Frustrando expectativas

10/05/2014 20:24


Com a rotina, parceiros vêem que se perderam em suas projeções sobre o outro e acabam comprometendo a relação

Por Eduardo Renso Zimiani
 

 
 

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Na sociedade atual, existe uma crescente demanda dentro dos consultórios de atendimento psicológico acerca do tema: “Meu casamento está em ruínas” ou ainda “Amo meu companheiro (a), mas não agüento mais ele (a)”. Estas questões revelam um triste quadro sobre as dúvidas freqüentes acerca de continuar casado ou optar por um divórcio (talvez forçá-lo). Neste momento, o leitor deve estar se perguntando algo como: “Mas o casamento não é uma possibilidade de felicidade dentro daquilo que nos é ensinado desde crianças? Crescer, trabalhar, casar, ter filhos, envelhecer e morrer, sempre com a mesma pessoa a seu lado, continuando assim o ciclo em que a sociedade e a cultura espera que estejamos inclusos – e, no qual, mesmo que em parte, também esperamos estar inclusos?”

É certo que este sonho – se é que podemos colocar desta forma – é algo que desde cedo é ensinado a nós como uma possibilidade de felicidade, se não a mais importante. Mas por que existem tantas pessoas que acreditam piamente terem encontrado suas chamadas almas gêmeas, e mesmo assim, não são felizes ao lado delas?

Podemos pensar e observar ao nosso redor diversos motivos pelos quais são instauradas crises em um casamento: situação financeira insatisfatória; estresse do indivíduo que repercute em suas relações, tentativas frustradas de adquirir bens de consumo variados e não ter condições para obtê-lo, ou então, aquilo que propomos refletir neste artigo: as projeções daquilo que esperamos que o outro seja e não é, culminando em frustração. E, talvez, o problema seja justamente esse: a crença no sonho daquilo que esperamos para nós mesmos – seja nas relações amorosas, no trabalho, na família, no cotidiano. As projeções, no sentido psicológico, e de uma maneira fácil de se entender, podem ser explicadas como o conjunto de idealizações, expectativas, sonhos, nos quais esperamos algo para nós mesmos. A partir daí, colocamos (ou literalmente projetamos) nos outros, metas, realizações e características, sejam elas positivas sejam negativas.

"AS PROJEÇÕES SÃO O CONJUNTO DE IDEALIZAÇÕES, EXPECTATIVAS,
SONHOS, NOS QUAIS ESPERAMOS ALGO PARA NÓS MESMOS"

Essas projeções não são meramente aleatórias, pois são influenciadas pela nossa história pessoal. Há algumas figuras psíquicas envolvidas no processo, mas neste artigo será focado sobre aquilo que Jung chamou de Anima e Animus. “Anima (do latim: ‘alma’), o lado feminino, inconsciente, da personalidade do homem [...] o desenvolvimento da anima de um homem reflete-se no modo como ele se relaciona com as mulheres”. “Animus (do latim: ‘espírito’), o lado masculino, inconsciente, da personalidade da mulher. Ele personifica o princípio do logos (razão)” (James A. Hall: Jung e a Interpretação dos Sonhos, Editora Cultrix, 1983).São Anima Animus responsáveis pelas escolhas e desejos inconscientes em relação aos parceiros e também funcionam como uma espécie de “modelo indireto” para buscar parcerias à altura destas projeções.

Rumo ao fracasso

Muitos casais entram em crise com frases como “você mudou, não te reconheço mais” ou ainda “é muito pedir que você seja diferente?”, por esperarem que seu parceiro ou parceira sejam da sua maneira, e não como estas pessoas de fato são. Isso não significa que há falsidade, ou ainda que alguém tenha demonstrado ser de um jeito durante a conquista, namoro e depois, de outro. Já dizia a máxima popular: “O pior cego é aquele que não quer ver”. Isso não significa que APENAS cada um dos integrantes do casal seja responsável pela crise conjugal, mas sim que aspectos como a falta diálogo está sendo um fator determinante para os problemas. Ou seja: muita idealização daquilo que o outro poderia ser no relacionamento. Conseqüência disto: pessoas que não se conhecem adequadamente, ao serem apresentadas a outras como ela, caem nas armadilhas de suas próprias ilusões e primeiras impressões, que não se permitiram conhecer adequadamente, situação que numa etapa posterior extravasa os limites daquele que idealizou, gerando frustração pela expectativa não satisfeita, mas que faz com que a relação se sustente, a partir daí na base do medo de perder o amor, tornar-se solitário, receio de que uma separação possa fazer sua própria situação financeira degringolar, entre tantos outros motivos possíveis, originados com pequenas projeções, ampliados pela distância, pela falta de companheirismo, sinceridade e, principalmente, pelo excesso de cobranças e problemas “varridos para debaixo do tapete”.

Como exemplo, podemos tomar uma executiva que deseja que o parceiro seja romântico, cavalheiro, mas que em seu ambiente de trabalho, porta-se autoritária e incisiva (que a faça ter atitudes mais masculinizadas), e ao buscar sua “alma gêmea”, pode encontrar um homem que seja dinâmico, supra suas necessidades, seja provedor tanto afetivamente quanto profissionalmente, mas que tenha uma anima mais atenuante – quase feminina, por assim dizer – e que compense e supra sua necessidade de sentir-se mais feminina no relacionamento. Bem como o homem, que igualmente deseja ser mais romântico e cavalheiro, precise de uma mulher que aceite este cavalheirismo, sem que tente diminuir sua masculinidade por conta disto. Caso estas necessidades não sejam supridas, provavelmente os protagonistas destas situações obterão sofrimentos amorosos em sua vida conjugal. Contudo, igualmente terão problemas caso os encontrem e não se permitam ser eles mesmos, com o devido respeito aos seus Animus e Anima dentro da relação, sem que a mulher seja dominada pelo Animus e sem que o homem seja dominado pela Anima presentes neles. Isto ajudará para que não haja conflitos de identidade ao negar o restante do conjunto de suas personalidades.

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O homem romântico e cavalheiro precisa de uma mulher que aceite este cavalheirismo sem que diminua sua masculinidade

VIVAM AS DIFERENÇAS

Muitas pessoas tomam por características positivas ou negativas algo que seus parceiros, ou mesmo amigos e parentes, possam possuir, quando não necessariamente isto possa ser uma verdade para ela mesma. Um homem, porventura, que seja mais explosivo e ativo possa se dar muito bem com atividades que exijam mais imposição, liderança, e iniciativa. Entretanto, caso ele trabalhe em um ambiente que deva ser mais cauteloso, calmo e passivo, isso pode lhe causar problemas, mesmo que ache que está ocorrendo tudo bem com ele. Esta explanação serve como prelúdio para as seguintes questões: Será que as pessoas sabem o que é bom pra elas num relacionamento, ou ainda, se seu parceiro (a) é a pessoa “mais adequada” para ela? Convenhamos, é fácil atrair-se pelo outro quando este está numa posição de des- taque, ou mesmo que aquela pessoa seja boa, melhor ou mais adequada num determinado convívio social. Estas características positivas que são tomadas como referência, caso sejam as únicas observadas pela pessoa – ignorando ou não, dando a devida atenção às negativas – esta atração geralmente acarreta problemas e sofri- mento psíquico para o indivíduo.

Características boas e más, sejam elas quais forem, são prerrogativas de cada um; cada um elege aquilo que é bom ou mau para si. Uma pessoa demasiadamente enérgica e impositiva dificilmente conseguirá relacionar-se com ou- tra semelhante. Para elas, uma boa alternativa está em procurar alguém mais passivo e co- medido. Agora, é bom ser enérgico ou é bom ser comedido? Depende das pessoas que se encontram nesta situação e do contexto social em que elas vivem naquele momento.

Em busca do sucesso

A fórmula, se é que podemos falar de fórmula, não existe, porém funciona: estabelecer um diálogo sincero, umacumplicidade única ajuda muito, e respeitando os limites de cada pessoa dentro do relacionamento. E antes que haja confusão sobre como isto é possível, vamos lembrar que cada pessoa no planeta funciona de um jeito, e portanto, não há como traçar uma fórmula para toda a população. Há, porém, ingredientes essenciais que funcionam adequadamente se não para a totalidade da população mundial, ao menos a grande maioria: auto-conhecimento e respeito a si mesmo, e ao outro.

À medida que as pessoas permitem- se conhecer ao outro sem ficarem excessivamente presas em seus próprios sonhos, fantasias, expectativas e projeções, aumenta a possibilidade de criar uma relação mais estável e duradoura. E mesmo quando um problema surge, este pode não tomar proporções avassaladoras, pois permite abertura para o diálogo que ajude a resolver o problema. E aqui, outro ponto importante: nenhuma relação é saudável quando arrasta problemas, seja por medo de falar e ferir o outro, seja por medo de se expor. E caímos novamente na boa e velha fórmula, citada no princípio deste trecho – autoconhecimento, diálogo, sinceridade e respeito – esta dinâmica é quase o que podemos chamar de “fórmula do amor”, e mais que isso, fórmula de uma relação em que existe um valor por muito esquecido em tempos de crise conjugal: confiança.

Quanto mais a pessoa se conhece, melhor para ela na relação a dois. Além disso, outra questão de suma importância é pensar no que é paixão e amor. Podemos compreender pai- xão pelos sentimentos de identificação parcial e pessoal do outro, mas, além disso, daquilo que cada um projeta e espera que o outro tenha como características. É a fase em que o indiví- duo observa as qualidades e atitudes que espera do outro, tomando-as como uma totalidade na maioria das vezes, e dificilmente procura observar as demais, ou não as conhece ainda, promovendo uma identificação superficial com a pessoa pela qual se interessou. Espera-se que este conhecimento seja temporário, pois caso contrário, a pessoa ficará imersa nas projeções da paixão, e por conseqüência, viverá a relação de modo incompleto e parcial. Já no amor as projeções acontecem em menor número, pois os parceiros se conhecem mais e melhor e de forma mais coerente como são em sua totali- dade. Esta etapa consolida-se à medida que diminuem as paixões e amadurecem a cumpli- cidade, o companheirismo e, principalmente, a sinceridade descompromissada. É, portanto, o mais adequado para evitar conflitos como os citados anteriormente. Imprescindível dizer que durante toda a vida haverá projeções por parte de ambos do casal, porém estas projeções, se já estiverem dentro de um contexto amoroso, não serão significativas o suficiente para acar- retar uma possibilidade de término do relacio- namento. Essas pequenas expectativas, quando concretizadas, acrescentam à vida do casal gratas surpresas e alegrias a respeito de um eterno processo de conhecimento um do outro.

Para ver e pensar

*O filme A História de Nós Dois (History Of Us) conta a história de Ben e Katie que, após 15 anos de casamento, estão revendo os motivos pelos quais se casaram, suas discussões e o que os motiva a ficarem casados. Durante as férias dos filhos em um acampamento, os dois se separam para refletirem so- bre suas vidas, ques- tões as quais ainda não haviam pensado sobre o outro e sobre si mesmos, e como eles dão novos significados para fidelidade, companheirismo, entre outros. O filme é baseado na história real de seus autores.

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ATÉ QUE A FELICIDADE OS REÚNA

É muito fácil atrair-se por uma pessoa e se sentir apaixonado(a) pelas características que são consideradas positivas em outrem. Difícil é reconhecer no outro aquelas características que são consideradas negativas e, mesmo assim, não tomá-las como determinantes para crises ou cobranças do casal; e, sim, algo capaz de ser tolera- do e menos importante no relacionamento.

O amor de verdade, e, mais que isso, a estabilidade de uma relação não está em di- zer para ele ou para ela “eu te amo” como se fosse “bom dia” nem cobrar que ele ou ela tenha estas ou aquelas características e com- portamentos. O amor verdadeiro é aquele momento em que você é capaz de dizer que o (a) ama apesar de todas aquelas manias, defeitos, e outras tantas coisinhas irritantes de que ele ou ela é capaz de fazer, mas sabendo que é com aquele ser que você quer passar o primeiro e último dia do resto da sua vida.

 

*Artigo adaptado do trabalho “Casamento: Possibilidade ou Dificuldade?”, apresentado na 4ª Jornada Psicoblue, orientado por Sueli Takayama 
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