O que é um psicopata? Compreendendo a psicopatia e suas particularidades.

02/12/2018 16:22

A psicopatia é um transtorno de personalidade que acomete cerca de 3 a 4% da população mundial. Os psicopatas são indivíduos que podem ser encontrados em qualquer etnia, cultura, sociedade, credo, sexualidade ou nível financeiro. Jamais irão experimentar uma inquietude mental, ou o menor sentimento de culpa ou remorso por desapontar, magoar, enganar ou até mesmo tirar a vida de alguém (SILVA, 2014) – um pouco difícil processar isso mentalmente, não é? Vamos trabalhar essa dificuldade; isso é possível, é real.

 

Percorreremos uma longa trilha acerca dos pilares que fundamentam a psicopatia. Tenho como presente objetivo expor informações sobre a mente e o comportamento das pessoas diagnosticadas com transtorno de personalidade antissocial (TPA) e, também, dos psicopatas; alguns detalhes serão levantados, mitos e dúvidas clássicas sanadas.

 

As pessoas são ingênuas quanto ao potencial do ser humano para matar. Elas presumem que assassinos são indivíduos diabólicos facilmente detectáveis, mas nem sempre são. Torna-se mais complexo quando você entende que é uma pequena parcela desses indivíduos (psicopatas) que são tomados pelo impulso que leva ao homicídio, a maioria se “alimenta” de outra forma, a qual será abordada em breve.

 

Pensar na psicopatia me leva a uma interessante e conturbadora via de mão dupla — espero que você leitor também consiga chegar a esse estado após a leitura desse texto. Psicopatas são postos como indivíduos desprovidos de empatia (incapaz de se colocar no lugar do outro), mentirosos crônicos, frios e calculistas. Grandes estudiosos da psicologia psicopática acreditam que a escassez desse sentimento é um dos principais pilares da crueldade intrínseca nestes indivíduos.

 

Essa é a característica mais popular dos psicopatas, a falta de empatia; mas e os seres humanos mentalmente saudáveis? A que ponto chegam para entender a psicopatia? São capazes de se colocar no lugar de um psicopata? De pensar como um? Viso colocar-se no lugar do psicopata como a outra via, mais complexa, porém necessária para compreender o assunto e até mesmo solucionar crimes.

 

Ted Bundy, um dos mais temíveis assassino em série dos EUA na década de 70.

 

Colocar-se no lugar de uma pessoa “normal” para compreendê-la já é algo significativamente complicado (em casos mais complexos). Na maioria das vezes, se o indivíduo não tiver passado por uma situação semelhante ele não será capaz de ter uma compreensão sólida, pois o mesmo não tem experiência para simular o que a outra pessoa está sentindo emocionalmente.

 

Quanto a se colocar no lugar de um psicopata, é algo que os psiquiatras, psicólogos e estudiosos do comportamento humano, que atuam na área forense, costumam ter como estilo de vida. É importante que o profissional tenha a capacidade de razoavelmente compreender a mente do psicopata, estabelecendo parâmetros que possivelmente os levarão ao tal. Vamos abordar isso (serial killers) com mais especificidade em um futuro artigo exclusivo para isso, o enfoque aqui é a psicopatia.

 

Essa coisa toda de empatia e de se colocar um no lugar do outro, vagamente, me faz lembrar dos neurônios espelhos. Células localizadas no córtex pré-motor que disparam quando observamos um animal (geralmente da mesma espécie) realizando um determinado ato. Em uma explicação mais básica, ao ver alguém fazendo um movimento para pegar um copo com a mão, o seu cérebro trabalha como se você tivesse fazendo o mesmo. Estas células são cruciais para imitação e acredita-se que é de suma importância para o aprendizado da linguagem.

 

TPA’S VS PSICOPATAS E POR QUE NÃO EXISTE CRIANÇA PSICOPATA?

 

Antes de prosseguir com o assunto, será necessário esclarecer alguns detalhes importantes, os quais o leitor deve estar atento para que possa compreender o artigo da melhor forma possível. Nessa série de textos, tentarei abordar o assunto com uma profundidade considerável mas, ao mesmo tempo, sem se perder em minúcias técnicas e acadêmicas, tentando manter uma legibilidade constante.

 

É importante enfatizar que, apesar das abordagens e análise de pesquisas baseadas em neuroimagens que associam a psicopatia a certas diferenças neurobiológicas em relação a um cérebro saudável, em termos médicos-psiquiátricos, a psicopatia não se encaixa na visão tradicional das doenças mentais. Causando por tanto, uma falsa impressão de que se trata de indivíduos loucos ou doentes mentais. Não sofrem de delírios nem alucinações (como a esquizofrenia) e muito menos apresentam intenso sofrimento mental como a depressão.

 

John Wayne Gacy, conhecido como “o palhaço assassino”.

 

Durante a adolescência, o cérebro está sujeito a intensas transformações biofísicas. Essas transformações biofísicas, na maioria das vezes, explicam os comportamentos impulsivos, imediatistas e explosivos dos adolescentes (Silva, 2014). As pessoas amadurecem e se desenvolvem de forma e em tempos distintos. Por conta disto, a psiquiatria não pode formar o diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial (TPA) antes dos dezoito anos de idade. Os pacientes com menos de dezoito anos de idade que apresentam comportamentos referentes ao TPA, recebem o diagnóstico de transtorno da conduta (antes conhecido como delinquência).

 

Segundo Casoy (2017), alguns estudos do cérebro sugerem que crianças diagnosticadas com transtorno de conduta apresentam certas conexões cerebrais com mais lentidão que outras, mostram menos medo à punição e parecem ter a necessidade de “excitar” seu sistema nervoso, sentindo fortes emoções e precisando de vibrações constante.

 

Alguns especialistas atribuem a psicopatia como um transtorno de personalidade (TP) em um grau máximo. Esse transtorno refere-se a padrões de comportamento que não se enquadram naquilo que a sociedade considera como uma conduta “normal”. A classificação da psicopatia como um TP não é plenamente aceita, pois os psicopatas possuem uma excêntrica habilidade de dissociação – a qual veremos com detalhes em breve — que, portanto, difere-se completamente dos outros transtornos de personalidade.

 

Os manuais médicos que descrevem doenças mentais não utilizam a palavra psicopatia. Utiliza-se transtorno de personalidade antissocial (TPA), pois é o distúrbio que mais se aproxima da psicopatia. De modo geral, o típico TPA é descrito como um mentiroso contumaz, um manipulador que sente dificuldade em seguir normas e tem propensão a enganar os outros. É irritadiço e normalmente brigão, irresponsável e não se importa com a própria segurança nem com a dos demais. Sobretudo, é incapaz de sentir remorso: rouba, fere e mente sem o menor constrangimento.

 

Apesar da semelhança entre TPA e psicopatia, o que faz com que seja comum a confusão entre os dois termos, existem diferenças entre eles. O psicopata, além de apresentar todos os sintomas de alguém diagnosticado com TPA, demonstra uma capacidade intrínseca de premeditar ações complexas sem levantar suspeitas. Pode seguir sua vida criminosa – não necessariamente criminosa –  sem que ninguém a sua volta perceba nada de errado, o que não corresponde ao perfil do TPA, descrito também como impulsivo e incapaz de planejar ações de longo prazo.

 

DESENVOLVENDO A MENTE, COMPREENDENDO A PSICOPATIA

 

É interessante notar que todo ser humano observa a mesma realidade, porém, cada um tem uma opinião sobre algo, gerando pontos de vista divergentes. Há uma frase que interpreta isso de uma maneira direta: “Qualquer conhecimento a respeito da realidade externa é uma criação interna”. Podemos concluir que apesar de todos observarmos a mesma realidade externa, cada ser humano possui uma realidade interna diferente (que fique claro que estas alegações devem ser interpretadas ao limite do contexto deste texto, e não como posições filosóficas gerais a serem tomadas) – acredito que as emoções e experiências tenham um papel importante no molde e na interpretação desta realidade.

 

Existem múltiplas formas de analisar a veracidade do que foi dito acima. Uma forma mais densa de começar a pensar sobre isso é correlacionar a transtornos mentais. Cito como exemplo a depressão, eu poderia citar até mesmo a psicopatia, mas vamos deixar isso mais para frente, o presente objetivo é abrir a sua linha de raciocínio.

 

Karla Homolka, serial killer canadense da década de 70.

 

Na depressão o indivíduo fica “desregulado” quanto interpretação da realidade externa, e, muitas vezes, interna, embora observe a mesma realidade do que um indivíduo mentalmente saudável. Mesmo com todas as estruturas anatômicas cerebrais disponíveis e em perfeito estado (sem lesão), conclui-se que o sujeito está perdido nos trilhos quanto a uma interpretação da realidade.

 

O que nos diferencia de outros animais é o fato de o nosso cérebro ser mais desenvolvido e extremamente complexo. Nós temos algo em especial, que chamamos de consciência. Um exemplo dessa complexidade são as diferentes estruturas cerebrais que compartilham a mesma função.

 

Os psicopatas não são “doidos”, eles têm plena consciência do que fazem e das consequências de seus atos – é importante não confundir psicopatas com psicóticos. São verdadeiros predadores sociais, capazes de atropelar tudo e todos com total egocentrismo, visando apenas o próprio benefício. Muitos passam algum tempo na prisão, porém, a grande maioria deles sequer esteve em uma delegacia. Alguns são capazes de cortar a garganta de alguém só para ver se a faca está afiada.

 

Do ponto de vista psiquiátrico e psicológico, esses indivíduos não se enquadrariam como doentes mentais, como é o caso de uma pessoa portadora de esquizofrenia – como foi salientado anteriormente –, porém apresentam um mau funcionamento da sua personalidade no tocante ao caráter que envolve os traços moldados ao longo do desenvolvimento, resultantes das experiências de aprendizagem propiciadas por diferentes influências ambientais. Para esses casos, ainda não se tem uma causa específica nem um tratamento adequado. Esses indivíduos estão classificados como portadores de TPA (transtorno de personalidade antissocial) ou psicopatas.

 

As pessoas fazem um mau uso do termo psicopata, o que faz com que seja necessário elucidar que, em sua grande maioria, não são assassinos e vivem como se fossem pessoas comuns, em casos extremos os psicopatas matam a sangue frio. Um psicopata pode cometer suas maldades por puro prazer e diversão, sem vestígios de arrependimento. De acordo com Hare (1999), psicopatia e criminalidade são categorias sobrepostas, mas não equivalentes. O público leigo costuma achar que a maioria dos criminosos é psicopata e vice-versa – inclusive atrelá-los a todo serial killer.

 

Agora que definimos superficialmente o que é um psicopata, podemos nos aprofundar, de forma considerável, no fenômeno da dissociação. Antes de abordar diretamente a dissociação e também a manipulação de forma mais técnica, irei dispor aqui o relato de John Douglas (2017), o qual é extremamente experiente sobre o assunto.

 

E assim como Arthur Shawcross, Monte Rissel também estava em liberdade condicional quando cometeu seus assassinatos. E, assim como Ed Kemper (todos os nomes citados são de serial killers reais), conseguiu convencer um psiquiatra de que estava progredindo muito bem, quando, na verdade, estava matando humanos. É meio que uma versão doentia da velha piada sobre quantos psiquiatras são necessários para se trocar uma lâmpada. A resposta é: apenas um, desde que a lâmpada queira ser trocada. Psiquiatras e profissionais que tratam de saúde mental estão acostumados a lidar com um relato de autoavaliação dado pelo sujeito no acompanhamento de seu processo, e a ideia parte do princípio de que o paciente deseja “melhorar”.

 

Um assassino ou estuprador em série (psicopata) é, por natureza, manipulador, narcisista, e completamente egocêntrico. Ele relatará a um oficial de condicional ou a um psiquiatra prisional qualquer coisa que ele queira ouvir e o que for necessário para que seja solto e possa continuar nas ruas.

 

Aileen Wuornos, primeira mulher considerada assassina em série.

 

Como um homem desse poderia fazer algo tão terrível? Deve haver algum engano ou agravante. É isso que você dirá a si mesmo caso converse com alguns deles; não há como compreender inteiramente a enormidade dos crimes que eles cometeram. E é por isso que tantos psiquiatras, juízes e oficiais de condicional são ludibriados.

 

Em muitas das primeiras entrevistas que John Douglas realizou, depois de ter ouvido a história de um detento, hesitava em se virar para o seu parceiro e dizer: “Será que ele foi incriminado falsamente? Ele tinha uma boa resposta para tudo. Será que realmente prenderam o cara certo?”.

 

ESCLARECENDO A DISSOCIAÇÃO

 

Nos parágrafos anteriores foram relatados de forma breve, mas baseado em fatos reais, a manipulação, e principalmente, o elevado grau de dissociabilidade que esses indivíduos podem apresentar (DOUGLAS & OLSHAKER, 2017). Agora temos informações suficientes para tratar do fenômeno da dissociação com mais profundidade.

 

É difícil imaginar como a dissociação não seria um frequente concomitante da personalidade psicopática (Mcwilliams, 2014). Uma característica dos psicopatas a qual os marca de forma árdua é a habilidade de manipulação inata (facilidade de aprender tal habilidade) que estes indivíduos possuem. Quanto as defesas dissociativas de um psicopata, são quase sempre percebidas, entretanto, difíceis de avaliar em situações específicas

 

Segundo McWilliams (2014), o fenômeno da dissociação abrange desde situações em que o papel da pessoa em algum erro é minimizado até a completa amnésia de um crime violento. O repúdio de uma responsabilidade própria, que pode ter uma qualidade dissociativa, é um indicador diagnóstico importante da psicopatia; o agressor que explica que teve “uma pequena desavença” com sua amante e que ele “acha que perdeu a cabeça” ou o trapaceiro que parece arrependido e alega ter feito um “mau julgamento do contexto” são exemplos do uso da minimização.

 

Pedro Rodrigues Filho, vulgo “Pedrinho matador”, é um assassino em série brasileiro.

 

Entrevistadores que se deparam com isso devem pedir informações mais específicas: “O que exatamente você fez quando perdeu a cabeça?” ou “o que você exatamente julgou errado?”. Quase sempre a resposta à segunda pergunta demonstra uma lástima por ter sido pego, mas não um remorso por ser trapaceado. Atentando-se às entrevistas realizadas por psicólogos e psiquiatras com indivíduos antissociais ou psicopatas (Casoy, 2017), reparará que sempre usufruem dessa “técnica”.

 

Quando uma pessoa psicopata alega ter estado emocionalmente dissociada ou em estado de amnésia durante alguma experiência, sobretudo ao cometer um crime, é difícil dizer se a experiência foi de fato dissociação ou se suas palavras sobre isso constituem uma evasão manipulatória da responsabilidade (MCWILLIAMS, 2014). Pode-se observar em muitos casos de criminosos psicopatas que, ao serem descobertos por seus crimes, tentam conseguir imputabilidade – um assunto que gera muita polemica devido, na maioria das vezes, às discordâncias que o mesmo resulta. Insanidade, muita das vezes alegada em tribunais para a tentativa de absolvição do assassino, não é um conceito de saúde mental, como muitos acreditam. Seu conceito legal se refere à habilidade do indivíduo de saber se suas ações são certas ou erradas no momento em que estão ocorrendo (CASOY, 2017).

 

Vale lembrar que a dissociação em si não é anormal. Todos nós temos um comportamento social mais “controlado” do que aquele que temos com nossos familiares mais íntimos. Quando nos referimos aos psicopatas, a dissociação de sua realidade e fantasia é absurda. De acordo com Casoy (2017), muitos têm esposa, filhos e um emprego normal, mas são perturbados ao extremo. O real e violento comportamento do agressor é suprimido socialmente, o que pode soar como amnésia temporária ou segunda personalidade, mas não é o caso.

 

Para reforçar o que foi dito em relação ao discernimento entre o certo e errado, tomaremos como exemplo o comportamento de alguns psicopatas criminosos, citarei o caso de Lawson – o qual apresenta um pouco de complexidade –, um esquizofrênico que cometia seus crimes com sua dupla James Odom, os quais, muitas das vezes, quando notavam que não seriam capazes de realizar um rapto bem-sucedido sem que houvesse resistência ou pelo menos testemunhas, desistiam; iam embora sem cometer o crime que desejavam. Lawson por ser esquizofrênico tinha um argumento muito forte para uma defesa por insanidade mental. Ainda assim, quando as circunstâncias não favoreciam o sucesso do crime, eles desistiam de cometê-lo. Nenhum dos dois sentia uma compulsão tão grande a ponto de ser compelido a cometer o ato.

 

Na opinião de John Douglas (2017), um experiente “caçador” de serial killers, a simples existência de um distúrbio mental não exime um criminoso de culpa. A não ser que ele esteja completamente delirante e não compreenda suas ações no mundo real, ele escolhe machucar ou não outra pessoa. E os “malucos” de verdade são fáceis de capturar. Assassinos em série, não.

 

AS EMOÇÕES DO PSICOPATA

 

O comportamento desprezível é resultado de uma escolha exercida de forma livre e sem nenhuma culpa (Silva, 2014), mediado por carência de emoções e consequentemente desprovimento de empatia. Para eles tanto faz ferir, maltratar ou até matar alguém que atrevesse o seu caminho ou os seus interesses, mesmo que esse alguém faça parte de seu convívio íntimo.

 

Uma questão um tanto quanto curiosa: os psicopatas possuem uma ansiedade imperceptível (já que a veem como uma fraqueza) ou são isentos da mesma?  Até o ponto que podemos investigar empiricamente, os que julgam os psicopatas como isentos de ansiedade parecem mais acurados, ao menos com relação a verdadeiros psicopatas.

 

O dr. Christopher Patrick, em um artigo de 1995, “Psychopaths: findings point to brain diferences”, alegou que psicopatas têm menor taxa de mudanças cardíacas e de condução elétrica na pele como reação ao medo – veremos o porquê com detalhes no próximo artigo. Eles demonstraram a mesma reação diante de uma palavra como “estupro” e de outra como “mesa” (apud INTRATOR et al., 1997), praticamente são isentos da reação de espanto.

 

Ao analisar os níveis de ansiedade e medo de um verdadeiro psicopata, o resultado que obtemos é simplesmente surreal, longe da realidade de qualquer ser humano que julgamos mentalmente saudável. Tente imaginar uma “interpretação da realidade externa” em que as emoções tenham, de forma acentuada, um menor impacto; as respostas seriam de maior intelecto e mais calculadas, frias, de maneira mais racional – e como já salientamos, visando apenas a si mesmo.

 

José Augusto do Amaral, conhecido como “Preto amaral”, foi considerado o primeiro assassino em série brasileiro.

 

O dr. Robert Hare, em um estudo semelhante, “Psychopathy: a clinical constructo whose times has come”, chegou a uma conclusão semelhante, percebeu que as ondas cerebrais monitoradas de psicopatas reagiam à linguagem verbal, mostrando palavras agradáveis e desagradáveis. Porém, para as pessoas saudáveis, as ondas cerebrais têm sua atividade modificada rapidamente, dependendo da palavra ouvida. Para os psicopatas, nenhuma atividade cerebral especial foi registrada, ou seja, todas as palavras são neutras para essas pessoas.

 

Grande parte da vida humana gira em torno das emoções, o que torna essencial entende-las para compreender nossa condição. Na maioria das vezes a emoção é o que inspira a expressão artística, desde a poesia, passando pelo cinema, até a pintura. De fato, uma razão pela qual muitas pessoas apreciam a arte é que ela evoca emoções. O interessante é que, ainda que saibamos o que são essas emoções, definir seu conceito é bastante difícil, pois elas não são tangíveis, e sim, subjetivas. Contudo, é muito mais fácil identificar como as emoções são expressas que dizer exatamente o que são. Em certo sentido, os sentimentos são significados que o encéfalo cria para representar os fenômenos fisiológicos gerados pelo estado emocional.

 

A autora Ana Beatriz Barbosa Silva (2014), em seu livro “Mentes Perigosas”, escreveu uma frase que explica os psicopatas através de uma metáfora: “Concordo plenamente quando alguns autores dizem, de forma metafórica, que os psicopatas entendem a letra de uma canção, mas são incapazes de compreender a melodia”.

 

Constata-se através da metáfora que os psicopatas são desprovidos de certas emoções, eles aprendem a fingir que as têm. Possuem uma capacidade impressionante de manipular o próximo. O psicopata não se apaixona, não sente o amor, ele manipula o indivíduo e o usa. Mesmo se conscientes delas, pessoas antissociais não conseguem reconhecer emoções comuns – como a ansiedade, porque as associam com fraqueza e vulnerabilidade.

 

Existe também uma fala do personagem do seriado “Dexter” que retrata a capacidade de um psicopata de fingir e manipular sentimentos: “Meu nome é Dexter Morgan. Eu não sei o que fez eu me tornar o que sou, mas seja lá o que for, deixou um vazio dentro de mim. As pessoas fingem muitas interações humanas, mas eu finjo todas elas e finjo muito bem”. Apesar de ser ficção, encaixa-se muito bem na realidade.

 

Você provavelmente já ouviu falar do termo sociopata, e se pergunta a diferença entre o mesmo e o psicopata. Os dois termos são sinônimos para um tipo específico de transtorno de personalidade, o TPA (transtorno de personalidade antissocial), de fato, os dois termos se referem ao mesmo indivíduo (SILVA, 2014). O que se difere neste caso é o ponto de vista de quem “apelida”; o termo sociopata é referente a fatores sociais desfavoráveis capazes de causar o problema, já o “psicopata” refere-se a fatores genéticos, biológicos e psicológicos estarem envolvidos na origem do transtorno. Sociopata e psicopata são nomenclaturas utilizadas na psiquiatria forense. Na psiquiatria “geral” utiliza-se apenas TPA, devido ao termo psicopatia não ser reconhecido no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).

 

É impossível estudar sobre psicopatas e não ler alguma obra de Robert Hare, um psicólogo especialista em psicologia criminal e psicopatia. Dentre as suas diversas obras sobre psicopatia, logo encontrei-me com o livro “Sem Consciência”. Existe um texto de Hare que possui uma colocação muito boa quanto as emoções dos psicopatas:

 

Um psicopata ama alguém da mesma forma como eu, digamos, amo meu carro – e não da forma como eu amo minha mulher. Usa o termo amor, mas não o sente da maneira como nós entendemos. Em geral, é um sentimento de posse, de propriedade. Se você perguntar a um psicopata por que ele ama certa mulher, ele lhe dará respostas muito concretas, tais como “porque ela é bonita”, “porque o sexo é ótimo” ou “porque ela está sempre lá quando preciso”. As emoções estão para o psicopata assim como está o vermelho para o daltônico. Ele simplesmente não consegue vivenciá-las.

 

Antônio de Pádua Serafim, um psicólogo clínico e forense, transcreveu um texto interessante nos anexos do livro “Made in Brazil”, da autora Ilana Casoy. No texto, Serafim ressalta que dentre os crimes contra a pessoa, o homicídio, sem sombras de dúvidas apresenta-se como de maior gravidade e impacto perante a opinião pública. Diariamente, na imprensa, é notificada a ocorrência de prática de homicídios em diferentes contextos.

 

Em alguns casos, questionamentos quanto ao que leva uma pessoa a praticar tamanha crueldade se apresentam em meio à indignação, à revolta e ao sofrimento. A tentativa de compreender o que leva uma pessoa a agredir outra mortalmente com sinais de brutalidade, crueldade e frieza mobiliza não somente a população em geral, mas também especialistas das áreas da medicina, da psicologia e do direito.

 

Edmund Kemper, serial killer e necrófilo americano.

 

É enorme o sofrimento social, econômico e pessoal causado por algumas pessoas cujas atitudes e cujo comportamento resultam menos das forças sociais do que de um senso inerente de autoridade e uma incapacidade para a conexão emocional em relação ao resto da humanidade. Para esses indivíduos (psicopatas), as regras sociais não são uma força limitante e a ideia de um bem comum é meramente uma abstração confusa e inconveniente.

O  funcionamento do cérebro – do psicopata – e também a genética.

 

O CÉREBRO DO PSICOPATA

 

O conhecimento acerca da etiopatogenia das condições mentais relacionado ao TPA ainda é insuficiente – por sinal muito escasso – para afirmarmos que é uma doença, daí a necessidade de criar um outro termo para designar essas condições, tanto o DSM-V quanto o CID-10 adotam o termo “transtorno mental” invés de “doença”. Sem dúvida, com o avanço do conhecimento neurobiológico, é possível que o que hoje denominamos “transtornos”, poderá, amanhã, ser chamado de “doenças” (LENT et al., 2008). Contudo, iremos fazer uma viagem através dos achados e hipóteses que correlacionam esse transtorno ao funcionamento cerebral, utilizando as pesquisas e artigos mais atualizados como base, visando trazer à tona tudo o que sabemos sobre a neurobiologia dos portadores de TPA e até mesmo o quanto a genética influência na formação do mesmo.

 

Deixo claro aqui que, apesar de no decorrer do artigo determinadas regiões do cérebro serem correlacionadas à tal função – estarei descrevendo de maneira a evitar confusões, apenas para fins didáticos –, regiões encefálicas específicas não são responsáveis por faculdades mentais específicas, mas são unidades elementares de processamento.

 

No cérebro humano há uma estrutura denominada sistema límbico – alguns a chamam de cérebro límbico, logo veremos alguns dos arranjos que compõem este sistema –  e a mesma encontra-se envolvida nos processos emocionais e motivacionais. A palavra “límbico” vem da mesma palavra latina que nos deu “limbo”, algo como “margem” ou “beira”, e esse sistema realmente serve (metaforicamente) como uma transição entre as regiões superior e inferior do cérebro. Como disse um neurocientista, “como o limbo da mitologia cristã, o sistema límbico é o elo entre o céu cortical e o inferno reptiliano” (KEAN, 2008).

 

Quando um ser humano sofre uma lesão nessa área, perde-se o controle sobre suas emoções primárias, como o medo e a raiva. De acordo com J. Reid Meloy (um psicólogo forense), co-autor de mais de 220 artigos científicos em diversas revistas forenses psiquiátricas, a falta de emoções do psicopata e sua observação predatória podem ser comparadas à frieza dos répteis, que não têm a parte límbica do cérebro, na qual residem as memórias, as emoções, a capacidade de socialização e os instintos paternos.

 

Um artigo publicado no Journal of Neuroscience em 30 de novembro de 2011, mostrou que a analogia de Meloy sobre os psicopatas tinha lógica, mas não exatamente como propunha – ou seja, não ao pé da letra. O estudo comparou o cérebro de 20 presos com diagnóstico de psicopatia com os cérebros de 20 outros presos que cometeram crimes semelhantes, mas não foram diagnosticados com psicopatia. Para determinar a psicopatia e o grau da mesma foi utilizado o método Psychopathy Checklist—revised (PCL-R) (HARE, 2003).

 

Antes de apresentar as alterações que foram identificadas entre os supostos psicopatas e o grupo controle – criminosos “comuns” –, é importante que se tenha uma breve compreensão do que é o método PCL-R. Este método foi originalmente concebido para avaliar pessoas acusadas ou condenadas por crimes. O PCL-R é composto por um questionário de vinte quesitos que permitem avaliadores qualificados (profissionais) examinarem um indivíduo e aferir o grau de psicopatia com base em um psicopata “protótipo” – por isso provavelmente você não deveria acreditar nesses maravilhosos e diversificados testes de internet com o intuito de “descubra se você é um psicopata”. Dentre os vinte quesitos encontram-se: Sentimentos afetivos superficiais; Astúcia e manipulação; Necessidade de estimulação; Mentira patológica; Impulsividade; Encantamento simplista e superficial e etc.

 

Ressalto que, no Brasil, a escala PCL-R, de autoria de Robert D. Hare, foi tema da tese de doutorado da psiquiatra Hilda Morana, defendido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. No trabalho, a autora buscou identificar o ponto de corte da versão brasileira, ou seja, a partir de que pontuação um sujeito pode ser considerado psicopata, tornando a escala apta para utilização em contexto nacional, sendo sua venda recentemente permitida pelo Conselho Federal de Psicologia (AMBIEL, 2006).

 

A autora defende em sua tese que, não é o tipo de crime que define a probabilidade de reincidência, e sim a personalidade de quem o comete. A ideia é que com essa adaptação do método para ser utilizado com maior eficácia em território nacional, possa-se “prever” a probabilidade de reincidência do criminoso. E de acordo com Ambiel (2006), estima-se que a reincidência criminal, no Brasil, esteja na casa dos 80%.

 

Voltando ao artigo do Journal of Neuroscience, foi detectado uma série de alterações neurobiológicas, entretanto, a que chamou mais atenção foi a conexão reduzida entre a área ventromedial do córtex pré-frontal (PFCvm) e a amígdala – um componente do sistema límbico, o qual foi mencionado no início do artigo. Antes de tirar conclusões sobre esta descoberta iremos analisar a função de cada uma dessas estruturas macroscópicas cerebrais.

 

A conectividade funcional entre à amígdala direita e o vmPFC anterior é reduzida nos psicopatas.

 

Embora lesões na maioria das áreas límbicas não apresentem os efeitos preditos pela teoria do sistema límbico sobre o comportamento emocional, uma área límbica mostrou consistentemente estar envolvida na emoção, a amígdala (HUDSPETH et al., 2014). De fato, a amígdala é muitas vezes chamada de o local do medo no cérebro. Isso é simplista – esses grupos de neurônios processam muitas emoções, inclusive emoções felizes –, pois esta atua também no processamento de recompensas, conectando tanto estímulos de recompensa quanto de punição. É importante enfatizar que, além do que veremos a seguir, danos na amígdala podem também resultar em uma alarmante falta de medo.

 

Além de controlar certos comportamentos específicos da espécie, a amígdala possui fundamental importância na formação das emoções (apud Davis, 1992). Em suma, é extremamente necessária para sobrevivência da espécie. Ela também influência as respostas autônomas e hormonais por meio de conexões com hipotálamo (região do cérebro que matem a homeostase e produz hormônios) – outro componente do sistema límbico –, além de influenciar nossa consciência de consequências positivas e negativas de eventos e objetos por suas conexões com o córtex pré-frontal (KOLB e WISHAW, 2001).

 

A docilidade e perda do medo após uma amigdalectomia – retirada cirúrgica da amígdala – são surpreendentes. Macacos que normalmente demonstram uma forte aversão a certos estímulos, como cobras, não demonstram mais medo. Na verdade, macacos que sofrem amigdalectomia podem pegar cobras vivas e coloca-las na boca – traço comportamental hoje chamado de hiperoralidade (KOLB e WISHAW, 2001). Existe uma doença denominada Urbach-Wiethe, um distúrbio raro que petrifica e mata células da amígdala, deixando dois “buracos negros” onde deveria encontrar-se a amígdala. Pacientes afetados por essa doença costumam não apresentar medo – como foi dito em um parágrafo anterior, o resultado de lesões nessa área também pode provocar esse tipo de comportamento, e não só hiperoralidade.

 

Além da amígdala, outras áreas encefálicas contribuem de forma importante para o processamento emocional. O córtex pré-frontal ventromedial – o qual mostrou conexão reduzida com a amígdala na pesquisa – é importante em estados emocionais complexos. Sentimentos complexos estão associados à interação social e vão de empatia – olha só, empatia, algo crucialmente escasso na psicopatia – e orgulho a embaraço e culpa (HUDSPETH et al., 2014).

 

Os mecanismos precisos pelos quais o vmPFC contribui para o processamento afetivo não são totalmente compreendidos (MOTZKIN el al., 2014), todavia, pacientes com lesões no vmPFC apresentam prejuízos nas emoções sociais, uma lesão em um único lado (lesão não bilateral) – segundo estudos sobre sociopatia adquirida (em breve veremos o que é isso), na maioria dos casos o esquerdo – é o suficiente para causar sintomas antissociais (HUDSPETH et al., 2014). Constata-se que, o córtex pré-frontal, especialmente no setor ventromedial, opera em paralelo com a amígdala.

 

Apesar de pacientes com essas lesões frontais não apresentarem alterações na frequência cardíaca ou no grau de sudorese nas palmas das mãos quando lhes são apresentados estímulos (fotografias) que normalmente causam emoções, eles ainda podem descrever as fotografias com perfeição – ou seja, metaforicamente falando, compreendem, mas não “sentem”. Indivíduos normais são igualmente eficientes na descrição das fotografias, mas apresentam respostas psicofisiológicas a elas.

 

Agora podemos entender o porquê quando Intrator e colaboradores (1999) – citado no primeiro artigo –  realizaram a pesquisa mostrando fotografias (ou palavras) relacionadas a “estupro” e “mesa”, os psicopatas apresentaram a mesma reação para as duas; isentos de resposta psicofisiológica.

 

Irei elucidar como esse tipo de pesquisa, citada no parágrafo anterior, analisa as respostas psicofisiológicas e tira-se conclusões sobre elas existirem ou não. Os cientistas colocam eletrodos na pele do indivíduo para que seja possível medir a sua resposta emocional a cada foto, e sabemos que, sempre que uma pessoa experimenta uma emoção, sua pele começa a suar muito ligeiramente, mesmo que ela não possa sentir a umidade. O suor contém íons de sal dissolvidos, que aumentam a condutividade elétrica da pele – e consequentemente, essa alteração é registrada e constata-se que houve uma resposta emocional.

 

O artigo Neurobiology of anti-social personality disorder (DEL-BEN, 2005), faz uma observação em relação à serotonina e o TPA, sugerindo que há uma ligação entre esse neurotransmissor e o transtorno. “Vários estudos também têm sugerido a ocorrência de anormalidades no funcionamento serotonérgico, especialmente no caso de criminosos violentos. A associação entre redução da função serotonérgica (5-HT) e comportamento agressivo e impulsivo tem sido demonstrada tanto em animais (apud Cherek e Lane, 1999) como em populações com diagnóstico de personalidade anti-social (apud Fairbanks et al., 2001; Dolan et al., 2001)”.

 

Ilustração da sinapse serotonérgica.

 

Em voluntários saudáveis, a depleção aguda de triptofano, um aminoácido proveniente da dieta e precursor de 5-HT, induziu aumento da velocidade de processos psicomotores, mas tornou a escolha do comportamento mais lenta (apud Rogers et al., 1999a). Os autores concluíram que a serotonina normalmente reduz a velocidade de processos psicomotores nos circuitos dorso-fronto/estriatal e que o prejuízo da função serotonérgica seria um dos mecanismos de resposta impulsiva (DEL-BEN, 2005).

 

De acordo com o que foi citado até agora, podemos concluir que, a conexão reduzida entre o PFCvm e a amígdala pode estar envolvida na fisiopatogenia do TPA; e que a redução da função serotonérgica, como estudos apontam, provavelmente está envolvida no comportamento impulsivo desses indivíduos. Para que a conclusão a respeito do ponto de vista anatômico – a conexão reduzida entre o PFCvm e a amígdala – dos estudos fique um pouco mais clara, farei menção a um caso de sociopatia adquirida, o qual foi muito importante para as neurociências.

 

SOCIOPATIA ADQUIRIDA, UMA BREVE HISTÓRIA

 

Agora sabe-se que o mal funcionamento do vmPFC e a amígdala são inerentes ao psicopata, e que claramente, em casos de psicopatas “verdadeiros” – levando em conta aquela leva disparidade que foi apresentada no primeiro artigo entre TPA’s e psicopatas –, essa diferença anatômica cerebral provavelmente é um ponto que deve ser levado em consideração. Porém ressalto aqui que, esses indivíduos (psicopatas) não sofreram lesões na amígdala ou no vmPFC, todavia, se um paciente apresenta lesões – em regiões encefálicas atualmente associadas ao TPA –, o resultado pode ser um comportamento semelhante à de indivíduos portadores de TPA; em especial, lesões que afetam o vmPFC, como veremos a seguir.

 

Um indivíduo que viveu a sua vida inteira bem, sem apresentar traços antissociais, poderia adquirir uma personalidade antissocial através de alguma forma, como por exemplo, uma lesão no vmPFC? Sim, isso é o que chamamos de “sociopatia adquirida”. A organização cerebral das funções executivas e os sintomas que refletem seu comprometimento em casos de lesões cerebrais estratégicas constituem um dos tópicos mais intricados da neurobiologia humana.

 

Lesões pré-frontais podem levar a uma forma de sociopatia adquirida (HUDSPETH et al., 2014). Pacientes com lesões no PFC demonstram claras mudanças no comportamento social, semelhantes ao comportamento de pacientes com personalidades “sociopáticas” ao longo do desenvolvimento. O mais curioso é: no PFC, o setor ventromedial apresenta particular importância, pois na maioria dos pacientes, gera prejuízos nas emoções sociais; não podem manter relações sociais estáveis, são propensos a violar convenções sociais e não conseguem manter independência financeira. Além de claro, ruptura de laços familiares e de amizades, devido ao comportamento impulsivo e instável.

 

À esquerda temos Gage, e à direita o molde em 3D feito por Damasio e sua equipe.

 

Como exemplo real para a sociopatia adquirida, podemos mencionar o famoso caso de Phineas Gage, um jovem supervisor de construção de ferrovias da Rutland e Burland Railroad, em Vermont, EUA. Em 1848 de setembro, enquanto estava preparando uma carga de pólvora para explodir uma pedra, ele socou uma barra de aço inadvertidamente no buraco. A explosão resultante projetou a barra, com 2.5 cm de diâmetro e mais de um metro de comprimento contra o seu crânio, a alta velocidade. A barra transpassou seu cérebro, entrando pela face esquerda, abaixo da órbita, e saindo pelo topo da cabeça.

 

No caso de Gage, houve algo que abalou a maioria dos neurocientistas que foram elucidados do caso; o mesmo não perdeu a consciência em momento algum, nem antes do acidente e nem depois. Permaneceu completamente desperto o tempo todo, no século XIX cientistas chegaram a duvidar da veracidade em detrimento a isso. Porém, de acordo com Kean (2008), sabemos a resposta aproximada com relação a Gage: o fino ferro de calcar deve ter margeado todas as regiões que ajudam a produzir a consciência, ou teria havido apagões. Há relatos semelhantes, todavia, mais modernos, em que os pacientes também permaneceram conscientes todo o tempo.

 

Mais tarde, Hanna e Antônio Damasio da Universidade de Iowa, utilizaram computação gráfica e técnicas de tomografia cerebral para calcular a provável trajetória da barra de aço pelo cérebro de Gage, e publicaram os resultados na Science, em 1994. Eles descobriram que a maior parte do dano deve ter sido feito à região ventromedial dos lobos frontais em ambos os lados. A parte dos lobos frontais responsável pela fala e funções motores foi aparentemente poupada.

 

Antes do acidente, Gage era uma pessoa equilibrada, meticulosa e persistente quanto aos seus objetivos. Depois que a barra atingiu o seu PFCvm, tornou-se outra pessoa; impaciente, impulsivo, agressivo, incapaz de adequar-se às normais sociais e de planejar o futuro. Então, desde o famoso caso de Phineas Gage, lesões do lobo frontal têm sido associadas ao desenvolvimento de comportamento anti-social impulsivo.

 

Concluíram que as mudanças no comportamento social observado em Phineas Gage provavelmente foram devido a esta lesão – no PFCvm –, porque os Damasios observaram o mesmo tipo de mudança em outros pacientes com lesões semelhantes, causando déficits característicos nos processos de decisão racional e de controle da emoção.

 

No livro “O Duelo dos Neurocirurgiões”, o autor – Sam Kean, jornalista dedicado à divulgação científica – apresenta o seguinte relato sobre o caso Gage:

Até aquele exemplo pragmático de uma vida que se desagrega em consequência de uma lesão cerebral, Phineas Gage, talvez tenha se recuperado mais do que qualquer cientista teria esperado. O cérebro de ninguém passa pela vida ileso. Mas o importante em relação ao cérebro é que, apesar do que muda, muita coisa permanece intacta. A despeito de todas as diferenças entre as mentes de diferentes pessoas, isso é algo que todos nós compartilhamos. Depois de seu acidente, amigos e familiares juraram que Phineas Gage não era mais Phineas Gage. Bem, ele era e não era. E ele era todos nós também.

 

Atualmente, uma descoberta relacionada a sociopatia adquirida deve ser, aqui, elucidada: agora sabemos que nesses casos existe uma resposta considerável – na maioria das vezes o suficiente para afastar o paciente de acidentes e brigas – à farmacoterapia.

 

GENÉTICA DO TPA

 

De acordo com Vasconcellos et al. (2017), a psicopatia pode ser entendida como um transtorno cujas origens remetem a eventos neurobiológicos e psicossociais relativos ao desenvolvimento da personalidade. Isso significa dizer que as diferentes estruturas cerebrais verificadas como alteradas em psicopatas adultos revelam-se, no que se refere à suas regularidades funcionais, passíveis de manutenção ou modificação, conforme o próprio ambiente no qual o indivíduo se desenvolve (PEREZ, 2012). O considerável desenvolvimento volumétrico da amígdala cerebral até cerca de oito ou nove anos de idade, bem como o acréscimo de substância cinzenta que essa estrutura pode comportar em anos subsequentes (UEMATSU ET AL., 2012), sugerem que fatores genéticos e ambientais podem interagir para a consolidação do transtorno na idade adulta (FALLON, 2006).

 

Nos TP, os genes não podem ser considerados responsáveis pelo transtorno, mas, sim, pela predisposição. Consequentemente, é fundamental se considerar o ambiente em que vive o indivíduo e a interação com ele estabelecida. Sabe-se pouco a respeito das causas do TPA, mas seria ingenuidade negligenciar a influência de fatores psicossociais no desenvolvimento de comportamento anti-social. A ocorrência de eventos estressores nos primeiros anos de vida, como conflitos entre os pais, abuso físico ou sexual e institucionalização, tem sido associada ao TPA (O’Connell, 1998; Cadoret, 1991).

 

De acordo com (HUDSPETH et al., 2014), embora os genes especifiquem o desenvolvimento e as propriedades inicias do sistema nervoso, a experiência de um indivíduo e a atividade resultante em circuitos neurais específicos podem, por si só, alterar a expressão de genes. Desse modo, influências ambientais são incorporadas na estrutura e na função dos circuitos neurais. O objetivo da genética é descobrir o modo pelo qual os genes individuais afetam um processo biológico, as formas como redes de genes afetam a atividade umas das outras e como os genes interagem com o ambiente.

 

Um experimento do pesquisador canadense Ian Weaver e colaboradores mostrou que ratos recém-nascidos que recebem mais lambeduras e cuidado maternal foram menos sensíveis ao estresse na fase adulta, o que pode fornecer um paradigma interessante para estudos em humanos portadores de transtornos como estresse pós-traumático e depressão (LENT et al., 2008). Ainda não temos um estudo que ligue, de fato, os resultados obtidos por Weaver a portadores de TPA, entretanto, vale ressaltar que, dentre os indivíduos que entrevistam prisioneiros em pesquisas, muitos admitem a possibilidade de que o cuidado materno – entre outros relacionados – influencie na personalidade.

 

Uns poucos genes específicos encontram-se associados a comportamentos humanos. As características do comportamento humano são multigênicas em sua origem, apenas raramente alterações genéticas em um único gene explicarão completamente uma doença psiquiátrica ou um comportamento em seres humanos.

 

Apesar de extremamente complexo, segue-se estudando genes de animais mais simples, em que o genoma e o ambiente podem ser controlados com rigidez. Um exemplo interessante do sucesso advindo deste método de abordagem é a descoberta do gene per, na mosca-da-fruta, que levou à compreensão da síndrome do sono avançado em humanos. A biologia humana é uma constante fonte de surpresas.

 

O encéfalo expressa um número maior de genes que qualquer outro órgão do corpo. Os neurobiologistas tentam delinear o papel de genes individuais em neurônios e circuitos (HUDSPETH et al., 2014). Com esse estudo, será possível ter uma compreensão melhor acerca dos mecanismos para as doenças psiquiátricas e das influências genéticas nas características psicológicas, fisiológicas e cognitivas normais.

 

Segundo dados do DSM-V:

Estudos sobre adoção indicam que fatores genéticos e ambientais contribuem para o risco de desenvolvimento do transtorno da personalidade antissocial. Tanto filhos adotivos quanto biológicos de pais com o transtorno têm risco aumentado de desenvolver transtorno da personalidade antissocial, transtorno de sintomas somáticos e transtornos por uso de substância. Crianças que conviveram algum tempo com os pais biológicos e depois foram encaminhadas para adoção assemelham-se mais aos pais biológicos do que aos adotivos, embora o ambiente da família adotiva influencie o risco de desenvolvimento de um transtorno da personalidade e psicopatologia relacionada.

Há os serial killers que possuem um cromossomo Y a mais (masculino, ou seja, XYY), um deles alegou tal fato em sua defesa, como se esse fator explicasse sua extrema violência. Apesar de parecer uma explicação até lógica, não existem evidências científicas que comprovem essa hipótese. Além disso, a relação entre masculinidade e crime já tentou ser explicada também pelo hormônio masculino testosterona, já que uma taxa elevada de testosterona combinada com baixos níveis de serotonina – a qual comentamos no início do artigo –  pode causar resultados letais. O artigo “High testosterone, low serotonine: doube problem?” do dr. Paul Bernhardt, mostrou que, quando o equilíbrio entre testosterona e serotonina não existe, a frustração pode levar à agressividade e a comportamentos sádicos (CASOY, 2017).