Origem do Puritanismo e da Alienação

23/03/2014 11:07
cuidardoser |

 

O nome da Rosa” é um filme que se passa no ano 1327, e enfatiza o cristianismo da época, mostrando todas as suas crenças, cultura, religião, política de vida, respeito ao próximo e conduta moral. Mostra os representantes da Ordem Franciscana e a delegação Papal que se reúnem num mosteiro Beneditino, no norte da Itália, para uma conferência.

Para se preservarem, os monges da época ficavam totalmente cobertos com roupas inclusive a cabeça e por outro lado, as mulheres, no qual eram consideradas “seres do pecado”, andavam aos trapos junto aos pobres, pois eram taxadas como símbolo de discórdia e tragédia, ou melhor, era a própria imagem do demônio.

Todo e qualquer ato que envolvia prazer, como rir , pensar, e até ter contato com o sexo era considerado como pecado mortal. A fé, o poder da cura, a autoconfiança existiam porque havia alguns homens com coração leal, para seguir os passos de Deus, mas existiam também aqueles que “mascaravam” e usavam a força de sua crença e seu poder para fazer o mal. Muitos deles eram diabólicos e eram obstinados com o pecado, capazes até de provocar a morte de seus companheiros. 

Faziam com que seu povo fosse manipulado e tudo era considerado como pecado. Mas a missão deles é subitamente ofuscada por uma série de assassinatos. O monge Franciscano, William de Baskerville, convidado para participar da conferência, auxiliado pelo seu noviço, Adso, começam, então a investigar esses assassinatos. Eles descobrem que a causa das mortes está diretamente relacionada à busca do conhecimento.

No século XIII, a Igreja  dominava o cenário religioso. Detentora, não apenas, do poder espiritual, ela influenciava o modo de pensar, a psicologia e as formas de comportamento daquela época.Os monges viviam em mosteiros, e eram os responsáveis pela proteção espiritual da sociedade e passavam grande parte do tempo rezando e copiando livros e a bíblia. Eles, de acordo com os princípios da igreja, deviam manter-se em silêncio e não podiam falar o que pensavam, até que fossem questionados.

Durante a Idade Média, a Igreja , mantinha o que restava de força intelectual, principalmente através da vida monástica. Esses estudiosos viviam numa atmosfera que dava prioridade à fé e tinham a mente mais voltada para a salvação das almas do que para qualquer outro tipo de conhecimento, pois este era considerado artimanha do demônio.

A Igreja tinha poderes “Éticos, políticos e socioeconômicos” e, a fim de manter esses poderes e privilégios era bastante resistente a mudanças. Sua unidade era garantida pela Santa Inquisição - Tribunal da Igreja Católica instituído no século XIII para perseguir, julgar e punir os acusados de heresia. Eram considerados hereges aqueles que professavam doutrina contrária àquela definida pela Igreja como sendo matéria de fé. Os Hereges eram punidos severamente e muitas vezes executados publicamente na fogueira, pois desta forma serviam de exemplo para outros que desejassem ir contra os ensinamentos da igreja.

No filme, a igreja, com o objetivo de manter uma fé cega e obediente, monopolizava os seus dogmas como verdades absolutas, limitando o acesso ao conhecimento, inclusive entre os monges, de modo que ela não pudesse ser questionada.

Com o intuito de evitar a busca pelo conhecimento e possíveis questionamentos que aquele pudesse gerar, a igreja adotava preceitos, tais como: “A dúvida é inimiga da fé.”, “É perigoso raciocinar demais”... Estes e outros preceitos confirmavam a crença, dos monges, em que os livros possuíam sabedorias diferentes das deles e que eles poderiam pôr em risco a confiança plena na palavra de Deus.

O mosteiro Beneditino era possuidor de uma rica biblioteca, porém seu acervo era bastante restrito e protegido por um labirinto construído em seu interior. Nesta biblioteca havia muitos livros que eram “proibidos” e entre eles estava o segundo livro da Poética de Aristóteles, que fala sobre a comédia. E este, seria a causa de assassinatos dentro do mosteiro.Esse livro, dedicado à comédia, era especialmente proibido, pois o riso era considerado um pecado, coisa do demônio, portanto, os monges não deviam rir.

Até que, o monge franciscano, William de Baskerville, descobrisse a verdadeira causa das mortes no mosteiro, seguindo a marca registrada de cada assassinato, onde tanto os dedos quanto a língua ficavam roxo por causa do veneno deixado nas páginas, tais acontecimentos eram atribuídos ao demônio, a forças do mal que estariam rondando aquele lugar.

O objetivo dos assassinatos, através do envenenamento das páginas do livro de Aristóteles, era deter aqueles que buscassem prazer e conhecimento com aquela leitura e, assim, todos aqueles que o lesse ou tentassem fazê-lo, logo morreriam. A morte era a única maneira de impedir aqueles que insistiam na busca do conhecimento.Desta forma, a igreja mantinha sua posição, evitando possíveis questionamentos e, principalmente, as mudanças.

**Origem  do  Puritanismo e  Opressão.

 

Ao trabalhar o medo de morrer não podemos deixar de destacar o controle sobre o corpo na Idade Média. O homem para ter uma boa morte deveria controlar e disciplinar os desejos do corpo, que pelo seu processo biológico e instintivo provoca a proliferação do nascimento e consequentemente da própria mortalidade.

Assim, ao analisar o medo de morte na Idade Média, nos deparamos com regras e comportamentos que favoreciam para uma boa morte, ou seja, uma preparação para o pós-morte que requeria práticas diárias para eliminar os desejos da carne. Áries (1990) em o homem diante da morte trabalha com muita propriedade a questão da “domesticação” do medo de morrer e a preparação do corpo para uma “boa morte”. (ÁRIES, 1990, pp. 61-6)

A disciplinarização do corpo e as regulamentações da vida do homem constituem dois pólos em torno dos quais se desenvolveram as organizações do poder sobre a vida. Um paralelo que se caracteriza por um poder cuja função é investir todas as forças sobre a vida.

Foucault (1988) promove uma representação da sexualidade, como uma das principais práticas consideradas pecaminosas na Idade Média. No entanto, podemos notar com clareza a constante preocupação do homem medieval com as “coisas de Deus”. (FOUCAULT, 1988, pp. 31-9)

O controle sobre o desejo do corpo simbolizava o afastamento das coisas terrenas e uma forte aproximação de Deus. A administração do corpo era algo praticado pelo homem medieval que desejava a vida plena e uma morte digna. (DELUMEAU, 1989, pp. 188- 9)

Assim, notamos com clareza que o homem ocidental aprendeu pouco a pouco o que é ser uma espécie viva em um mundo vivo, ter um corpo, ter uma condição de existência, a probabilidade de vida, as problemáticas com relação à saúde individual e coletiva que exerce forças que pode mudar o rumo de sua vida.

O homem medieval tinha uma forte preocupação em reprimir o “amor”, onde seria a suprema realização das aspirações para a “vida bela” uma tarefa de libertação do corpo e da alma.

Quando ocorria uma relação amorosa entre um homem e uma mulher, ambos praticavam as convenções amorosas, voltadas para a “coisa de Deus”, e uma das práticas era rezar antes de encontrar a amada. Glorificar a Deus perante a imagem da amada, ao entrar na Igreja para começar uma novena ou fazer o voto mental de compor um poema falando da amada, onde seria propicio falar acerca da grande devoção a Deus, afirmando em forma de oração a sua forte relação com as coisas divinas. (DELUMEAU, 1989, p. 151)

Na Idade Média os homens procuravam fugir dos desejos do corpo, vivenciando uma vida bucólica que enfatizava uma aspiração sagrada.

Com relação a tal ideia notamos que o dispositivo da sexualidade permitiu técnicas de poder investir na vida de forma biológica e religiosa, marcando o processo onde cada indivíduo luta contra o desejo do corpo, negando o sexo, o prazer como algo que possibilitaria assegurar a “boa morte”.

O sexo neste discurso era trabalhado em uma perspectiva de devaneio, um mecanismo do corpo que não contempla a espiritualidade, pois sua surpefície se pauta no pecado e no desejo ininterrupto da carne.

A sexualidade era configurada como o desejo da carne que deixava os homens bestializados diante do prazer sexual, mas ao mesmo tempo afirmava o medo de morrer, pois estavam praticando algo considerado libertino e pecaminoso.

Neste momento, os prazeres mais singulares eram solicitados a sustentar um discurso que deveria não mais articular aquele que fala do pecado, da salvação, da morte e da eternidade, e sim aquele que fala do corpo, da vida e das normas religiosas.

O domínio do poder sobre o sexo seria promovido através da linguagem ou de discursos religiosos que promoviam a interdição do prazer da carne; construindo normas que se cristalizaram na Idade Média como regras complexas que determinavam os comportamentos dos indivíduos de forma hegemônica.

Neste processo ocorre a formação dos saberes que se refere ao sistema de poder que regulamenta práticas e formas pelas quais os indivíduos podem e devem se reconhecer como sujeito dessa sexualidade que constitui um domínio exclusivo.

Pois o valor do ato sexual era considerado pelo cristianismo como algo do “mal, do pecado, a queda, a morte”; o homem medieval deveria acentuar os valores morais e espirituais, atribuindo a tal idéia a prática da abstinência rigorosa, a castidade permanente e a virgindade.

A sexualidade deveria ser trabalhada dentro dos princípios de uma moral cristã que permitia o sexo somente após o casamento cristão, onde era afirmada a fidelidade da esposa com o marido, e era uma questão colocada de forma rígida, que de certo modo tinha um grande valor na sociedade medieval.

O ato sexual é um ponto de cruzamento entre uma vida individual que é destinada a morte e ao mesmo tempo á uma imortalidade que torna a forma concreta de uma sobrevivência da espécie.

A atividade sexual se inscreve, no amplo horizonte da morte e da vida, do tempo e da eternidade. Assim, o homem coloca em contra ponto o destino de morrer e as formas de escapar da morte através da reflexão sobre o uso dos prazeres e sobre os seus regimes.

O regime físico dos prazeres é caracterizado pela capacidade de dominar as forças que desencadeia um jogo da vida e da morte, onde o homem deseja sobreviver além da sua existência terrena.

Podemos notar que o homem medieval tinha uma preocupação extremamente rigorosa com a repressão dos desejos do corpo, pois tal prática como já dito era considerada pecaminosa, um ato profano que deveria ser reprimido constantemente da vida dos homens medievais, um processo que partia da individualidade para a coletividade social e religiosa da Idade Média. (DELUMEAU, 1989, pp. 22-9)

A Igreja medieval se preocupava em constituir uma sociedade que se pautava em uma estrutura mental que visa ocupar e orientar os fiéis, a não praticarem as coisas do “mau”. Para isto o homem medieval deveria seguir normas ritualísticas como penitências, jejuns, momentos de constante oração, entre outras práticas que faziam parte da vida social e religiosa do homem medieval.

Quando falamos em alma, devemos perceber que ela tem um duplo papel de desempenhar uma reflexão que designa para o corpo um regime que efetivamente é determinado pela natureza do mesmo e das suas tensões. Assim, fica claro que este desejo tem duas faces, ele parece no corpo e aparece na alma, uma experiência que o sujeito faz dele próprio.

Podemos pensar nos conjuntos teóricos, dos jogos da morte e da imortalidade, nas práticas e normas que possibilitavam a purificação da alma.

Portanto, podemos notar que os elementos trabalhados colocam em destaque o concerne de regras para o prazer; práticas constantes de fidelidade conjugal, e de normatização de comportamentos religiosos que possibilitam ao homem medieval a construir uma “boa conduta sexual” e, além disto, tornando possível uma “vida plena e distante da morte”.

O sexo era um “mal necessário”, que deveria e foi encarado, dentro da mentalidade cristã ocidental com um único e exclusivo objetivo: o da procriação. A idéia era: quanto mais casto o homem medieval fosse, mais próximo da “boa morte” ele estaria e consequentemente mais “perto de Deus".