O que são os vícios comportamentais?

12/10/2019 22:45

Os vícios comportamentais são os vícios não relacionados a substâncias ou drogas. As pessoas que os padecem apresentam uma deterioração considerável em todas os âmbitos de suas vidas, especialmente no familiar, no financeiro e no profissional.

Embora tenham certas nuances, são muito semelhantes em características e consequências à dependência de drogas.

Segundo o estudo de José de Sola Gutiérrez (2014), os critérios comuns entre ambos podem ser resumidos como:

  • Capacidade de se envolver em comportamentos que resultam em consequências reforçadoras.
  • Preocupação excessiva com consumo ou comportamentos que relatam um reforço positivo.
  • Tolerância ou nível de saciedade temporal.
  • Perda de controle, na qual a frequência do comportamento aumenta, tornando-se cada vez mais automática.
  • Dificuldade em interromper ou evitar o comportamento, apesar da existência de sérias consequências negativas.

Assim, o viciado entra em um ciclo de “consumo/comportamento – abstinência – desejo”, no qual a droga ou o comportamento viciante se situa no centro de sua vida. Praticamente todos os comportamentos que ele realiza são voltados para a busca e o consumo.

Diferença entre vícios em substâncias e vícios comportamentais

 

Diferenças entre vícios em substâncias e vícios comportamentais

Como mencionado anteriormente, os dois tipos compartilham muitas características. Tanto o vício químico quanto o comportamental causam dependência, síndrome de abstinência e tolerância.

No entanto, devemos levar em consideração as principais diferenças na hora de escolher um tratamento.

A primeira diferença está na síndrome de abstinência. No vício em drogas, a natureza fisiológica da substância faz com que, uma vez consumida, a abstinência desapareça. Isso não acontece com os vícios comportamentais, ou seja, a abstinência não desaparece ainda que se realize o comportamento viciante.

A segunda diferença tem relação com a comorbidade entre substâncias ou fontes de dependência.

Na toxicodependência, é muito comum a politoxicomania (consumo de vários tipos de drogas). Nos vícios sem substâncias, não é comum haver vários vícios (por exemplo, jogo patológico e vício em trabalho).

Vícios comportamentais mais comuns

Jogo patológico

Antes conhecido como ludopatia, é definido como o comportamento de jogo desadaptativo, persistente e recorrente. A pessoa começa a jogar gradualmente, aumentando a quantidade e a frequência pouco a pouco.

Entre as perdas financeiras que o vício envolve, a pessoa vai se endividando e acumulando problemas econômicos, profissionais, familiares e até jurídicos. Finalmente, muitas vezes são os próprios familiares ou as pessoas mais próximas que as forçam a buscar tratamento.

Sobre essa tipologia, pode-se dizer que as novas tecnologias facilitam cada vez mais o início e a manutenção do comportamento de jogo. As salas de jogos na internet e as apostas online aumentaram o número de casos e dificultaram o tratamento.

Compras compulsivas

Também chamado de oniomania, esse vício é caracterizado pela compra compulsiva e impulsiva de produtos sem motivo ou necessidade.

Geralmente não são produtos caros, mas múltiplas compras pequenas que acabam com a economia da pessoa. É característico dos países industrializados e agravado pelo pagamento com cartão de crédito, já que com ele não se percebe fisicamente o dinheiro que se gasta.

Vício em trabalho

Normalmente, esse vício é medido pela quantidade de horas que a pessoa dedica ao trabalho sem que exista uma necessidade financeira ou de outra natureza.

A prioridade número um é o emprego, que é colocado antes das outras áreas da vida. Esta, inclusive, pode chegar a ser colocada em risco pelo viciado.

O viciado em trabalho não tira férias ou dias de folga, e quando não está no trabalho, apresenta os sintomas típicos de abstinência. Como no caso anterior, o vício em trabalho também costuma ser característico dos países industrializados.

Vício em sexo

Trata-se de um vício controverso, pois é necessário estabelecer uma separação entre vício e comportamento. Passa a ter vício em sexo a pessoa que cumpre os requisitos mencionados na primeira parte do artigo.

Cabe ressaltar que esse vício implica um sofrimento para a pessoa, pois realizar o comportamento não alivia seu desejo, mas a leva a agir novamente.

 

Vício em telas: videogames, televisão, redes sociais, etc.

Pertencente aos chamados “novos vícios”essa tipologia apresenta uma alta prevalência entre jovens e menores de idade.

Durante muito tempo foi discutida sua inclusão nos vícios comportamentais, embora sua participação nesse grupo tenha sido finalmente demonstrada. O vício em telas inclui o uso excessivo de:

  • Videogames
  • Televisão
  • Redes sociais
  • Internet
  • Computador
  • Celular
O papel da indústria de bens de consumo nos vícios

 

O papel da indústria de bens de consumo nos vícios comportamentais

Desde os seus primórdios, os vícios comportamentais demoraram muito para serem reconhecidos como vícios de fato. Atualmente, discernir entre o que é ou não um vício ainda gera controvérsia.

Isso gera um “vazio moral” na sociedade, que parece não estar ciente do problema representado pelos vícios sem substâncias, responsáveis por tanto sofrimento.

Além disso, há uma grande facilidade para realizar esses comportamentos: fazer compras, apostar em uma máquina caça-níquel em um bar, abrir o Instagram, ligar a TV

É preciso destacar também a indústria de bens consumo. Por meio de campanhas publicitárias incessantes, ela incentiva o indivíduo a realizar essas ações, a princípio inofensivas, mas que podem dificultar muito o tratamento.

Existem, por lei, publicidades que advertem sobre os efeitos negativos do consumo de álcool e tabaco. Além disso, medicamentos e até alguns alimentos processados ​​também vêm com recomendações sobre seu consumo.

Talvez, como primeiro passo, essa seja uma solução para tentar impedir o aparecimento de alguns tipos de vícios comportamentais.

A neurobiologia do vício

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Os indivíduos afetados pelo vício passam da impulsividade para a compulsão. Esses dois estágios podem coexistir, mas geralmente ocorrem nessa ordem.

Podemos ver o vício em múltiplas facetas da vida, e o mais comum e conhecido deles é o vício em drogas. O vício pode ser definido como o comportamento compulsivo de procurar e utilizar a droga, a perda de controle para limitar o seu consumo e o aparecimento de um estado emocional negativo por não ter a droga. Mas, o que podemos dizer sobre a neurobiologia do vício?

A dependência pode ser definida como um ciclo de três fases: compulsão/intoxicação, abstinência/efeito negativo e preocupação/antecipação (desejo). Este último piora com o tempo e envolve alterações neuroplásticas nos sistemas de recompensa, estresse e função executiva do cérebro (2 – 4).

A impulsividade pode ser definida como “uma predisposição para reações rápidas não planejadas a estímulos internos e externos, sem levar em conta as consequências negativas dessas reações para si mesmo ou para os outros” (5).

Por outro lado, a compulsão é a manifestação de “ações persistentes, repetitivas, excessivas e inadequadas” (6).

Assim, os indivíduos afetados pelo vício passam da impulsividade para a compulsão. Esses dois estágios também podem coexistir, mas geralmente ocorrem nessa ordem. Assim, para cada um desses estágios, o cérebro age de uma forma ou de outra.

Neurobiologia do vício

 

A neurobiologia do vício: a dependência na fase de intoxicação

Mecanismo de recompensa ao ingerir a droga

As drogas ativam os sistemas de recompensa do cérebro. Um dos principais focos da pesquisa sobre a neurobiologia dos efeitos gratificantes das drogas tem sido as origens e as áreas dos sistemas de dopamina mesocorticostriatal ascendente.

Estes têm um papel fundamental nas propriedades gratificantes de quase todas as drogas viciantes.

Parece que, quando ocorre uma intoxicação por álcool ou drogas, o cérebro libera dopamina e peptídeos opioides no estriado ventral. Além disso, a liberação rápida e pronunciada de dopamina tem muito a ver com a sensação agradável que a pessoa drogada sente (1).

Os incentivos

A partir de estudos realizados em primatas não humanos, descobriu-se que as células dopaminérgicas do cérebro foram inicialmente disparadas em resposta a uma nova recompensa.

Após a exposição repetida a essa recompensa, os neurônios pararam de disparar durante a entrega da recompensa previsível.

Em vez de fazê-lo naquele momento, disparavam quando eram expostos a estímulos que previam a recompensa. Assim, a dopamina tem muito a ver com a busca de recompensa no cérebro.

A neurobiologia do vício: a dependência na fase de antecipação

Este estágio foi definido como a chave para a recaída em humanos. Assim, define o vício como um distúrbio de recaída crônica. Nos seres humanos, o desejo induzido pela droga envolve a ativação do córtex pré-frontal, incluindo:

  • O córtex pré-frontal dorsolateral.
  • O giro cingulado anterior.
  • O córtex orbitofrontal medial.

Além disso, o vício em cocaína ou nicotina também está relacionado à função da ínsula. Esta área parece ter uma função interoceptiva que integra informação autônoma e visceral com a emoção e a motivação.

De fato, estudos mostraram que a reatividade da ínsula funciona como um biomarcador para ajudar a prever a recaída.

Para concluir, durante este estágio, dois sistemas opostos podem ser determinados: o sistema de partida (sistema go) e o sistema de parada (sistema stop).

Efeitos do vício no cérebro

 

Sistemas de partida e parada (go/stop)

O sistema de partida pode gerar hábitos de ansiedade e comprometimento através dos gânglios basais. Por exemplo, o desejo de cocaína na dependência pela droga está associado com o aumento da conectividade da rede que liga o córtex pré-frontal medial e o córtex cingulado anterior com o estriado ventral, e a rede que liga a ínsula com o corpo estriado dorsal (7).

O sistema de parada poderia controlar a avaliação do valor de incentivo das opções e a supressão das respostas afetivas aos sinais emocionais negativos. Nesse sentido, um sistema de parada inibiria o sistema de iniciação e o sistema de desejo pela droga.

Em conclusão, existem três circuitos principais que se ocupam da neurobiologia do vício. Eles correspondem àqueles que têm como protagonistas os gânglios basais, a amígdala e o córtex pré-frontal.

Eles são unidos por outros microcircuitos neuroquímicos, e todos eles têm a ver com o desejo e a recaída nos vícios.