O Herói Cotidiano-Exemplos de Superação

04/09/2014 20:34

Com livros achados no lixo, morador do DF aprende a ler e se torna médico

Órfão aos 2 anos, ele cresceu no Chaparral e buscava comida pelas ruas.
Cícero conheceu obras de Bach, Beethoven e Kafka por meio dos descartes.

 

Raquel MoraisDo G1 DF

 
 
 
Cícero Pereira Batista, de 33 anos, mostra livros achados no lixo e com os quais estudou para virar médico (Foto: Raquel Morais/G1)Cícero Pereira Batista mostra livros achados no lixo
e com os quais estudou para virar médico
(Foto: Raquel Morais/G1)

Órfão de pai aos 2 anos e tendo a mãe alcoólatra e um dos sete irmãos traficante, o médico de Brasília Cícero Pereira Batista, de 33 anos, conseguiu vencer as adversidades estudando a partir de livros que retirava do lixo. Ainda criança, ele saía do Chaparral, onde a família mora até hoje, e percorria 20 quilômetros todos os dias pelas ruas de Taguatinga em busca de comida.

Junto com as sobras de alimentos descartados no lixo, Batista recolhia todos os livros que encontrava e vinis de Beethoven e Bach, atualmente suas inspirações. Ele se formou há menos de três meses e agora sonha em abrir um consultório.

"Meu pai era quem fazia o sustento de casa, e morreu de uma úlcera que provocou hemorragia interna. Minha mãe ficou louca e bebia muito. Ela começou a lavar roupa para fora e a catar latinha no meio da rua, mas não era suficiente. A gente sempre passou fome, tudo o que ela fazia não dava jeito. E meu irmão levava traficante para a nossa casa. Aliados a nossa miséria, tínhamos o alcoolismo e as drogas dentro de casa. Eu saía para buscar comida – a gente não tinha mesmo, não tinha nem o que vestir – e tinha dias que não voltava. Eu não precisava, mas tinha dias que dormia na rua para não ter que aguentar as brigas", lembra.

Amo Bach e Mozart. Junto com os livros, eles me salvaram. Eles falavam mais alto que a fome e me transportavam para outros mundos. Depois descobri Vivaldi e Strauss e comecei a amar música clássica. Às vezes eu pensava, vendo a vida dos compositores, que se Beethoven era surdo e fez o que fez, eu não poderia tentar? Eu, mesmo com fome, mesmo com adversidades, pobre, negro, não sendo homem bonito, conseguiria chegar lá. E é isso que a gente tem que pensar, que todo esforço é poder"
Cícero Batista Pereira, médico que
aprendeu a ler com livros achados no lixo

Na procura por alimento, o garoto encontrou coisas que lhe despertavam uma atenção ainda maior. As páginas cheias de letras e figuras e os discos o deixavam fascinado, ainda que misturados ao chorume que havia no lixo. Cícero sempre reservava um pedaço da caixa que carregava para os "tesouros". Com a ajuda de vizinhos, ouvia os vinis e pôde aprender a sonoridade de cada letra.

"Fui juntando as sílabas e compreendendo as sentenças e palavras. Quando entrei na escola para fazer o primário, já sabia ler, escrever e fazer as operações fundamentais. Entrei tarde, acho que eu tinha 10 anos, eu que pedi para a minha irmã me matricular", diz. "Eu trazia a caixa na cabeça debaixo de chuva e sol. Muitas vezes, escorria secreções dos alimentos e das carnes em mim. Eu parava, descansava um pouco e então seguia para casa."

Entre as obras que encontrou descartadas estavam "O sermão de Santo Antônio aos peixes", do Padre Antônio Vieira, e "A metamorfose", de Franz Kafka, além de "Magnificat" e a cantata "BMV 10" de Bach. O menino também achou livros de biologia, filosofia, teologia, direito e história e passou a colecioná-los em casa. Tudo era lido por ele.

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O médico Cícero Pereira Batista, de Brasília, quando criança (Foto: Cícero Pereira/Arquivo Pessoal)Cícero Pereira Batista, de Brasília, quando criança
(Foto: Cícero Pereira/Arquivo Pessoal)

"Amo Bach e Mozart. Junto com os livros, eles me salvaram. Eles falavam mais alto que a fome e me transportavam para outros mundos", conta o médico. "Depois descobri Vivaldi e Strauss e comecei a amar música clássica. Às vezes eu pensava, vendo a vida dos compositores, que se Bethoven era surdo e fez o que fez, eu não poderia tentar? Eu, mesmo com fome, mesmo com adversidades, pobre, negro, não sendo homem bonito, conseguiria chegar lá. E é isso que a gente tem que pensar, que todo esforço é poder."

A inspiração o levou a fazer um teste para o curso profissionalizante de técnico de enfermagem, que valia como ensino médio. A ideia veio dos cuidados que ele tinha com a saúde da família e do gosto por dissecar cachorros mortos ou observá-los ampliados com a ajuda de uma lente achada em máquina de fotografia Polaroid, também tirada do lixo. O jovem foi aprovado em segundo lugar na seleção.

Após concluir os estudos, Cícero decidiu então prestar concurso e passou a trabalhar na Secretaria de Saúde. O pouco dinheiro já era um alívio diante das dificuldades vividas pela família, mas o rapaz queria mais. Três anos depois, fez vestibular para medicina em uma faculdade particular no interior de Minas Gerais, passou e, sem pensar duas vezes, decidiu enfrentar o novo desafio.

Fui juntando as sílabas e compreendendo as sentenças e palavras. Quando entrei na escola para fazer o primário, já sabia ler, escrever e fazer as operações fundamentais. Entrei tarde, acho que eu tinha 10 anos, eu que pedi para a minha irmã me matricular."
Cícero Batista Pereira

Como não podia abrir mão do emprego, o jovem se dividia entre os plantões aos fins de semana no Distrito Federal e as aulas na outra cidade. O salário seguia contado. "Acabei passando fome, cheguei a desmaiar em sala. Por vezes, precisei dormir na rodoviária para economizar", lembra.

Um ano e meio depois, o rapaz conseguiu 100% de desconto em uma instituição de Paracatu (MG) por causa do bom desempenho no Enem. A faculdade se recusou a aproveitar os três semestres feitos em Araguari, e Cícero precisou recomeçar os estudos. Seis meses depois, já em 2008, ele repetiu o resultado e conquistou uma bolsa integral em Brasília.

"Quando vim, eles aproveitaram algumas matérias, mas também não quiseram me progredir de período, portanto eu voltei à estaca zero de novo. Mas eu nunca desisti, continuei trabalhando e fazendo o meu curso. Eu saía do plantão noturno para a faculdade. Era muita dificuldade, tinha dias que eu chegava molhado e sujo porque tinha chovido, eu pegava dois ônibus, e no trabalho eu era obrigado a usar roupa branca", conta.

Sem os custos com passagens de viagens interestaduais e a mensalidade, Cícero pôde se dedicar melhor às paixões. Ele virou frequentador assíduo de sebos e passou a comprar mais livros e vinis. Assim, reforçou a paixão pelos autores e músicos que conheceu por meio do lixo e pôde estender as noções que já tinha na área. As primeiras compras para si foram livros da faculdade de medicina e CDs de música clássica.

O médico Cícero Pereira Batista, de Brasília (Foto: Cícero Pereira/Arquivo Pessoal)O médico Cícero Pereira Batista, de Brasília
(Foto: Cícero Pereira/Arquivo Pessoal)

"Nunca foi fácil, meu dinheiro nunca foi suficiente, mas eu não cedi. Eu me esforcei, eu não me rendi às adversidades financeiras, às adversidades das drogas. Eu dormi no meio da rua fugindo das drogas que tinha dentro de casa muitas vezes. Eu não era morador de rua, eu tinha onde ficar, mas eu dormia fora para evitar a situação. Nunca usei droga, nunca botei um cigarro de maconha ou qualquer cigarro na boca, nunca bebi", explica.

Formado em junho deste ano, Cícero atualmente trabalha como médico clínico e generalista em dois hospitais de Águas Lindas e Valparaíso, municípios no Entorno do DF. Ele afirma reconhecer em muitos pacientes um quadro semelhante ao que viveu. "São iguais a mim. São pessoas que muitas vezes chegam com fome, chegam doentes porque não tiveram o que comer"

Para ele, a experiência na infância acaba o ajudando a cumprir o que considera uma missão. "O médico muitas vezes tem essa autonomia de aliviar o sofrimento. Eu me formei em medicina para aliviar o sofrimento de pessoas que estavam como eu."

Futuro
Além de continuar prestando atendimento a quem vive em situação de vulnerabilidade social, o médico planeja a abertura de um consultório particular na capital do país e acumula os sonhos de fazer residência em psiquiatria e especialização em medicina aeroespacial fora do Brasil.

O médico Cícero Pereira Batista, de Brasília, com a mãe, na casa da família (Foto: Cícero Pereira/Arquivo Pessoal)Izaltina Batista e o filho Cícero, na casa da família
(Foto: Cícero Pereira/Arquivo Pessoal)

 

"Gosto de entender os conflitos humanos, as fugas, os processos que levam a pessoa à dependência química, à realidade de alguns familiares meus, como o alcoolismo da minha mãe e o uso de drogas do meu irmão. Como estas pessoas se entregaram ao vício? Como tratá-las? Como curá-las? Eu também sempre gostei das coisas do espaço, das estrelas, pois de certa forma olhar e compreender o céu me aliviavam o sofrimento e a fome e me davam força para seguir em frente", declarou.

O profissional, que voltou a morar com a mãe no Chaparral, afirma ainda querer comprar um apartamento para poder morar sozinho, além de promover melhorias na casa da família. "Está em pedaços e mofada, e minha mãe por isso tem pneumonias de repetição. Se eu não conseguir reformar a casa da minha mãe, [quero] tentar comprar uma para ela."

"Minha mãe está velhinha e precisa de um mínimo de conforto e paz. Ela cuidou de muitos filhos, já está na hora de eu cuidar dela agora que eu me formei médico. Não quero que ela passe fome de novo, não quero que ela viva em uma casa com goteiras e mofo. Esses últimos ideais são meus sonhos de realização imediata e necessária", afirmou.

 

 

 

 

 

Ex-flanelinha, juiz do DF se prepara para doutorado e sonha com o STF

Depois de perder o pai, ele ainda vendeu bananas e foi ajudante de obra.
Chagas realizou sonho ao comprar leite condensado aos 13: 'dia mais feliz'.

 

Raquel MoraisDo G1 DF

 
 
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O juiz Edilson Enedino Chagas, que foi flanelinha e vendedor de bananas na infância (Foto: Raquel Morais/G1)O juiz Edilson Chagas, que foi flanelinha e vendedor de bananas na infância e hoje é o titular da Vara de Falências, Recuperações Judiciais, Insolvência Civil e Litígios Empresariais do DF  (Foto: Raquel Morais/G1)

Quem vê o juiz brasiliense Edilson Enedino das Chagas se desdobrando entre os processos da Vara de Falências, o posto de professor de direito empresarial e a preparação para o doutorado mal pode imaginar que esse é um desafio pequeno perto dos quais já precisou enfrentar. Seu primeiro trabalho foi aos 8 anos, como vendedor de bananas, para ajudar a mãe. Desde então, ele já foi vendedor de picolés, flanelinha, jornaleiro, ajudante de obras e faxineiro. Mas orgulho mesmo o magistrado sente quando fala sobre o que espera para o futuro: "um sonho? Poder ser nomeado para o Supremo Tribunal Federal. Mas é uma chance em 5 milhões", diz, entre risos.

Quando meus filhos olham torto para a comida fico realmente triste. Eu, na idade deles, não queria nada de extravagante. Só queria arroz, feijão e bife. Isso deveria ser um direito fundamental, toda criança deveria ter isso. Então, sim, me dói ver alguém olhar para um prato de comida e dizer que não quer ou que não há nada de bom."
Edilson Chagas, juiz do DF

Experiência de vida para ocupar o cargo de ministro ele acredita ter o suficiente. Chagas nasceu em 1970 e começou a enfrentar dificuldades assim que deixou a maternidade. Filho de um tratorista e uma dona de casa, ele morava em uma invasão no Paranoá e dividia o pouco espaço do barraco com os quatro irmãos. Quando tinha 1 ano, o pai conseguiu uma casa de um único cômodo por meio de um programa habitacional.

"Essa talvez tenha sido a maior âncora que meu pai nos deixou. Casa dá dignidade. Poder entrar em um lugar e fechar a porta, dizer que é o seu porto, onde você pode ancorar o seu navio, dá um alívio enorme", afirma Chagas.

Pouco depois o pai morreu e a família começou a lidar com problemas ainda maiores. Os filhos e a viúva precisavam se virar com um salário mínimo por mês. Sem dinheiro nem para comprar comida, eles dependiam de doações da Legião Brasileira de Assistência, programa assistencial do governo federal, que distribuía sopas para grávidas. O alimento era usado nos cafés da manhã, almoços e jantas durante a maior parte do mês.

Cansado de ver o sofrimento da mãe para garantir a sobrevivência da família e tendo aprendido que não podia pegar nada que fosse dos outros, mesmo que fosse emprestado, aos 8 anos ele decidiu trabalhar. O garoto foi a uma distribuidora de frutas e pediu uma caixa de bananas para vender durante o dia. O acordo era que, depois de quatro horas, ele devolveria o que restasse e dividiria os lucros com o dono.

Edilson na infância, usando roxo, em foto tirada com os irmãos (Foto: Edilson Enedino Chagas/Arquivo Pessoal)O juiz de Brasília Edilson Chagas na infância,
usando roxo, em foto tirada com três dos irmãos
(Foto: Edilson Chagas/Arquivo Pessoal)

"Eu ganhava o equivalente a R$ 5 por dia, mas eu me sentia muito feliz. Foi com esse trocado que a gente pôde, por exemplo, passar a comprar pão do dia. Aquilo foi realmente um sonho para a gente. Imagina não precisar esperar para só comprar pão amanhecido! Só que, é claro, o que eu colocava na mão da minha mãe não durava, e de fato era bem pouco. Ainda assim, me sentia satisfeito com o pouquinho que a gente conseguia a mais", lembra.

Meses depois, observando que o rendimento era pequeno, o menino passou a vender picolés. Ele percorria cerca de oito quilômetros todos os dias para vender 40 unidades e lucrava até R$ 6. As dificuldades eram com crianças mais velhas que se recusavam a pagar e chegavam a agredi-lo. "Mas, quando dava certo, era bom. Dava a manteiga. E, às vezes, rendia até um fígado de galinha ou o dorso do frango. A sensação era de cumprir um dever."

Aos 13 anos, já trabalhando como flanelinha de um supermercado perto de onde morava, no Gama, Chagas conseguiu realizar seu maior sonho: tomar uma lata de leite condensado. Ele juntou as moedas ganhadas durante as sete horas de trabalho para poder comprar a guloseima que até então nunca havia entrado na casa da família.

"Quando todo mundo foi dormir, furei um buraquinho e comecei a beber. Meu Deus, aquele foi o melhor dia da minha adolescência! Eu acordei seis vezes à noite para tomar um pouquinho de cada vez, queria que nunca acabasse", conta o juiz. "Isso me instigava mais, me dava vontade de crescer. A minha fome parece que abria meu apetite para estudar, aprender, querer ir além."

A rotina de trabalho era dividida com os estudos, uma prioridade para a mãe de Chagas. Na época, ele estudava em um colégio "cheio de gangues" e os alunos usavam drogas até dentro da sala de aula. O comportamento era repudiado pelo jovem, que não havia tomado partido por nenhum dos grupos. Um dia, o rapaz foi abordado pelo líder de um deles.

"Ele pediu para que eu continuasse prestando atenção para poder ensiná-los depois as matérias e proibiu que me oferecessem drogas. Por incrível que pareça, isso me protegeu. E foi bom, porque até me deu um método de ensino", diverte-se. "Eu já troquei lanche por orientação para quem tinha dúvida. Tudo era realmente uma luta, até comer."

Poucos anos depois, em 1991, o rapaz foi aprovado como faxineiro de uma empresa terceirizada que prestava serviços para o Tribunal Superior do Trabalho. A proximidade com a área de direito levou Chagas a se interessar pelo curso. Ele prestou vestibular em uma faculdade particular e conseguiu ser aprovado - a concorrência era de 27 candidatos por vaga.Sonhando em ser médico, Chagas chegou a trabalhar como ajudante de obras antes de terminar o ensino médio ao mesmo tempo em que concluía um curso profissionalizante. No mesmo período, a mãe conseguiu uma reavaliação da pensão deixada pelo marido e passou a ganhar o suficiente para não depender mais do esforço do filho. O jovem fez então curso de fuzileiro naval e prestou concurso para a Polícia Militar. Ele diz que já estava acostumado a ter o próprio dinheiro e não queria passar a depender da família.

Em 1998, surgiu a oportunidade para tentar uma vaga no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. O incentivo veio de um amigo, mas o ex-flanelinha ficou reticente. "Eu pensava: 'Moço, quem é que passa assim nisso?' Só me vinham esses pensamentos. 'Por que você? Olha que tipo de emprego você já teve, você vendia bananas.' Achava a ideia absurda."

Chagas decidiu fazer o concurso mesmo assim e, sem abandonar o trabalho, passou três meses se dedicando à preparação para a prova. Havia quase 900 inscritos para 38 vagas, e, pouco antes da aplicação dos testes, uma lei aprovou a criação de mais 110 vagas.

"Pensei: 'Agora eu passo'. Então ouvi uma voz que me perguntava se eu dependia da quantidade de vagas. Pensei em Deus e pedi que ele me perdoasse. Mas aí eu disse: 'OK, não dependo da quantidade de vagas, dependo de ti. Mas se ainda assim puder me dar uma vaguinha, eu agradeço'. Fui sincero", lembra, bem-humorado.

O juiz Edilson Enedino Chagas, na sala de audiências da Vara de Falências, Recuperações Judiciais, Insolvência Civil e Litígios Empresariais do Distrito Federal (Foto: Raquel Morais/G1)O juiz Edilson Enedino Chagas, na sala de audiências da Vara de Falências, Recuperações Judiciais, Insolvência Civil e Litígios Empresariais do Distrito Federal (Foto: Raquel Morais/G1)

O cansaço da prova extensa deu lugar à ansiedade. O magistrado lembra que decidiu ligar para a responsável pela prova na segunda-feira seguinte para perguntar se já havia resultado. Após ouvir uma resposta positiva por telefone, questionou: "E eu, passei?".

"Eu nunca vou me esquecer disso: 'Doutor Edilson, o senhor passou, sim. E pode preparar o discurso de posse, porque o primeiro colocado sempre discursa. E essa pessoa é você.' Eu não cabia em mim", afirma Chagas.

Vida após virar juiz
Depois de assumir uma vaga no Tribunal de Justiça, o ex-flanelinha também passou a dar aulas. Ele concluiu o mestrado em direito e atualmente se prepara para fazer doutorado em psicanálise. Bastante religioso, ele aproveita os finais de semana para fazer obras assistenciais da igreja que frequenta no Gama.

Meu prazer é fazer compras. Essa marca ficou em mim. Às vezes saio da faculdade às 22h e vou correndo ao supermercado. E se tem algo que me dói é ver uma pessoa na fila do caixa tendo que escolher o que levar, por não ter dinheiro para tudo. Um dia eu acabei pedindo à mulher para passar todas as coisas, não deixar nada, paguei a diferença. Dói ver a pessoa tendo que se decidir entre o básico, não havia nada de supérfluo."
Edilson Chagas, juiz do DF

"Ter crescido na escassez me ensinou a valorizar tudo o que chega para mim. Tudo o que me feriu eu tento evitar que aconteça a outras pessoas", disse ao G1. "Nunca peguei o que é dos outros, nem emprestado. O meu pode ser o pior ou o mais feio, mas é o meu. É como a nossa casa zero-quarto [de um único cômodo, conseguida pelo pai]."

Mesmo se considerando sem traumas ou mágoas por causa do passado difícil, o magistrado confessa que mantém alguns pensamentos da infância. Um deles é a mania de economizar e o sentimento de culpa quando compra algo caro, como quando precisou ser "convencido" pela mulher de que merecia ter um "carro do ano". O outro é gostar de ir a supermercados.

"Meu hobby é dar aula, mas meu prazer é fazer compras. Essa marca ficou em mim. Às vezes saio da faculdade às 22h e vou correndo ao supermercado. E se tem algo que me dói é ver uma pessoa na fila do caixa tendo que escolher o que levar, por não ter dinheiro para tudo. Um dia eu acabei pedindo à mulher para passar todas as coisas, não deixar nada, paguei a diferença. Dói ver a pessoa tendo que se decidir entre o básico, não havia nada de supérfluo", conta Chagas.

O magistrado se orgulha de os três filhos adolescentes não precisarem passar pelas mesmas dificuldades que ele viveu. Na época, a mãe é quem fazia as roupas para as crianças, já que não havia dinheiro para comprá-las. Já o trio pode escolher o que quer, inclusive em relação à alimentação.

"Mas quando meus filhos olham torto para a comida fico realmente triste. Eu, na idade deles, não queria nada de extravagante. Só queria arroz, feijão e bife. Isso deveria ser um direito fundamental, toda criança deveria ter isso", diz o juiz. "Então, sim, me dói ver alguém olhar para um prato de comida e dizer que não quer ou que não há nada de bom."

O juiz Edilson Enedino Chagas, junto com a mulher e os filhos em viagem aos EUA (Foto: Edilson Chagas/Arquivo Pessoal)O juiz Edilson Enedino Chagas, junto com a mulher e os filhos em viagem aos EUA (Foto: Edilson Chagas/Arquivo Pessoal)

Com uma rotina puxada - o juiz faz questão de despachar em até 24 horas os cerca de 40 processos que recebe por dia, Chagas sonha em poder levar a vivência difícil para uma cadeira no STF. Ele acredita que as chances são remotas e já se planeja para trabalhar na área de direito empresarial quando se aposentar.

"Depois que o Joaquim Barbosa anunciou que sairia, todo mundo passou a brincar comigo. Eu gostaria muito, acho que seria uma vitória de verdade. Acho que posso contribuir com essa visão de quem vem do povo", declarou. "Eu não consigo ir para casa sabendo que tem gente dependendo de mim, precisando de mim. Eu já esperei muito dos outros e nem sempre tinha quem me estendesse a mão. Por isso, gosto de dar suporte quando isso está ao meu alcance."

 

 

Marilene Lopes trocou renda mensal de R$ 50 por salário de R$ 7 mil.
'Passei um ano com uma só calcinha', lembra a hoje técnica judiciária.

 

Raquel MoraisDo G1 DF

 

Uma catadora de latinhas do Distrito Federal conseguiu passar em um concurso de nível médio do Tribunal de Justiça estudando apenas 25 dias. Com isso, ela trocou uma renda mensal de R$ 50 por um salário de R$ 7 mil. “Foi muito difícil. Hoje, contar parece que foi fácil, mas eu venci”, afirma. Agora, ela diz que pensa em estudar direito.

Ex-catadora de latinhas Marilene Lopes e os filhos, em frente ao barraco em que moravam em uma invasão em Brazlândia, no Distrito Federal (Foto: Marilene Lopes/Arquivo pessoal)Ex-catadora de latinhas Marilene Lopes e os filhos em frente ao barraco em que moravam em uma invasão em Brazlândia, no Distrito Federal (Foto: Marilene Lopes/Arquivo pessoal)

Sem dinheiro nem para comprar gás e obrigada a cozinhar com gravetos, Marilene Lopes viu a vida dela e a da família mudar em 2001, depois de ler na capa de um jornal a abertura das inscrições para o concurso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Ela, que até então ganhava R$ 50 por mês catando latinhas em Brazlândia, a cerca de 30 quilômetros de Brasília, decidiu usar os 25 dias de repouso da cirurgia de correção do lábio leporino para estudar com as irmãs, que tinham a apostila da seleção. Apenas Marilene foi aprovada.

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Nunca tinha nem fruta para comer. Eu me lembro que passei um ano com uma só calcinha. Tomava banho, lavava e dormia sem, até secar, para vestir no outro dia. Roupas, sapato, bicicleta [os filhos puderam ter depois da aprovação no concurso]. Nunca tive uma bicicleta"
Marilene Lopes, ex-catadora de latinhas que hoje trabalha no TJDF

"Minha mãe disse que, se eu fosse operar, ela cuidava dos meninos, então fui para a casa dela. Minha mãe comprou uma apostila para as minhas irmãs, aí dei a ideia de formarmos um grupo de estudo. Íamos de 8h às 12h, 14h às 18h e de 19h às 23h30. Depois eu seguia sozinha até as 2h", explica.

O esforço de quase 12 anos atrás ainda tem lugar especial na memória da família. Na época, eles moravam em uma invasão em Brazlândia.

Marilene já havia sido agente de saúde e doméstica, mas perdeu o emprego por causa das vezes em que faltou para cuidar das crianças. Como os meninos eram impedidos de entrar na creche se estivessem com os pés sujos, ela comprou um carrinho de mão para levá-los e aproveitou para unir o útil ao agradável: na volta, catava as latinhas de alumínio.

Segundo ela, a situação durou um ano e meio, e na época a família passava muita fome. "Nunca tinha nem fruta para comer. Eu me lembro que passei um ano com uma só calcinha. Tomava banho, lavava e dormia sem, até secar, para vestir no outro dia. Roupas, sapato, bicicleta [os filhos puderam ter depois da aprovação no concurso]. Nunca tive uma bicicleta", conta.


"Tinha medo [de não passar] e ao mesmo tempo ficava confiante. Sabia que se me dedicasse bem eu passaria, só precisava de uma vaga", diz. "Dei uma flutuada ao ver o resultado. Pedi até para minha irmã me beliscar."Mesmo para se inscrever na prova Marilene, que é técnica em enfermagem e em administração, encontrou dificuldades. Ela lembra ter pedido R$ 5 a cada amigo e ter chegado à agência bancária dez minutos antes do fechamento, no último dia do pagamento. E o resultado foi informado por uma das irmãs, que leu o nome dela no jornal.

Ganhando atualmente R$ 7 mil, a técnica judiciária garante que não tem vergonha do passado e que depois de formar os cinco filhos pretende ingressar na faculdade de direito. "Mesmo quando minhas colegas passavam por mim com seus carros e riam ao me ver catando latinhas com o meu carrinho de mão eu não sentia vergonha. E meus filhos têm muito orgulho de mim, da nossa luta. Eles querem seguir meu exemplo."

Marilene já passou pelo Juizado Especial de Competência Geral, 2ª Vara Cível, Órfãos e Sucessões de Sobradinho, 2ª Vara Criminal de Ceilândia, 12ª Vara Cível de Brasília e Contadoria. A trajetória dela inspira os colegas. Por e-mail, o primeiro chefe, o analista Josias D'Olival Junior, é só elogios. "A sua história de vida, a sua garra e o seu caráter nos tocavam e nos inspiravam profundamente."

Servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal Marilene Lopes, que foi catadora de latinhas (Foto: Marilene Lopes/Arquivo pessoal)Servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal
Marilene Lopes, que foi catadora de latinhas
(Foto: Marilene Lopes/Arquivo pessoal)

A técnica afirma ainda que não se arrepende de nada do que passou, nem mesmo de ter tido cinco filhos – como diz terem comentado amigos. "Ainda hoje choro quando me lembro de tudo. Eu não tinha gás e nem comida e não ia falar pra minha mãe. Se falasse, ela me ajudaria, mas achava um abuso. Além de ficar 25 dias na casa dela, comendo e bebendo sem ajudar nas despesas, ainda ia pedir compras  ou o dinheiro para o gás? Ah, não. Então assim, quando passei, foi como se Deus me falasse 'calma, o deserto acabou'."

Da época de catar latinhas, Marilene diz que mantém ainda a qualidade de ser supereconômica. Ela afirma que não junta mais alumínio por não encontrá-los mais na rua. "As pessoas descobriram o valor, descobriram que dá para vender e juntar dinheiro". Já as irmãs com quem estudou, uma se formou em jornalismo em 2011 e outra passou quatro anos depois no concurso do TJ de Minas Gerais, e foi lotada em Paracatu.

Dificuldades
O primeiro problema enfrentado por Marilene veio na posse do concurso. A cerimônia ocorreu três dias após o nascimento do quinto filho, em um parto complicado. A médica não queria liberá-la para a prova, mas só consentiu com a garantia de que ela voltaria até 18h30. Por causa do trânsito, a catadora se atrasou em uma hora.

"A médica chamou a polícia dizendo que eu tinha abandonado meu filho. É que eu estava de alta, mas o bebê não, e ele precisava tomar leite no berçário enquanto eu estivesse fora", lembra. "A enfermeira ligou para a polícia do hospital e explicou a situação e aí pararam de me procurar. A médica me deixou com o problema e foi embora, no término do plantão dela."

Resolvida a situação, Marilene e a família viveram bem até 2003, quando o marido resolveu sair de casa. O homem, que já havia sido preso por porte ilegal de arma, havia "se deslumbrado" com a situação econômica da mulher. A casa e o carro comprados a partir do salário do tribunal precisaram ser divididos.

Atualmente, ela mora com os filhos na casa de um amigo, na Estrutural, enquanto aguarda a entrega de um apartamento de três quartos em Águas Claras. Marilene tem uma moto e, junto com uma das irmãs, está pagando um consórcio para comprar um carro zero.

 

'Quero somente levantar a autoestima das pessoas', disse a técnica.

 

Raquel MoraisDo G1 DF

 
 
 
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Ex-catadora de latinhas e os filhos em frente ao
barraco em que moravam em uma invasão no DF
(Foto: Marilene Lopes/Arquivo pessoal)

A catadora de latinhas que passou em um concurso de nível médio do Tribunal de Justiça do Distrito Federal recebeu uma proposta na última sexta-feira (14) para transformar a vida dela em um documentário. A história é inspiradora: a mulher estudou apenas 25 dias, enquanto se recuperava de uma cirurgia na casa da mãe. Com a aprovação, Marilene Lopes trocou, há 13 anos, uma renda mensal de R$ 50 por um salário de R$ 7 mil.

Surpresa, mas feliz com a oportunidade, Marilene diz que aceitou a proposta, vinda de uma produtora independente. "Tantas pessoas querem ter fama para aparecer. Eu quero somente para levantar a autoestima das pessoas", afirmou. "[Eles disseram que] querem concorrer a prêmios pelo Brasil [contando a minha história]."

A mulher informou que falta negociar detalhes da filmagem com a produtora. Ainda não há datas para o início da produção.
 

Tantas pessoas querem ter fama para aparecer. Eu quero somente para levantar a autoestima das pessoas"
Marilene Lopes, ex-catadora de latinhas que passou no concurso do Tribunal de Justiça

A técnica do TJ afirma se orgulhar da trajetória que percorreu. Sem dinheiro nem para comprar gás e obrigada a cozinhar com gravetos, a mulher decidiu se inscrever no concurso em 2001, depois de ler na capa de um jornal sobre a abertura das inscrições. Ela passou menos de um mês estudando junto com as irmãs, que tinham a apostila da seleção. Apenas Marilene foi aprovada.

"Minha mãe disse que, se eu fosse operar, ela cuidava dos meninos, então fui para a casa dela. Minha mãe comprou uma apostila para as minhas irmãs, aí dei a ideia de formarmos um grupo de estudo. Íamos de 8h às 12h, 14h às 18h e de 19h às 23h30. Depois eu seguia sozinha até as 2h", lembra.
 


"Tinha medo [de não passar] e ao mesmo tempo ficava confiante. Sabia que se me dedicasse bem eu passaria, só precisava de uma vaga", diz. "Dei uma flutuada ao ver o resultado. Pedi até para minha irmã me beliscar."Na época, ela e os cinco filhos moravam em uma invasão em Brazlândia, a 30 quilômetros do centro de Brasília. Marilene já havia sido agente de saúde e doméstica, mas perdeu o emprego por causa das vezes em que faltou para cuidar das crianças. Como os meninos eram impedidos de entrar na creche se estivessem com os pés sujos, ela comprou um carrinho de mão para levá-los e aproveitou para unir o útil ao agradável: na volta, catava as latinhas de alumínio.

Segundo ela, a situação durou um ano e meio, e na época a família passava muita fome. "Nunca tinha nem fruta para comer. Eu me lembro que passei um ano com uma só calcinha. Tomava banho, lavava e dormia sem, até secar, para vestir no outro dia. Roupas, sapato, bicicleta [os filhos puderam ter depois da aprovação no concurso]. Nunca tive uma bicicleta", conta.

Mesmo para se inscrever na prova Marilene, que é técnica em enfermagem e em administração, encontrou dificuldades. Ela lembra ter pedido R$ 5 a cada amigo e ter chegado à agência bancária dez minutos antes do fechamento, no último dia do pagamento. E o resultado foi informado por uma das irmãs, que leu o nome dela no jornal.

Ex-catadora de latinhas Marilene Lopes, que passou no concurso do TJDF (Foto: Marilene Lopes/Arquivo pessoal)Ex-catadora de latinhas Marilene Lopes, que passou no
concurso do TJDF (Foto: Marilene Lopes/Arquivo pessoal)

Marilene já passou pelo Juizado Especial de Competência Geral, 2ª Vara Cível, Órfãos e Sucessões de Sobradinho, 2ª Vara Criminal de Ceilândia, 12ª Vara Cível de Brasília e Contadoria. A trajetória dela inspira os colegas. Por e-mail, o primeiro chefe, o analista Josias D'Olival Junior, é só elogios. "A sua história de vida, a sua garra e o seu caráter nos tocavam e nos inspiravam profundamente."

Da época de catar latinhas, a mulher diz que mantém ainda a qualidade de ser supereconômica. Ela afirma que não junta mais alumínio por não encontrá-los mais na rua. "As pessoas descobriram o valor, descobriram que dá para vender e juntar dinheiro". Já as irmãs com quem estudou, uma se formou em jornalismo em 2011 e outra passou quatro anos depois no concurso do TJ de Minas Gerais, e foi lotada em Paracatu.

 

Atleta paralímpico do DF adota cadela de 2 patas que usa cadeira de rodas

'Fiquei muito irritado ao saber que ela foi abandonada nessa condição', diz.
Vira-lata foi atropelada e abandonada; ela ganhou canil exclusivo na casa.

 

Raquel MoraisDo G1 DF

 
 
 
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Atleta paralímpico Marcondis Nascimento brinca com cadela Vicky e outro cão no DF (Foto: Marcondis Nascimento/Arquivo pessoal)Atleta paralímpico Marcondis Nascimento brinca com cadela Vicky e outro cão no DF (Foto: Marcondis Nascimento/Arquivo pessoal)

Apaixonado por histórias de lealdade entre homens e seus cães, um atleta paralímpico de Brasíliatomou uma decisão despretensiosa, mas digna de roteiro de cinema: adotou uma vira-lata que, depois de ser atropelada e abandonada, perdeu as duas patas traseiras. Vicky passou por tratamento, ganhou uma cadeira de rodas e há sete meses virou o xodó da casa de Marcondis Nascimento, de 39 anos, no Lago Norte.

Ela não consegue controlar o xixi e o côco, então sempre tem que ter alguém limpando. Fora isso, tudo bem. Ela dá bem menos trabalho do que eu esperava. Eu tinha medo pela piscina, até de os outros saírem desembestados e a derrubarem sem querer, mas ela nem chega perto. A gente só tem que ficar de olho porque ela quer correr o tempo inteiro, aí acaba batendo nas coisas e se arranhando"
Marcondis Nascimento, atleta paralímpico que adotou a cadela de duas patas Vicky

O atleta soube da cadela por uma amiga que atua na ONG Projeto Adoção São Francisco, onde Vicky foi acolhida. Ela chegou a passar por um lar temporário, mas a responsável pediu ajuda para cuidar do animal, que apresentava muitas limitações.

"Fiquei muito irritado ao saber que ela foi abandonada nessa condição. É difícil entender o que se passa na cabeça de uma pessoa, mas não acreditei. Sou meio indiferente a emoção de filme, mas sempre que assisto 'Marley e eu' ou 'Sempre ao seu lado' eu choro de verdade, porque o que envolve animal me machuca, me dói demais", disse.

Para recebê-la em casa, Nascimento construiu um canil exclusivo e colocou tatame no chão. Além disso, pediu a ajuda da mãe para monitorá-la. A residência tem outros cinco cães, além de dois gatos.

"Ela não consegue controlar o xixi e o cocô, então sempre tem que ter alguém limpando. Fora isso, tudo bem. Ela dá bem menos trabalho do que eu esperava. Eu tinha medo pela piscina, até de os outros saírem desembestados e a derrubarem sem querer, mas ela nem chega perto", explica o atleta. "A gente só tem que ficar de olho porque ela quer correr o tempo inteiro, aí acaba batendo nas coisas e se arranhando."

O atleta paralímpico Marcondis Nascimento e a cadela Vicky, no DF (Foto: Marcondis Nascimento/Arquivo pessoal)O atleta paralímpico Marcondis Nascimento e a
cadela Vicky, no DF
(Foto: Marcondis Nascimento/Arquivo pessoal)

De acordo com Nascimento, Vicky é a mais arisca entre os animais e sempre chega primeiro ao portão quando tem visita. Pouco brincalhona, mas companheira, ela adora rolar no chão, rasgar o que encontra pela frente e comer abacates e mangas que caem do pomar da casa.

"Ela cuida da casa melhor do que ninguém. Esses dias um rapaz veio fazer um serviço para a gente e estava com medo de outro cão, que nem ligou para ele. Quem mordeu foi a aleijada", ri. "Ela é brava com os outros. Era de rua, então quer sempre comer logo, não deixa ninguém encostar no pote dela. E às vezes, quando você chega perto, ela reage como se tivesse medo, como se achasse que você quer bater."

O atleta, que ficou paraplégico após levar um tiro nas costas aos 18 anos, durante uma briga entre famílias em Pernambuco, garante que não se comove pelo fato de Vicky também ser deficiente. Ele pratica tiro com arco e atualmente se prepara para uma competição nacional que ocorre em abril.

"Ela é nosso xodó, a gente tem que ter uma atenção maior, claro. E eu quero cuidar, quero ver como é isso de conviver com limitação, até porque tenho boa sensibilidade e sei me virar bem. Mas eu amo todos os meus bichos, quero o mesmo bem a todos, independentemente de ter algo ou não", afirma Nascimento.

 

Adoção responsável
Responsável pelo amparo a Vicky na ONG, a protetora de animais Ana Lúcia Vieira afirma que alguns cuidados são importantes para quem vai se responsabilizar por um bichinho, como comprar ração de boa qualidade e levá-lo periodicamente ao veterinário. Além disso, é importante ter carinho e paciência na fase de adaptação à família.

Já quando o animal tem alguma deficiência, é necessário observar outras coisas. "Tem que ter acessibilidade, uma casa em que seja possível circular de cadeirinha ou, mesmo quando não estiver usando, andar com segurança", destaca.