Os académicos construíram vários perfis do Jesus histórico, que geralmente o retratam em um ou mais dos seguintes papéis: o líder de um movimento apocalíptico, o Messias, um curandeiro carismático, um sábio e filósofo, ou um reformista igualitário

10/04/2020 17:05

Praticamente todos os académicos contemporâneos concordam que Jesus existiu realmente,embora não haja consenso sobre a confiabilidade histórica dos evangelhos e de quão perto o Jesus bíblico está do Jesus histórico.[A maior parte dos académicos concorda que Jesus foi um pregador judeu da Galileiafoi batizado por João Batista e crucificado por ordem do governador romano Pôncio Pilatos. Os académicos construíram vários perfis do Jesus histórico, que geralmente o retratam em um ou mais dos seguintes papéis: o líder de um movimento apocalíptico, o Messias, um curandeiro carismático, um sábio e filósofo, ou um reformista igualitário. A investigação tem vindo a comparar os testemunhos do Novo Testamento com os registos históricos fora do contexto cristão de modo a determinar a cronologia da vida de Jesus.

Quase todas as linhas cristãs acreditam que Jesus foi concebido pelo Espírito Santonasceu de uma virgem, praticou milagres, fundou a Igreja, morreu crucificado como forma de expiaçãoressuscitou dos mortos e ascendeu ao Céu, do qual regressará. A grande maioria dos cristãos venera Jesus como a encarnação de Deus, o Filho, a segunda das três pessoas na Santíssima Trindade. Alguns grupos cristãos rejeitam a Trindade, no todo ou em parte.

A maior parte dos académicos concorda que Jesus foi um judeu da Galileia, nascido por volta do início do primeiro século,[nota 1] e que morreu entre os anos 30 e 36 d.C. nudeiaconsenso académico é que Jesus foi contemporâneo de João Batista e foi crucificado por ordem do governador romano Pôncio Pilatos, que governou entre 26 e 36 d.C.[18] Grande parte dos académicos sustentam que Jesus viveu na Galileia e na Judeia e que não pregou ou estudou em qualquer outro local.[40]

Os evangelhos oferecem diversas pistas no que diz respeito ao ano de nascimento de Jesus. Mateus 2:1 associa o nascimento de Jesus ao reinado de Herodes, o Grande, que morreu cerca de 4 a.C., enquanto que Lucas 1:5 menciona que Herodes reinava pouco antes do nascimento de Jesus,[41][42] embora este evangelho também associe o nascimento com o censo de Quirino, que decorreu dez anos mais tarde.[43][44] Lucas 3:23 declara que Jesus tinha cerca de trinta anos de idade no início do seu ministério; ministério esse que, de acordo com Atos 10:37, foi precedido pelo ministério de João, que Lucas 3:1 afirma ter começado no 15º ano do reinado de Tibério (28 ou 29 d.C.).[42][45] Ao comparar os relatos do evangelho com dados históricos e usando vários outros métodos, a maior parte dos académicos determina a data de nascimento de Jesus entre 6 e 4 a.C.[45] [46]

Os anos do ministério de Jesus foram estimados usando diversas abordagens diferentes.[47][48] Uma delas aplica as referências em Lucas 3:1Atos 10:37 e as datas do reinado de Tibério, que são conhecidas com precisão, para determinar a data de início em 28-29 d.C.[49] Outra abordagem usa a declaração em João 2:13-20, que afirma que no início do ministério de Jesus o Templo de Jerusalém se encontrava no seu 46º ano de construção; sabendo que a reconstrução do templo foi iniciada por Herodes no 18º ano do seu reino, estima-se que a data seja 27-29 d.C..[47][50] Outro método usa a data da morte de João Batista e o casamento de Herodes Antipas com Herodíade, com base no testemunho de Josefo, relacionando-os com Mateus 14:4 e Marcos 6:18.[51][52] Dado que a maior parte dos investigadores data o casamento em 28-35 d.C., isto determina a data do ministério entre 28 e 29 d.C.[48]

Têm sido usadas várias abordagens diferentes para estimar o ano da crucificação de Jesus. A maior parte dos académicos concorda que ele morreu entre os anos 30 e 33 d.C.[6] [53] Os evangelhos declaram que o evento ocorreu durante o governo de Pilatos, que governou a Judeia entre 26 e 36 d.C.[54][55][56] A data para a conversão de Paulo (estimada entre 33 e 36 d.C.) é o limite superior para a data de crucificação. As datas da conversão de Paulo e do ministério podem ser determinadas através da análise das epístolas de Paulo e do Livro dos Atos.[57][58] Desde Isaac Newton que os astrónomos tentam estimar a data precisa da crucificação através da análise do movimento lunar e do cálculo das datas históricas do Pessach, um festival com base no calendário hebraico lunissolar. As datas mais aceites a partir deste método são 7 de abril de 30 d.C. e 3 de abril de 33 d.C. (ambas julianas).[59]

Os quatro evangelhos canónicos (MateusMarcosLucas e João) são as principais fontes para a biografia de Jesus. No entanto, outras partes do Novo Testamento, como as epístolas paulinas, escritas provavelmente décadas antes dos evangelhos, incluem também referências a episódios chave da sua vida, como a Última Ceia em Coríntios 11:23-26. Os Atos dos Apóstolos (Atos 10:37-38 e Atos 19:4) referem-se ao início do ministério de Jesus e ao do seu antecessor João Batista. Os Atos 1:1-11 revelam mais acerca da Ascensão de Jesus do que os evangelhos canónicos. Alguns dos primeiros grupos cristãos e gnósticos tinham descrições distintas da vida e ensinamentos de Jesus que não estão incluídas no Novo Testamento. Entre elas estão o Evangelho de Tomé, o Evangelho de Pedro e o Apócrifo de Tiago, entre várias outras narrativas apócrifas. A maior parte dos académicos considera-as fontes muito posteriores e muito menos confiáveis do que os evangelhos canónicos.

A Última Ceia é a última refeição que Jesus partilha com os seus doze apóstolos em Jerusalém antes da sua crucificação. A Última Ceia é mencionada nos quatro evangelhos canónicos, sendo também referida na Primeira Epístola aos Coríntios de Paulo (Coríntios 11:23).[61][62][174] Durante a refeição, Jesus prevê que um de seus apóstolos o trairá.[175] Apesar de cada apóstolo ter afirmado que não o iria trair, Jesus reitera que o traidor seria um dos presentes. Mateus 26:23-25 e João 13:26-27 identificam especificamente Judas como traidor.[61] [62][175]

Nos sinópticos, Jesus reparte o pão pelos discípulos ao mesmo tempo que diz: "Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isto em memória de mim." Depois fá-los beber vinho por um cálice, dizendo: "Este cálix é o Novo Testamento no meu sangue, que é derramado por vós." (Lucas 22:19-20).[61][176] O sacramento cristão da Eucaristia baseia-se neste evento.[177] Embora o Evangelho de João não inclua uma descrição do ritual do pão e do vinho durante a Última Ceia, a maior parte dos académicos concorda que o Discurso do Pão da Vida (João 6:58-59) possui um carácter eucarístico e se relaciona com as narrativas dos evangelhos sinópticos e com os textos de Paulo sobre a Última Ceia.[178]

Em todos os evangelhos, Jesus prevê que Pedro negará que o conhece por três vezes antes de o galo cantar na manhã seguinte.[179][180] Em Lucas e João, a profecia é feita durante a Ceia (Lucas 22:34João 22:33). Em Mateus e Marcos, a profecia é feita após a Ceia, sendo também profetizado que Jesus será abandonado por todos os seus discípulos (Mateus 26:31-34Marcos 14:27-30).[181] O Evangelho de João oferece o único relato de Jesus a lavar os pés dos discípulos antes da refeição.[99] João também inclui um longo sermão de Jesus, preparando os discípulos (agora sem Judas) para a sua partida. Os capítulos 14 a 17 do Evangelho de João são conhecidos por Discurso de despedida e são uma fonte significativa de conteúdos cristológicos.[182][183]

Agonia no jardim, traição e prisão

 
 
Beijo de Judas e da prisão de Jesus por Caravaggioséculo XVII

Após a Última Ceia, Jesus dá um passeio para rezar, acompanhado pelos discípulos. Mateus e Marcos identificam o local como sendo o jardim do Getsémani, enquanto Lucas o identifica como sendo o Monte das Oliveiras.[181][184] Judas aparece no jardim acompanhado por uma multidão, entre a qual se encontram clérigos judaicos, anciãos e pessoas armadas. Judas beija Jesus para o identificar à multidão, que então o prende.[181][185] Tentando impedi-los, um dos discípulos de Jesus empunha uma espada para cortar a orelha de um homem.[181][185] Lucas afirma que Jesus cura a ferida por milagre, enquanto João e Mateus afirmam que Jesus critica o ato violento, ao mesmo tempo que incentiva os discípulos a não resistir à prisão. Em Mateus 26:52 Jesus afirma: "Todos os que lançarem mão da espada à espada morrerão."[181][185] Após a prisão de Jesus, os seus discípulos escondem-se e Pedro, quando interrogado, por três vezes nega conhecer Jesus.[181] Após a terceira negação ouve-se o galo cantar e Pedro, ao se lembrar da profecia, chora em amargura.[179]

Julgamentos pelo Sinédrio, Herodes e Pilatos

Depois de ser preso, Jesus é levado para o Sinédrio, um corpo jurídico judaico.[186] O texto dos evangelhos difere nos detalhes dos julgamentos.[187] Em Mateus 26:57Marcos 14:53 e Lucas 22:54, Jesus é levado para a casa do sacerdote Caifás, onde é espancado durante a noite. De manhã cedo, os clérigos e escribas levam Jesus ao tribunal.[185][188][189] João 18:12-14 afirma que Jesus é levado primeiro a Anás, sogro de Caifás, e depois ao sumo sacerdote, sem menção ao Sinédrio.[185][188][189]

 
Representação de Pôncio Pilatos a apresentar Jesus ao públicoAntonio Ciseri, 1871

Durante os julgamentos, Jesus pouco fala, não articula nenhuma defesa e responde de forma vaga às questões dos clérigos, o que leva um oficial a esbofeteá-lo. Em Mateus 26:62, a falta de resposta de Jesus leva a que Caifás lhe pergunte: "Não respondes coisa alguma ao que estes depõem contra ti?"[185][188][189] Em Marcos 14:61 o sumo sacerdote pergunta a Jesus: "És Tu o Cristo, Filho do Deus Bendito?" Jesus responde "Eu o sou", e em seguida profetiza a vinda do Filho do Homem.[22] Esta provocação faz com que Caifás se irrite e rasgue a própria túnica, acusando Jesus de blasfémia. Em Mateus e Lucas, a resposta de Jesus é mais ambígua.[22] [190] Em Mateus 26:64 responde: "Tu o disseste", e em Lucas 22:70 diz: "Vós dizeis que eu sou".[191][192]

Ao levar Jesus para o tribunal de Pilatos, os anciãos pedem ao governador que julgue e condene Jesus, acusando-o de se proclamar o Rei dos Judeus.[189] O uso do termo "rei" é essencial na discussão entre Jesus e Pilatos. Em João 18:36 Jesus declara: "O meu reino não é deste mundo", mas não nega inequivocamente ser o Rei dos Judeus.[193][194] Em Lucas 23:7-15 Pilatos apercebe-se de que Jesus é um galileu, estando portanto na jurisdição de Herodes.[195][196] Pilatos envia Jesus a Herodes para ser julgado,[197] mas este mantém o silêncio face às perguntas de Herodes. Herodes e os seus soldados escarnecem Jesus, vestem-lhe um manto luxuoso para o fazer parecer um rei, e o levam de volta a Pilatos,[195] que reúne os anciãos e anuncia que não considera este homem culpado.[197]

De acordo com um costume da época, Pilatos permite que a multidão escolha um prisioneiro para ser libertado. Dá a escolher entre Jesus e um assassino chamado Barrabás. Persuadida pelos anciãos (Mateus 27:20), a multidão escolhe libertar Barrabás e crucificar Jesus.[198] Pilatos escreve um sinal onde se lê: "Jesus Nazareno Rei dos Judeus",[199] abreviado para INRI nas representações do tema, para ser afixado na cruz de Jesus (João 19:9),[200] e em seguida flagela e envia Jesus para ser crucificado. Os soldados colocam-lhe na cabeça uma coroa de espinhos, ridicularizando-o como Rei dos Judeus, e espancando-o antes de o levarem para o Calvário[201] para ser crucificado.[185][189] [202]

Crucificação e deposição

 

A crucificação de Jesus é descrita nos quatro evangelhos canónicos. Depois dos julgamentos, Jesus é levado para o Calvário carregando a cruz. O caminho que se pensa ter sido usado é conhecido por Via Dolorosa. Os três evangelhos sinópticos indicam que Simão de Cirene foi obrigado pelos romanos a ajudar Jesus.[203][204] Em Lucas 23:27-28 Jesus diz às mulheres no meio da multidão que o segue para não chorarem por ele, mas por si próprias e pelas suas crianças.[203] No Calvário, oferecem a Jesus um preparado analgésico. De acordo com Mateus e Marcos, Jesus recusa.[203][204]

Os soldados crucificam Jesus e removem a sua roupa. Acima da sua cabeça na cruz estava a inscrição de Pilatos, "Jesus Nazareno Rei dos Judeus",[199] ridicularizado por soldados e pessoas que passavam a pé. Jesus é crucificado entre dois ladrões condenados, um dos quais ataca Jesus, enquanto outro o defende.[203][205] Os soldados romanos partem as pernas a ambos os ladrões, uma técnica usada para acelerar a morte na cruz, mas não chegam a partir as de Jesus, uma vez que este já se encontra morto. Em João 19:34um soldado perfura Jesus com uma lança, de cuja ferida brota água.[205] Em Mateus 27:51-54, quando Jesus morre, a cortina pesada do Templo volve-se e um terramoto abre os túmulos. Aterrorizado pelo evento, um centurião romano afirma que Jesus era de facto o Filho de Deus.[203][206]

No mesmo dia, José de Arimateia, com a permissão de Pilatos e a ajuda de Nicodemusremove o corpo de Jesus da cruz, envolve-o em roupas lavadas e enterra-o num túmulo de pedra talhada.[203] Em Mateus 27:62, no dia seguinte os judeus pedem a Pilatos para o túmulo ser selado com uma pedra e vigiado, de modo a assegurar que o corpo aí permaneça.[203][94]

Ressurreição e ascensão

 

O texto do Novo Testamento sobre a ressurreição de Jesus afirma que no primeiro dia da semana após a crucificação (geralmente interpretado como sendo o domingo), o seu túmulo é descoberto vazio e que os seus discípulos o encontram ressuscitado dentre os mortos. Os discípulos chegam ao túmulo de manhã cedo e encontram um ou dois seres (homens ou anjos) vestidos com túnicas brancas. Marcos 16:9 e João 20:15 indicam que Jesus aparece primeiro a Maria Madalena, e Lucas 24:1 afirma que ela é uma dos mirróforos (na tradição oriental) ou das Três Marias (na ocidental).[65][207]

Depois de descobrirem o túmulo vazio, Jesus realiza uma série de aparições aos discípulos.[65] Entre elas está a Dúvida de Tomé e a aparição na estrada aos Emaús, em que Jesus encontra dois discípulos. A segunda pesca milagrosa é um milagre no mar da Galileia, após o qual Jesus encoraja Pedro a servir os seus seguidores.[65][207]

Antes de ascender ao Céu, Jesus instrui os discípulos a espalhar a palavra sobre os seus ensinamentos em todas as nações do mundo. Lucas 24:51 afirma que Jesus é então levado ao Céu. O relato da ascensão é elaborado em Atos 1:1-11 e mencionado em Timóteo 3:16. Nos Atos, quarenta dias depois da Ressurreição, quando os discípulos olham para cima, encontram Jesus elevado, tendo sido levado por uma nuvem. Pedro 3:22 afirma que Jesus foi levado para o Céu e é agora a mão direita de Deus.[65]

Os Atos dos Apóstolos descrevem várias aparições de Jesus em visões após a sua Ascensão. Atos 7:55 descreve uma visão vivenciada por Santo Estêvão pouco antes de morrer.[208] Na estrada para Damasco, o apóstolo Paulo é convertido ao cristianismo depois da visão de uma luz ofuscante e de ter ouvido uma voz dizer: "Eu sou Jesus, a quem tu persegues" (Atos 9:5).[209][210] Em Atos 9:10-18, Jesus instrui Ananias de Damasco a curar Paulo. É o último diálogo com Jesus citado na Bíblia até ao Livro da Revelação,[209][210] no qual um homem chamado João vivencia uma revelação de Jesus sobre os últimos dias.[211]