. o adulto continua a agir como a criança, ou melhor, não age e nem reage, mas se cala como a criança que permanece sozinha com o sofrimento gerado pelo abuso, e continua submetendo-se muitas vezes a profissionais, da mesma forma que era obrigada a se submeter aos seus pais. Ou ainda, continua submetendo-se a relacionamentos destrutivos"
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O medo de sentir a dor, “aparentemente” diluída pelo tempo, faz com que adultos que sofreram algum tipo de abuso quando crianças, continuem reprimindo, negando e ignorando seus sentimentos, não só os dos primeiros anos, como também tendem a reprimir tudo o que sentem no presente.
É compreensível não queremos mais se sentir como aquela criança pequena e indefesa que fomos um dia, mas talvez não saibamos que podemos estar repetindo, ainda que sem perceber, os mesmos abusos, talvez de outra forma, mas sentindo-se exatamente igual àquela criança.
Pedagogia negra e mentira
O medo de sentir leva ao medo de falar, ao silêncio de tudo que se viveu, perpetuando assim uma dor que não para de doer, apenas se expressa muitas vezes de outra forma. Isso acontece principalmente quando a criança foi vítima da mentalidade mentirosa, chamada pela psicóloga Alice Miller de pedagogia negra: “Educação que visa dobrar a vontade da criança, transformando-a num ser submisso e obediente por meio do emprego explícito ou velado do poder, da manipulação e da repressão”.
Muitas vezes é muito difícil para um adulto se lembrar ou admitir, até para si mesmo, que foi vítima de algum tipo de abuso, principalmente se não tem com quem partilhar suas dores e obter a compreensão e a validação de suas lembranças silenciadas por tantos anos. Relembrar tanta dor e enfrentar sozinho tudo que viveu torna-se insuportável, parece melhor manter tudo escondido, como se não tivesse vivido nada do que viveu. Essa negação do sofrimento e humilhação sofrida pela criança é necessária para sua sobrevivência quando criança. Porém, se mais tarde o adulto continua negando tudo que sofreu, pode levá-lo à cegueira emocional e as repetições de padrões nos relacionamentos afetivos, ainda que queira tanto esquecer.
A criança não quer ser rejeitada, humilhada, agredida, e por isso submete-se, esperando, muitas vezes em vão, ser aceita, compreendida e amada. Mas parece que esquecemos que nosso corpo armazena todas as informações sobre as experiências da nossa vida, e quando conseguimos interpretar os sintomas físicos, relacionando-os com a dor original e os sentimentos gerados, muitos sintomas regridem como um milagre. Muitas dores corporais só cedem quando se consegue confrontar-se com toda a verdade vivida e reprimida.
Muitos profissionais (médicos e até psicólogos) evitam falar da infância de seus pacientes, pois não conseguem lidar nem com suas próprias emoções, e por medo de reviverem os traumas da própria infância, raramente acessam ou buscam a dor original de seus pacientes. E infelizmente, os sintomas também são silenciados com remédios, sem a busca preciosa de suas origens. Está cada vez mais comprovado que o estado de saúde melhora quando a pessoa tem a possibilidade de partilhar suas vivências dolorosas a alguém que tem interesse, compreensão e conhecimento das consequências dos maus tratos sofridos pela criança, levando a sério, sem subestimar suas dores, o que Alice Miller chama de “testemunha conhecedora”.
Acontece que o adulto continua a agir como a criança, ou melhor, não age e nem reage, mas se cala como a criança que permanece sozinha com o sofrimento gerado pelo abuso, e continua submetendo-se muitas vezes a profissionais, da mesma forma que era obrigada a se submeter aos seus pais. Ou ainda, continua submetendo-se a relacionamentos destrutivos, onde não há respeito e sequer amor, seja na área afetiva e até profissional.
Infelizmente nem todos têm conhecimento ou coragem para relacionar suas dores e/ou sintomas físicos com suas dores emocionais reprimidas em suas mentes. Continuam a acreditar que foram culpados, ou que devem “esquecer” o que, ou quem, tanto os machucou. Confrontar a verdade pode sim ajudar todos que foram vítimas de algum tipo de abuso a libertarem-se de suas dores, mas para isso é importante falar, buscar ajuda, deixar sair aquilo que um dia tanto doeu e que continua a doer.
O processo pode levar algum tempo, mas com certeza é melhor do que viver em silêncio, por um dia ter aprendido lá na sua infância que esse era o melhor caminho, perpetuando um segredo que passa a ser escondido até de você mesmo.
Não se consegue educar uma criança para o amor com surras, ameaças e castigos. Nada disso pode tornar uma criança capaz de amar. Uma criança que só ouve sermões, só aprende a fazer sermões, e uma criança surrada, só aprende a surrar”
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Durante muito tempo pais e educadores recomendavam a repressão dos sentimentos da criança. Ou seja: “não chore, não sinta, e se sentir, não fale”.
Pensava-se que mesmo uma criança vítima de abuso sexual não sofreria nenhum dano, a não ser que se falasse sobre o acontecido com ela e o silêncio era a norma. Como se o fato de não falar fosse sinônimo de não sentir. O que sabemos que não é verdade.
Mesmo quando uma criança é impedida de falar, seja por ameaças, medo, vergonha, ainda assim tudo fica registrado, podendo comprometer suas futuras escolhas.
Quantos adultos silenciam suas dores até hoje?
Quantos adultos continuam com medo de falar sobre os abusos que sofreram?
Quantos adultos têm suas vidas comprometidas por um passado de dor?
Quantos adultos não conseguem ter vida sexual pelos abusos sofridos?
Mas a dor não para de gritar, continua latejando dentro de cada um, se fazendo muito presente, independente do tempo que passou.
Ainda hoje encontramos pessoas que continuam escondendo de si mesmas aquilo que viveram nos primeiros anos de vida. Guardam seus segredos, e repetem aquilo que aprenderam tão cedo: não expresse, não fale, não confie. É muito difícil para uma criança buscar ajuda com um parente, vizinho, ou alguém em quem confie, pois aprenderam logo cedo que não devem confiar. Mais difícil ainda é denunciar seus pais, mesmo que sofra algum tipo de abuso, seja psicológico, físico ou sexual, pois além das ameaças que sofre, ela tem muito medo de ser considerada culpada ou não acreditarem nela. Por mais absurdo que isso pareça ser, acontece muito.
Muitas pessoas não sabem que o período da infância é decisivo para o desenvolvimento emocional e que podemos inconscientemente recriar as experiências traumáticas da infância quando adultos. Sim, muitos adultos que abusam de crianças foram crianças que também sofreram algum tipo de abuso. Muitos pais agressivos foram vítimas de pais também agressivos. Sim, muitas doenças são causadas pela repressão dos sentimentos. Muitos adultos não conseguem confiar em outra pessoa, porque não puderam confiar naqueles que deviam, acima de tudo, lhes respeitar e amar quando eram crianças. Ou seja, continuamos repetindo aquilo que tanto queremos esquecer.
Imagine que a criança vivencia seus sentimentos com muito mais intensidade que os adultos. Por exemplo, uma criança que sente raiva pelo abuso que sofre, quanto mais sua raiva for reprimida, mais ela se intensifica, podendo ser expressa em qualquer momento, e até contra ela mesma, adoecendo. O ódio e a raiva de uma criança podem ser reações às experiências traumáticas que teve e por não saber como lidar e nem ter com quem desabafar, podem ser expressas aparentemente de modo desproporcional.
A psicóloga Alice Miller diz: “Não se consegue educar uma criança para o amor com surras, ameaças e castigos. Nada disso pode tornar uma criança capaz de amar. Uma criança que só ouve sermões, só aprende a fazer sermões, e uma criança surrada, só aprende a surrar”.
A criança busca o amor dos adultos porque não pode viver sem ele, e responde a todas as demandas no limite das suas possibilidades. Para que possa assim manter sua sobrevivência, idealiza sempre que seus pais irão aceitá-la, amá-la, e por isso muitas vezes se cala. Toda criança precisa e tem o direito por respeito, atenção, carinho, afeto, compreensão e amor.
Se você foi vítima de algum tipo de abuso, busque ajuda profissional, pois dificilmente se consegue suportar sozinho traumas reprimidos. Sim, é importante encontrar um profissional que tenha a consciência e a sensibilidade que ele pode ser a primeira pessoa na vida do paciente que ele conta sobre seu abuso e que espera acima de tudo poder confiar. Portanto, o profissional que trabalha com abuso infantil não deve culpar, julgar ou alienar o paciente, mas que esteja disposto para juntos descobrirem fatos “desconhecidos” sobre sua vida, tendo como propósito encontrar a verdade da realidade da infância. Digo isso porque há profissionais que por não saberem como conduzir o processo, acabam por minimizar a dor sentida e com isso, intensificam ainda mais essa dor e o sentimento de se estar sozinho.
O processo de cura começa quando as reações como medo, raiva, desespero, tristeza, dor, que foram reprimidas no passado, possam ser expressas com alguém que a ouça e a compreenda, sem julgamentos, mas com o desejo sincero de ajudá-la a superar tanta dor. Por isso é importante que no processo psicoterapêutico a pessoa atendida tenha certeza que o profissional irá aceitá-la e não julgá-la, para que assim possa expressar seus sentimentos, queixas e vivenciar sua raiva, decepção, tristeza e dor. A diferença se faz quando sabe que não irá mais enfrentar sozinho seus traumas, mas sente ter encontrado quem a ajude a viver toda sua verdade.
A consciência dos sentimentos da infância não matam, libertam” Alice Miller (Ph.D. em psicologia)
"... temos que aceitar que não podemos voltar no tempo, mas podemos nos lembrar de tudo que passamos, de tudo que esperamos e não tivemos, chorar toda nossa dor, elaborarmos o luto por tudo que sentimos e assim nos libertarmos de nossas repetições de comportamentos. Do contrário, enquanto não tornamos nosso passado consciente, o repetiremos"
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É muito comum ouvir as pessoas dizerem que não querem se lembrar de fatos que aconteceram no passado, pois isso trará muita dor, mas se esquecem, ou talvez não saibam, que acontece exatamente o contrário. Não é o fato de lembrar que traz dor, a dor já está lá dentro, e reprimir essa dor poderá fazê-la ter escolhas determinadas por sua própria história, exatamente a que ela deseja negar e esquecer.
Sim, conscientemente podemos agir como se não tivéssemos vivido situações de maus-tratos (psicológico/físico ou sexual), mas infelizmente essa negação não apaga nossa história, e ainda pode nos fazer reviver aquilo que fazemos tanto esforço para esquecer.
Como assim?
Você já deve ter ouvido sobre repetição de padrão ou compulsão à repetição, que nada mais é que um padrão de comportamento que se repete. É um processo inconsciente, mas muito real.
Muitas de nossas escolhas são inconscientes, e dessa forma, determinadas pela nossa história de vida. Concordo que muitas situações são esquecidas como defesa, do contrário, não suportaríamos tanta dor. E para sobrevivermos aos maus-tratos, humilhações, negligências, castigos, surras, indiferença, tivemos que escondê-los de nós mesmos. Mas enquanto não chorarmos o passado, estamos condenados a repeti-lo. É como transferir o passado para o presente, mesmo sem a consciência que estamos fazendo isso. Sim, repetir o passado que foi bom faz sentido, mas é difícil aceitarmos o fato que repetimos o que nos fez, e ainda nos faz, sofrer.
O modo como nos relacionamos com as pessoas, em especial na relação afetiva, pode muitas vezes, ser repetições inconscientes de experiências anteriores, em especial por influências da primeira infância, mesmo se essas repetições nos causem dor. Aquele garotinho pode se casar com uma mulher que seja a imagem exata de sua mãe, ainda que essa tenha lhe feito sofrer. Ou aquela garotinha pode repetir o passado casando-se com um homem tão ausente quanto fora seu pai em sua infância.
Muitos pais hoje podem também repetir com seus filhos o que viveram quando eram crianças. Quantas vezes não prometeu a si mesmo que não repetiria o que seu pai e/ou sua mãe lhe fizeram e sem querer, lá está você agindo igual? Você já parou para pensar se está repetindo alguma situação que viveu no passado? Ou ainda, as situações podem ser diferentes, mas o sentimento que sente hoje pode ser igual ao que sentia quando criança. Qual sentimento você tem que o incomoda, o deixa triste, o faz chorar, ou o faz ter reações desproporcionais ao fato?
Mas por quê? Você deve estar se perguntando. Por que nosso inconsciente nos prega tal peça?
Repetimos e repetimos o passado, na esperança que dessa vez o fim será diferente. Estamos sempre desejando, ainda que inconscientemente, controlar e mudar o que já aconteceu. É como se negássemos aceitar, seja o abandono, a rejeição, os maus-tratos que vivemos, e assim, ficaremos livre daquela dor que tanto sofrimento nos causou, e nos causa.
Mas não é assim que nos libertamos do passado e nem de nossa dor. Pense comigo, se não tivemos aprovação e reconhecimento de nossos pais quando éramos crianças, será que se agora o obtivermos irá apagar o que sentimos naquela época? Por mais que tenhamos agora, no momento presente, o que tanto desejamos no passado, o tempo não trará de volta. Você não irá receber o abraço que tanto quis naquele momento, não terá seu pai ao seu lado quando esperou que teria, sua mãe não irá comparecer na reunião da escola naquele dia que todas as mães foram menos a sua.
O que podemos fazer? Sim, temos que aceitar que não podemos voltar no tempo, mas podemos nos lembrar de tudo que passamos, de tudo que esperamos e não tivemos, chorar toda nossa dor, elaborarmos o luto por tudo que sentimos e assim nos libertarmos de nossas repetições de comportamentos. Do contrário, enquanto não tornamos nosso passado consciente, o repetiremos. Só nos tornando conscientes do que sofremos, confrontando com os conhecimentos atuais é que iremos perceber que éramos cegos porque não tínhamos quem nos protegesse da violência
Quando alguém, testemunha conhecedora (veja artigo anterior) nos ajuda a identificar os antigos padrões de comportamento de nossos pais, não somos mais obrigados a repeti-los cegamente como o fazemos. Deixamos de acreditar, como muitos acreditam, que tudo que sofremos foi para nosso próprio bem. Deixamos de idealizar que nossos pais irão mudar um dia. Deixamos de nos tratar como nos trataram. Deixamos de ser nossos piores inimigos. Deixamos de nos boicotar, acreditando que não merecemos amor. Deixamos de permitir que continuem a nos humilhar, maltratar. E quando deixamos tudo isso, podemos perceber que quando crianças fomos apenas vítimas de adultos, também com suas crianças feridas. E assim, deixamos de recriar o que tanto nos fez sofrer.
Só se pode entender uma vida quando se leva a sério seu começo” Alice Miller (Ph.D. em psicologia)
"Superproteção, mimos e submissão exagerados durante a infância, podem gerar muita insegurança na vida adulta, pois a criança não foi incentivada a acreditar em si mesma"
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Todos sabemos que a autoestima, tão essencial em nossa vida, começa a se formar na infância, a partir de como as outras pessoas nos tratam. Quando criança, pode-se alimentar ou destruir sua autoconfiança. Ou seja, as experiências do passado exercem influência significativa quando adulto.
Só para lembrar: autoestima é ter consciência de seu valor pessoal, ou seja, acreditar, respeitar e confiar em si, é a soma da autoconfiança com o autorrespeito. É acreditar que é capaz!
Quais foram as experiências que você teve quando criança? O quanto você tem consciência de seu valor?
Quem sofreu algum tipo de abuso, psicológico, físico e/ou sexual, terá muita dificuldade em perceber seu próprio valor e a sensação de ter valor é essencial à saúde mental. Essa certeza deve ser obtida na infância. Toda criança precisa ser amada incondicionalmente, ao menos nos primeiros anos. Sem os pais como espelho de uma atitude de aceitação, a criança não tem como saber quem ela é.
O que os pais nos fazem quando criança, sentimos como se fosse o certo, como deve ser feito, não questionamos, apenas aceitamos. Quando as necessidades de uma criança são negligenciadas, recebem a mensagem que suas necessidades não são importantes e perdem a noção de seu valor pessoal.
Pais exigentes, agressivos, críticos, autoritários, que demonstram que a criança não é digna de confiança, impondo suas próprias vontades, não ouvindo o que as crianças têm a dizer, criam filhos inseguros e dependentes.
Como também, a superproteção também é uma forma de abuso infantil. Superproteção, mimos e submissão exagerados durante a infância, podem gerar muita insegurança na vida adulta, pois a criança não foi incentivada a acreditar em si mesma.
Assim, cresce, ainda que inconscientemente, acreditando que faziam tudo por ela por não ter a capacidade de fazer por si mesma. Quando adulta, irá acreditar que o mundo seria como seus pais, que jamais ouviria um “não”, tendo muita dificuldade em suportar frustrações. Essas crianças podem desenvolver um sentimento de insegurança, por não sentirem confiança em suas próprias habilidades, uma vez que os outros sempre fizeram tudo por elas. Acredita que seu valor depende de ser amado. Como não tem noção de seu próprio valor, só compreende o valor dos outros.
Alice Miller (autora de vários livros, lutadora em defesa das crianças) nos fala sobre três conceitos importantes para nossa reflexão e maior entendimento:
- Pedagogia negra: consta numa educação que visa transformar a criança em submissa e obediente por meio do poder, manipulação e repressão, ainda que velado. Crianças que foram “adestradas” a obedecer aos desejos e ordens dos adultos, passam a infância e adolescência contendo e disfarçando a raiva e depois a usam automaticamente.
- Testemunha auxiliadora: é uma pessoa que ajuda a criança maltratada ou negligenciada, ainda que de forma esporádica, oferecendo um pouco de apoio e amor. Pode ser uma vizinha, um professor, avó, tia. Graças a essa testemunha a criança começa a saber que existe amor. Você teve alguma?
- Testemunha conhecedora: na vida do adulto essa pessoa pode representar um papel semelhante ao da testemunha auxiliadora na criança. É uma pessoa que conhece as consequências da negligência e maus-tratos sofridos pelas crianças e a ajuda enfrentá-los e elaborá-los. Geralmente o psicólogo pode ajudar essas pessoas a entenderem melhor suas histórias e se libertarem.
Sem a testemunha conhecedora é impossível suportar a verdade da infância. A psicoterapia pode proporcionar o reconhecimento emocional da verdade armazenada no corpo, a libertação da lei do silêncio e da idealização dos pais.
Quando crianças, aprendemos a reprimir e negar sentimentos. Muitos aprenderam que as humilhações e surras foram para o próprio bem e não provocam dores. E com isso aprende-se também a utilizar no futuro, a violência contra os outros ou contra si mesmo.
O que podemos fazer?
Tornar consciente o que sofremos e confrontar com os conhecimentos atuais. Perceber que éramos cegos porque tínhamos que nos proteger das dores, enquanto não tínhamos uma testemunha que pudesse nos ouvir com empatia.
O adulto, não é mais impotente, e pode oferecer a criança proteção e ouvido atento, para que possa expressar a seu modo e contar a sua história. Portanto, se você sofreu algum tipo de abuso, não tenha vergonha de procurar quem o ajude a entender sua história e encontrar sua verdade.
Dicas de leitura:
Miller, Alice:
A Verdade Liberta. Ed Martins Fontes.
O Drama da Criança Bem Dotada. Summus editorial.
“Não são os traumas que sofremos na infância que nos tornam emocionalmente doentes, mas sim a incapacidade de expressá-los”
Alice Miller (Ph.D. em psicologia)
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O abuso infantil, ou maltrato infantil, é o abuso psicológico, físico e/ou sexual em uma criança, por parte de seus pais ou responsáveis. Ocorre quando “um sujeito em condições de superioridade (idade, força, posição social ou econômica, inteligência, autoridade) comete um ato ou omissão capaz de causar dano psicológico, físico ou sexual, contrariamente à vontade da vítima, ou por consentimento obtido a partir de indução ou sedução enganosa.
A criança precisa de segurança através de emoções saudáveis para compreender os próprios sentimentos. Um ambiente familiar de violência (química, emocional, física ou sexual) é tão apavorante para a criança, que ela não consegue manter a própria identidade e para sobreviver a dor, passa a focar apenas o exterior e com o tempo ela perde a capacidade de gerar autoestima que vem do seu interior, não sabendo identificar quem ela é, sem noção do seu próprio eu.
O comportamento agressivo por parte dos pais e/ou responsáveis pode ser resultado da violência na infância e da mágoa e da dor não resolvida. Sim, o lamentável é que um adulto agressor em geral também foi vítima de maus-tratos quando criança.
Parte dos pais que emprega a violência física como forma de educação, estão repetindo os atos de seus próprios pais. A criança impotente e ferida transforma-se no adulto agressor. Muitas formas de maus-tratos contra crianças fazem delas um agressor. Foi provado cientificamente que crianças castigadas podem ser mais obedientes a curto prazo, mas a longo prazo tornam-se mais agressivas e destrutivas. Porque na verdade elas tornam-se obedientes não por respeito ou por terem aprendido algo, mas por puro medo.
O tipo mais frequente de maus-tratos contra a criança ou adolescente é a violência doméstica, que ocorre na maioria das vezes no convívio familiar. Sim, é triste, mas essa é a nossa realidade. Quem os comete? No abuso sexual em geral é feito pelo pai, irmãos mais velhos ou tios.
Também considero importante ressaltar que crianças que assistem à violência são vítimas da violência, ou seja, espancar a mãe na frente da criança, equivale a espancá-la. Por isso muitos adultos, mesmo não tendo sido vítimas de agressões, por exemplo, viram sua mãe apanhar do pai, têm as mesmas sequelas de quem foi agredido.
Há 3 tipos de agressões e é importante entender suas definições:
- Violência psicológica/emocional: Envolve agressões psicológicas como xingamentos ou palavras que causam danos à criança. A rejeição, depreciação, discriminação, humilhação, desrespeito e punições exageradas são formas comuns desse tipo de agressão, que não deixa marcas visíveis, mas causa danos por toda a vida. Gritar, esbravejar com a criança é violar sua noção de valor. Chamar uma criança de estúpida, boba, louca, burra, está ferindo a criança com cada palavra.
A violência emocional deixa como sequelas: perfeccionismo, rigidez e controle.
Pais muito exigentes, não importando o que a criança faça, nunca consegue corresponder às expectativas. Nada do que diz, pensa ou sente está certo, a criança sente-se sempre errada.
- Violência física: Uso da força ou atos de omissão praticada pelos pais ou responsável, com o objetivo claro ou não de ferir, deixando ou não marcas evidentes. São comuns tapas e murros, agressões com diversos objetos e queimaduras causadas por objetos líquidos ou quentes.
Sim, é preciso entender que omissão por parte de um dos pais, diante da agressão do outro, também é abuso e considerado crime tanto quanto a violência.
Fala de uma criança: “não sei onde minha mãe estava enquanto meu pai me batia, mas sei exatamente que ela não me defendeu, nem com palavras, nem com ações”. O que o mais sensato dos dois genitores estava fazendo quando a criança mais precisava de sua proteção?
Uma criança espancada, arrastada, esbofeteada, ameaçada, dificilmente acreditará que é especial e maravilhosa. O castigo físico corta o elo que a liga ao pai ou a mãe que a maltratam.
A emoção do passado, não resolvida, geralmente é usada contra a própria pessoa. Exemplo: quando adultos podem bater no próprio rosto com os punhos fechados, como sua mãe fazia com ele quando criança.
- Violência sexual: abuso do poder, no qual a criança ou adolescente é usada para gratificação sexual de um adulto, sendo induzida ou forçada a práticas sexuais com ou sem violência física. O abuso sexual pode incluir carícias, exploração sexual e linguagem obscena. A violência sexual causa um ferimento mais profundo do que qualquer outra forma de violência. Uma pessoa violentada sexualmente sente que não pode ser amada pelo que ela é.
O assunto é triste, mas precisa ser falado, discutido, deixar de ser um assunto tabu, oculto em dores silenciadas, que muitas vezes se fazem presentes por sintomas e doenças, e que possamos cuidar dos adultos com suas crianças feridas, para que assim deixem de criar outras crianças feridas, e quem sabe assim, as crianças de hoje possam ser tratadas com todo respeito que merecem, evitando que as dores causadas deixem um rastro com sequelas por toda uma vida.
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