Mentiras para fugir da realidade.
Existe uma rede de mentiras que nos sustentam e que muitas vezes são as algemas que nos prendem a determinadas situações sem que percebamos. Por isso, temos a sensação de que não importa o que façamos, não conseguimos seguir em frente.
Quando a força dos fatos se torna ameaçadora, por vezes, o medo do sofrimento nos faz tentar fugir da realidade, bloqueando a nossa atenção e nos enganando. Por isso, preenchemos os espaços vazios com explicações imaginárias ou fantasiosas, de maneira automática. Diz o ditado popular: “o que os olhos não veem, o coração não sente”.
Dessa forma, se eu não vejo, se não percebo o que está acontecendo, o perigo e a ansiedade diminuem e eu consigo seguir em frente. Os fatos foram ignorados e modificaram o significado da experiência. A mentira está presente, sem que percebamos, oculta atrás dos silêncios, das justificativas, das negações e dos castelos de areia.
A mentira se mantém pelo poder da nossa atenção seletiva para esconder e modificar as verdades dolorosas, criando uma realidade mais aceitável para nós.

Um disfarce que nos recorda o “falso self” de Winnicott, onde a fantasia é considerada parte do desenvolvimento natural da identidade do ser humano, desde a primeira infância. Isto atenua a angústia e o sofrimento gerados pelas expectativas que os pais colocam nos filhos; eles renegam a si mesmos e constroem um personagem de acordo com o ideal que os seus pais criaram.
O autoengano no dia a dia
O autoengano pode ser gerado para satisfazer as nossas próprias expectativas ou as dos outros; ou como uma forma de justificarmos que não queremos ver a realidade como ela é.
Isso pode acontecer nos relacionamentos de casal quando, por exemplo, não nos damos conta de que a situação está insustentável e de que os nossos sentimentos mudaram. Pode acontecer também, nos casos de dependência química, quando a pessoa acredita que pode controlar o seu consumo; nas relações sociais e políticas…
O autoengano é uma defesa contra as ameaças de perigo, que se destaca como uma armadura que nos protege das experiências difíceis de assimilar, uma couraça do caráter como dizia Willhelm Reich. Um escudo atrás do qual o “eu” se esconde, utilizado para proteger-se da ansiedade de viver em um mundo considerado hostil.
Então, quanto melhor enganarmos a nós mesmos, melhor enganaremos os outros. A melhor maneira de esconder uma decepção profunda é não estar ciente dela.
Os efeitos do autoengano
O autoengano pode ter muitos aspectos e, por vezes, um custo muito elevado. Nestes casos, o mundo da pessoa está fragmentado e a informação ignorada está no seu inconsciente, escondida pela mentira da consciência.

Assim, como Daniel Goleman afirma em seu livro “O ponto cego”, o primeiro passo para despertar do autoengano é perceber de que forma estamos “dormindo”. Ou seja, em primeiro lugar, considerar a possibilidade de que estamos nos enganando em algum aspecto da nossa vida e, em seguida, entrarmos nessa teia de aranha que nós mesmos construímos para fugir da realidade.
Muitas vezes não percebemos o que nos desagrada e também não percebemos que não percebemos nada… A maioria de nós fez um pacto, sem saber, com este velho provérbio árabe:
“Não desperte o escravo porque talvez ele esteja sonhando que é livre”. Mas, o sábio dirá: “Desperte o escravo! Especialmente se sonha com a liberdade. Se despertar e perceber que ainda é um escravo, talvez possa se libertar”


