmos das crenças e regras destrutivas do passado, poderemos estabelecer nossas próprias regras. "À proporção em que nos libertarmos da opressão autoimposta, seremos capazes de fazer contato com a nossa criança interior, aquela representa os aspectos mais genuínos, espontâneos e criativos de nossa personalidade".
Os pesquisadores desconfiam que a resposta do cérebro à rejeição romântica possa ter uma base evolutiva
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Há tratamentos Há muitos projetos de pesquisa que visam à entender melhor a origem e as consequências da paixão doentia e do ciúme descontrolado. Um deles é comandado pela psicoterapeuta Eglacy Cristina Sophia, no Ambulatório de Múltiplos Transtornos de Impulso (AMITI), criado na Faculdade de Medicina do Hospital das Clínicas da USP. Segundo a coordenadora do programa, o objetivo do trabalho, num primeiro momento, foi compreender a fundo e cientificamente o problema, por meio da participação de voluntários. A partir daí, foram desenvolvidos tratamentos para as pessoas que sofrem com esse tipo de distúrbio. Ela revela que os critérios de diagnósticos para o amor patológico são semelhantes aos da dependência química. O ambulatório funciona no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. O telefone para quem quiser conhecer o trabalho é (11) 2661-7805. |
Rejeição
Uma pesquisa feita pela Rutgers University, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, sugere que a rejeição de um amante pode ser semelhante a ter de se livrar de um vício. O estudo, publicado na edição de julho do Journal of Neurophysiology, é um dos primeiros a examinar o cérebro de pessoas que tiveram o "coração partido" e que têm dificuldade para superar o seu relacionamento.
Os pesquisadores estudaram o cérebro de 15 voluntários (10 mulheres e 5 homens) com idade universitária e que tinham terminado um relacionamento, mas que ainda amavam a pessoa que os havia rejeitado. A duração média das relações era de cerca de dois anos, sendo que dois meses haviam se passado, em média, desde o rompimento dos relacionamentos. Todos os participantes tiveram altas pontuações em um questionário que psicólogos utilizam para medir a intensidade dos sentimentos românticos. Os participantes também disseram ter gasto mais de 85% de suas horas acordados pensando em quem os rejeitou.
Após a varredura, os cientistas descobriram que, enquanto olham para as fotografias dos antigos parceiros, homens e mulheres com o coração partido têm ativadas as regiões cerebrais associadas com recompensa, ânsia do vício, controle das emoções e sentimentos de apego, dor física e angústia. Esses resultados fornecem respostas sobre os motivos pelos quais pode ser muito difícil para alguns superar uma ruptura e porque, em alguns casos, as pessoas são levadas a cometer atos extremos, como perseguições e homicídios, depois de perder o amor.
Os pesquisadores desconfiam que a resposta do cérebro à rejeição romântica possa ter uma base evolutiva. "Quando você é rejeitado no amor, é como se perdesse o maior prêmio da vida, ou seja, um parceiro para o acasalamento", diz Fisher. Segundo ela, esse sistema do cérebro é ativado para ajudar o rejeitado a tentar conquistar a pessoa de volta, para que se concentre nela e tente recuperá-la.
Os pesquisadores observaram que quanto mais o tempo tinha passado desde a separação, menor atividade havia em uma região do cérebro associada ao prazer e à recompensa. As áreas do cérebro envolvidas na regulação da emoção, a tomada de decisão e avaliação também foram ativadas quando os participantes viram a foto do seu ex-amor. "Isso sugere que os participantes estavam aprendendo a partir de sua experiência romântica passada, avaliando os seus ganhos e perdas e descobrindo como lidar com a situação", disse Fisher.
Estes resultados sugerem que falar sobre sua experiência, pode ter benefícios terapêuticos para o apaixonado. "Parece ser saudável para o cérebro, ao invés de apenas ficar nadando em desespero, pensar sobre a situação de forma mais ativa e tentar trabalhar uma maneira de lidar com isso", explica.