Não dê tanto valor ao problema!
Será que fazer drama já virou hábito e está atrapalhando a sua vida? Rompa o ciclo e não se deixe levar nunca mais por expectativas catastróficas
Cada vez que um namorado se atrasava para um encontro ou saía sem ela, Patrícia Reidler, gerente de uma casa noturna em São Paulo, logo começava a minhocar: está com outra. Ou saiu com amigos porque são mais interessantes. Bastavam dez minutos de atraso e Patrícia já se via traída e abandonada, rompendo o namoro. Quando o moço aparecia, mal conseguia explicar a razão da demora. Mergulhada numa espiral de ansiedade, ela o massacrava com cobranças. "É óbvio que os homens correm de mim, e não tiro a razão", conta Patrícia, há dois anos sem uma relação estável. "Aumento os problemas de forma automática. Já fiz terapia, mas não consigo resolver."
Você já viu esse filme? Provavelmente sim. Não precisa ser com o namorado; pense, por exemplo, nos ataques de nervos que teve durante a reforma que fez em casa. Ou nas coisas terríveis que pensou enquanto lutava contra uma enxaqueca. No mínimo, desconfiou de um tumor ou de um aneurisma cerebral, certo? Todas nós agimos assim de vez em quando: transformamos nossos problemas em questões muito maiores e mais sérias, praticamente impossíveis de resolver, e passamos dias nos torturando com eles. A situação se complica quando um comportamento ocasional vira um jeito de ver o mundo. "É como se tivéssemos um terrorista dentro de nós, alguém que nos diz o tempo inteiro que tudo é pior do que parece", explica a psicoterapeuta Rosane Landmann. "Ficamos reféns de um estado emocional que nos impede de pensar, de recorrer à memória ou de fazer associações lógicas."
Por exemplo: a engenheira química Carolina, que prefere não revelar o sobrenome, 31 anos, cortou o dedo com uma faca de cozinha e, em minutos, previu uma infecção feroz, amputação do dedo, aposentadoria... Como havia tomado vacina antitetânica, se conseguisse parar para pensar, ia perceber que dificilmente o corte evoluiria para algo mais grave. O fluxo de pensamentos negativos, entretanto, só foi interrompido na hora em que o marido olhou o ferimento e decretou: Não é nada, um curativo resolve". Então ela sossegou.Quando estamos envolvidas na bola de neve dos maus pensamentos, sair dela sem ajuda exige um esforço monumental. É freqüente que alguém tenha que dar um toque para que a gente volte à realidade e consiga dimensionar melhor a situação. E sofremos durante todo o processo, claro. "Ao superdimensionarmos os problemas, saímos do real e nos metemos no campo das idéias, dos medos", observa o psicólogo Antonio Carlos Amador Pereira, professor da PUC-SP. E, se temos medo, tendemos a nos apegar às idéias negativas."
Embora situações de stress nos levem a agir assim, por trás dessa atitude estão mecanismos bem mais complexos. Muitas vezes, ela brota de uma profunda insatisfação pessoal com o que somos, com o que fazemos ou com a forma de nos relacionarmos com o mundo. "É como se nos disséssemos: 'Eu não mereço que as coisas dêem certo' ", acredita Márua Pacce, professora de ioga e terapeuta junguiana. Há pessoas que exageram para dar vazão a desejos inconfessáveis, criando assim justificativas para eles. Suponhamos que você queira brigar com o pedreiro que toca a obra na sua casa porque ele atrasou o trabalho.
Então, quase torce para que algo dê errado - o que lhe dará o motivo para brigar. Outras acham que, quanto maior o problema que enfrentam, mais importantes elas são aos olhos do mundo - então aumentam mesmo. Quase sempre, esse aprendizado vem de casa. "Minha mãe aumentava tudo", conta a escritora Adriana Falcão, hipocondríaca confessa - e o que é a hipocondria senão um jeito de aumentar problemas? Ela se lembra dos tempos de infância, quando o pai demorava para voltar para casa, e a mãe, agoniada, imaginava mil tragédias. "A estratégia dela era sair para dar voltas no quarteirão, deixando as filhas de plantão na janela. Cada vez que passava por nós, perguntava por ele - e só entrava em casa quando o papai chegava." A ansiedade que "herdou" da mãe se traduz em tiradas que, para o marido e as três filhas, tornaram-se folclóricas. Uma noite, a escritora estava em casa com uma das garotas quando houve um corte de energia. "Filha, acabou a força ou eu morri?", perguntou, a sério. Virou piada na família.
Todas temos abacaxis para descascar na vida - o que muda é a forma como cada uma lida com isso. Quem é do time do "tudo vai acabar bem" encara a crise como uma oportunidade de enriquecimento pessoal, enfrenta e resolve. Essa capacidade está ligada à nossa continência emocional, isto é, à quantidade de problemas que conseguimos absorver e liquidar. Uma história zen-budista extraída por Márua Pacce do livro Raízes e Asas, de Bhagwan Shree Rajneesh (Cultrix/Pensamento), ilustra esse conceito. Certa vez, o mestre japonês Nan-in concedeu uma audiência a um professor de filosofia. Ao servir o chá, Nan-in encheu a xícara de seu visitante mas continuou despejando sem parar. A certa altura, o professor não se conteve: "Pare, a xícara está mais do que cheia. Nada mais cabe aí", disse ele. Nan-in respondeu: "Como essa xícara, você também está cheio de opiniões e idéias. Como posso mostrar-lhe o zen sem que antes você esvazie a sua xícara?" Quando nossa "xícara" transborda, perdemos a noção do tamanho real do que temos pela frente.
A boa notícia é que continência emocional pode ser expandida - e isso faz toda a diferença na maneira como enxergamos as dificuldades. Uma auto-análise pode ajudar a entender por que nossa "terrorista interna" é tão poderosa. Assim, abrimos caminho para derrotá-la e fortalecer nossa identidade. "O segredo é se perguntar: a serviço de que está esse exagero?", recomenda a psicoterapeuta Valéria Meirelles. "Será que quero chamar a atenção para mim mesma? Desabafar? Disfarçar o fato de que não consigo achar saída?" A hora de fazer essas colocações é uma só: quando nos cansamos de sofrer turbinando problemas. "A ficha muitas vezes cai quando vemos alguém agir com calma numa situação difícil ou pagamos um grande mico por causa de uma reação exagerada", afirma Rosane Landmann. Bateu o desejo de declarar guerra à sua adversária interior? Algumas técnicas relativamente simples, cunhadas pelos consultores desta reportagem, podem ajudar.
- Procure ao seu redor pessoas que sejam modelos de tranqüilidade absoluta. Os mais velhos costumam se encaixar nesse perfil. Sabe aquela avó sábia que costuma dizer que tudo passa na vida? Transforme-a em heroína.
- Anote situações que você dramatizou em pensamentos e procure se lembrar de quantas vezes a "profecia" realmente se cumpriu. Certamente terão sido pouquíssimas.
- Antes de dormir, escreva num bloquinho os obstáculos que precisa superar. Ao escrever, a gente se torna uma observadora das próprias ações e vê com um pouco mais de clareza os possíveis exageros que cometemos.
- Por maior que seja a avalanche de pensamentos ruins, respire fundo e dê um chacoalhão em si mesma. Pare e se pergunte: "Por que estou fazendo isso comigo?" Questionar uma atitude contraproducente é um grande passo para começar a desarmá-la.
Não menospreze os toques de amigos, da família e dos colegas de trabalho. Quando eles lhe disserem que você está indo longe demais, acredite, porque pode ser verdade.
- Invista em técnicas de relaxamento para controlar a ansiedade, o motor do exagero: ioga, meditação, massagens... Quando relaxamos, ficamos mais centradas e conseguimos separar com maior nitidez o que é real do que é apenas o fantasma criado pela nossa imaginação.
- Quando a situação parecer maior do que a sua capacidade de resolvê-la, experimente contar o que está havendo a diversas pessoas. É como se você desgastasse o problema, que a cada relato vai parecer menor.
- Gaste muita energia com atividades físicas. Corpo cansado em geral é sinônimo de sono mais tranqüilo. Durante a atividade física, o corpo produz endorfina, um hormônio que induz a uma deliciosa sensação de bem-estar.
Convenhamos: é uma pedreira. Haja coragem para fazer a nós mesmas as perguntas certas que ajudam a abandonar o "vício". Mas vale a pena enfrentar o desafio. "Quem vive no mundo da interpretação não curte o presente", alerta o psicólogo Antonio Carlos. A consultora de casamentos Márcia Possik ajuda noivas a preparar tudo para o dia D; tornou-se, portanto, uma especialista em lidar com mulheres que multiplicam problemas. "Uma vez, uma noiva cismou que o estacionamento diante da igreja não estaria aberto", lembra. "Ela se via chegando para casar e encontrando a igreja vazia, porque os convidados não tinham onde parar o carro." Para não perder a calma, Márcia repete para si mesma uma frase famosa que virou seu lema: No fim, tudo vai dar certo. Se não deu certo, é porque não chegou ao fim". É bem possível que ela tenha razão.
Terrorismo contra a terrorista dentro de você
Com mais de 40 milhões de leitores no mundo todo, Não Faça Tempestade em Copo d'Água, de Richard Carlson (Rocco), é um clássico de auto-ajuda. Algumas das propostas do autor para combater o hábito de exagerar problemas são radicais. Quando nada mais funcionar, tente estas estratégias, extraídas do livro: Imagine que todo mundo tem algo a nos ensinar. O funcionário do banco está fazendo corpo mole para atender? Tente se convencer de que ele é um iluminado que está tentando lhe mostrar o caminho da complacência. Assim, você não enxerga a espera como um problema que pode crescer.
- Visualize seu próprio funeral. Parece assustador, mas é um jeito de olhar a vida em retrospecto e identificar o que é realmente importante - com a diferença (fundamental) de que ainda dá tempo de mudar.
- Procure sentir-se no olho de uma tormenta - o ponto específico no centro de um ciclone ou furacão onde tudo permanece calmo, a despeito da violência ao redor. Tente imaginar-se como uma ilha de paz num mar de turbulências; isso faz com que fiquemos sintonizadas no presente e, mais centradas, vejamos os problemas com mais clareza.
O reverso da moeda
Tem gente que vai pelo caminho oposto: minimiza os problemas e faz de conta que nada de diferente está acontecendo. "Meu consultório vive cheio de mães-avestruz, que acham que a febrinha dos filhos não é nada quando o quadro pode ser grave", conta a psicoterapeuta Valéria Meirelles. Para os psicólogos, pessoas com essa tendência precisam de alguém que as alerte o tempo inteiro sobre os riscos que correm ou acabam aprendendo pelo caminho da dor. Se você age assim com freqüência, procure se perguntar a razão. Será que não está pronta para resolver os problemas e foge deles? As respostas podem trazer mudanças para a sua vida. Talvez requeira ajuda profissional.


