IGNORÂNCIA: A ORIGEM DO EUROCENTRISMO

A nossa moral, a nossa língua, os nossos direitos, e inúmeras outras coisas nossas, são de origem europeia. A Europa dominou a maior parte do mundo. Em 1922, só o Império Britânico dominava cerca de 458 milhões de pessoas, um quarto da população do mundo na época. E abrangeu mais de 33,7 milhões km². Hoje não temos uma dominação militar como na época, mas temos uma dominação cultural, da qual os costumes, a arte, a moral etc, são todos importados dos países ditos de primeiro mundo, para os nossos. Esse é o chamado Neocolonialismo, uma nova forma de se colonizar. Essa centralização do polo mundial político e econômico é o chamado Eurocentrismo. O nosso mundo tem como o seu centro dominante, a Europa.
Algo que não nos vem à cabeça facilmente, é o fato da Europa não ter sido sempre o centro do mundo. Como assim? Bem, nós sempre estudamos predominantemente a Europa na escola, como se ela fosse sempre assim: o mais importante de tudo. Mas não. Esse tal Eurocentrismo, só aconteceu depois, no século XVIII, XIX. Antigamente, muitos asiáticos e africanos não conheciam bem a Europa, e as vezes, nem a conheciam. A Europa era apenas mais um entre os continentes querendo poder. Eles perdiam guerras, ganhavam guerras, mandavam, obedeciam. No ocidente, seus inimigos mais conhecidos eram os muçulmanos. No oriente, os turcos. A Europa não era, até o século XVIII, o centro do mundo.
Mas como a Europa então se tornou o tal centro do mundo no século XVIII? O que fez aquele continente, ou melhor, o ocidente daquele continente, ganhar todo esse poder? A resposta pode parecer um pouco paradoxal, mas não é. A origem do Eurocentrismo é a ignorância.
Sei que tudo está ainda bem confuso. As coisas não se encaixaram perfeitamente como num final de Jogos Mortais. Mas vamos lá:
No século XV, XVI, naquela transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, estava sendo criado algo novo na mentalidade do homem. Algo que faria mudar totalmente o seu conceito de mundo, que seria o ponto de partida para a construção do nosso mundo tal como conhecemos: estava sendo criada a ciência moderna.
Não que a ciência não existisse antes, claro. Mas a ciência daquela época, além de inexpressiva, era totalmente atrelada à Filosofia e não tinha essa relação direta com o conhecimento prático, provado, empírico. Diversos movimentos são ligados a essa chamada Revolução Científica. Entre eles destacam-se o Renascimento, a imprensa com Gutenberg, a Reforma protestantes etc.
A ciência moderna tem a ignorância como princípio fundamental. Antigamente, o teocentrismo nos dava todas as respostas para as nossas dúvidas. Se perguntássemos algo que não estava em um dos nossos livros sagrados, a pergunta era irrelevante, e não era digna de conhecimento. Por que as teias de aranhas variam entre si? Por que os ursos hibernam? Por que os filhotes de cavalos recém nascidos já nascem correndo, enquanto os de seres humanos, ditos superiores, não conseguem se mover? Parafraseando Stephen Hawkings, “O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, e sim, a ilusão do conhecimento”.
Partindo do pressuposto que não sabemos nada, poderíamos começar tudo de novo. Poderíamos enxergar as coisas de uma forma bem mais prática. Foi nesse contexto que nasceu o empirismo.Entende-se por empírico aquilo que pode ter sua veracidade ou falsidade verificada por meio dos resultados de experiências e observações. Teorias não bastam, somente através da experiência, de fatos ocorridos observados, um conhecimento é considerado pelo empirista.
Resumindo, o que fez a Europa tornar-se o centro do mundo foi a Revolução Científica.
Existe um simbolismo enorme representando isso nos mapas mundis europeus. No século XV, antes de se descobrir a ignorância, o europeu acreditava saber de tudo com o teocentrismo. Dê uma olhada neste mapa mundial de 1454:

Mapa-múndi de Fra Mauro em 1459 (a orientação original é invertida, com o sul para cima). O mapa é completamente cheio de detalhes. Não há espaço na imagem para acrescentar mais nada. O europeu já sabia de tudo
Este mapa pode nos mostrar qual era a concepção de mundo para os europeus do século XV. Podemos ver que o mapa é extremamente preenchido. Não há espaço para nada. Todos os espaços do mapa possuem detalhes, minúcias. E por quê? Porque o europeu acreditava saber de tudo. Ele acreditava que todo o conhecimento do mundo já estava em suas mãos. A religião respondia tudo que era preciso ter respostas.
Lembrando que esse mapa foi feito antes da descoberta da ignorância.
Certo. Mas ainda sim, não temos uma explicação para o Eurocentrismo. Afinal, esses movimentos que aconteceram como causa da Revolução Científica, são movimentos muito abstratos. O renascimento traz o antropocentrismo, mas não tira a religião de jogo. Fora que em outros impérios o homem era o centro, desde muitos anos. O antropocentrismo não poderia fazer sozinho essa mentalidade florescer. A imprensa foi importante, mas ela só propagava as informações. Não revolucionava com ideias novas. E a reforma protestante, por mais que tenha diminuído o monopólio da Igreja Católica, ainda sim era um movimento de cunho religioso. Ele não tirava a importância de colocarmos a religião em primeiro plano. Pelo contrário, as vezes até enfatizava.
Esses movimentos citados não poderiam fazer o que fizeram, sozinhos. Mudar a mentalidade a esse nível, não é possível com movimentos específicos assim. Na China a religião era bem mais humanista (assim como todo politeísmo, mas isso é assunto para outro texto) e mesmo assim não houve essa descoberta da ignorância. Argumenta-se, também, que a Europa era um continente muito frio, e por isso os europeus foram obrigados a pesquisar meios de sobrevivência, o que fez com que eles descobrissem mais sobre o mundo, e, com isso, tomaram a frente na corrida científica. Mas esse argumento é inválido, já que a Rússia em pleno século XIX era praticamente feudal. O que aconteceu então pra que a Europa pudesse descobrir a ignorância?
Na história, teve um acontecimento que mudou todo o mundo. Um acontecimento que faria todos repensarem sobre tudo. Algo de uma proporção tão grande, que fora chamado de descoberta do novo mundo.
Sim, estou falando da descoberta da América.

Cristóvão Colombo foi um navegador e explorador genovês, responsável por liderar a frota que alcançou o continente americano em 12 de Outubro de 1492. Via Wikipedia.
A América não foi simplesmente a descoberta de um continente. Ela foi uma descoberta de algo que o europeu não sabia. Em nenhuma parte em seus textos religiosos, falava-se sobre a existência de um outro continente tão grande. Algo com tantos seres novos, com uma flora e fauna absolutamente nova, com uma geografia nova, com tudo novo. É como se hoje algum astronauta encontrasse um planeta novo, que estava lá do nosso lado o tempo todo. E esse planeta fosse totalmente habitável. O que poderíamos falar da nossa astronomia depois disso?
Cristovão Colombo, após provar que a Terra era redonda, recebeu três fragatas da coroa espanhola e decidiu dar a volta ao mundo para chegar às índias. Já que o trajeto pela terra era deveras perigoso. As índias eram uma região na Ásia que possuía diversas especiarias que interessavam aos europeus.
Cristovão Colombo então, foi ao oeste pensando que ia encontrar as índias, após navegar por dias. Até que então, surpreendentemente, ele encontrou algo jamais visto. Um mundo novo. A América. Ele não acreditou que aquilo era um outro mundo, ele achava que aquilo eram as tão sonhadas índias. Inclusive por isso, ele colocou o nome dos habitantes do novo mundo de índios.
Aquele momento foi extremamente importante para a História. Encontrava-se então, um novo mundo. Muitos não acreditavam ser um novo mundo, mas apenas algumas ilhas espalhadas. Um italiano chamado Américo Vespúcio foi o primeiro a admitir que não sabia o que era aquilo. Que aquilo era sim um novo mundo, e que o europeu não sabia o que era. Vespúcio escreveu uma carta, intitulada Mundus Novus, dirigida a Lorenzo de Medicis, que foi publicada em janeiro de 1504. Américo Vespúcio talvez fora o primeiro homem moderno, por ser o primeiro a descobrir a ignorância.
A partir daí, a ciência começou a ganhar força. Lentamente, as descobertas científicas eram necessárias. Por quê? Porque o novo mundo criou uma necessidade de entendimento enorme. Estava-se diante de algo totalmente novo. Para entenderem as plantas, entenderem os animais, entenderem a cartografia, entenderem a ética para lidar com os índios, para entender tudo do novo mundo, era preciso pesquisar. E a ciência fez isso. E foi exatamente isso que fez o europeu desenvolver sua tecnologia.
Os europeus foram os primeiros a construir linhas férreas, o que ajudou a desenvolver muito rapidamente o continente. Econômico, político e socialmente.
A religião perdeu sua credibilidade. E mesmo se ainda tivesse alguma, onde, em seus textos sagrados, a religião falava sobre qualquer coisa da América? O europeu não poderia, mesmo se quisesse, apoiar-se na religião para entender o novo mundo. A religião simplesmente desconhecia a América.
As pesquisar científicas fizeram toda a diferença para a Europa conseguir seu monopólio. Desde descobertas de plantas americanas que curaram a Malária (fato que permitiu que os exércitos europeus conquistassem a África, já que antes eles morriam dessa doença), até descobertas éticas que mostravam que o europeu estava levando a sua cultura superior para os povos inferiores, legitimando de uma forma não religiosa o imperialismo (claro que eles estavam errados nesse segundo).
Descobriu-se então a ignorância. A Europa viu que não entendia tudo do mundo e foi essa descoberta que a fez ser superior e dominar os outros continentes e países.
Lembram do simbolismo do mapa mundi antes de se descobrir a América? Dê uma olhada agora no mapa depois de descobrirem:
A História europeia continuaria, então. Depois de mil anos na Idade Média, retomava-se os trilhos do conhecimento. Quando Américo Vespúcio escreveu a carta Mundus Novus, ele estava partindo de onde o filósofo grego Sócrates parou, ao dizer a máxima:
“Só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa.”.
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