Eu penso, logo eu sinto, portanto reajo emocionalmente

12/10/2019 20:47

Nós sofremos pelas avaliações e interpretações que fazemos acerca de nós mesmos e da nossa vida. Aqui estão alguns tipos de discurso que podem conduzir-nos ao sofrimento emocional: “Eu nunca consegui atingir todo o meu potencial”, “Eu não tenho amigos suficientes”, “Eu vou estar sozinho na velhice”, “Ninguém me leva a sério.” Este tipo de pensamentos interpretativos são induzidos pela nossa história pessoal e situação individual, mas eles equivalem a medos vagos e na grande maioria das vezes sem fundamento. (Como é possível definir o potencial? Quantos amigos são suficientes? Posso ter a certeza sobre o futuro? Como eu sei se sou levado a sério?). Muitos de nós preocupamo-nos com pensamentos improváveis de estar a acontecer ou virem a realizar-se.

Porque pensamentos vagos e improváveis carregam tanto peso? É uma pergunta que vale a pena perguntar de vez em quando. Para responder, vou recorrer à neurociência. O que uma compreensão básica do cérebro pode sugerir sobre a razão pela qual as crenças têm tanto peso nas nossas avaliações e interpretações?

Zonas cerebrais especializadas nas reações emocionais

Em termos mais simples, temos centros emocionais no córtex cerebral que “pintam” as nossas atitudes. A amígdala é uma estrutura cerebral altamente implicada na manifestação de reações emocionais e na aprendizagem de conteúdo emocionalmente relevante, e consequentemente criadora dos sentimentos negativos (e igualmente de alguns positivos). Reconhece as ameaças e estimula-nos a reagir. A amígdala é a grande reguladora dos disparos emocionais, como a raiva e medo.

Os centros emocionais são considerados mais primitivos do que as regiões cerebrais responsáveis pelo pensamento racional e mais elaborado, pois desenvolveram-se mais cedo no processo evolutivo. Mas as emoções são vitais mesmo para a tomada de decisão lógica. Tem sido demonstrado que quando as pessoas sofrem danos nestas regiões “emocionais” do cérebro, às vezes elas perdem a capacidade de fazer escolhas. Apesar de serem capazes de listar os prós e contras de opções concorrentes, elas não conseguem escolher entre as várias opções. Porque não? Provavelmente porque essas pessoas não têm a sensação de que escolher é importante para elas

As emoções são valiosas. Não são surtos infantis, rudimentares que dominam o pensamento mais elevado. São os motores que nos impulsionam para o que importa na vida. Na grande maioria das vezes para aquilo que nos é significativo. Ainda assim, embora os sentimentos sejam vitais e necessários, eles pode colocar-nos em apuros. Mas qual a razão?

A evolução das emoções como vantagem para a sobrevivência

Considere como as emoções evoluíram. Compartilhamos a amígdala e as estruturas de emoção relacionadas com outros mamíferos. Uma das razões pelas quais nos unimos melhor com os cães do que com os lagartos é que os mamíferos exibem profundidade emocional, mas os répteis não. Os cães podem parecer felizes, abatidos, esperançosos, amorosos e zangados. Lagartos não podem. À medida que os mamíferos se tornavam emocionais, algo importante era adquirido: o sentimento.

As emoções servem como fortes motivadores para a ação tendo como motor principal a preservação da vida. Os mamíferos respondem aos sentimentos como algo a levar em consideração porque, de fato, as emoções pesam nas decisões de vida ou morte. Uma pontada de medo pode alertar para um predador à espreita. Uma explosão de luxúria pode sinalizar uma chance de procriar. O desejo pode levar a uma refeição nutritiva.

Cada um destes casos faz a diferença para a sobrevivência, para a reprodução, para a vida. As emoções são o que motivam as escolhas vitais que mantêm uma espécie se propagando através do tempo. O animal que sente medo sabe esconder-se, ou fugir, ou lutar. Ele faz isso com paixão, impulsionado por fortes sinais internos. Da mesma forma, um animal que sente amor defende as suas crias ou o seu grupo social, e assim preserva sua progénie e parentes.

Na natureza, as emoções impulsionam comportamentos que promovem a vida: alimentação, defesa, reprodução. Os sentimentos não são preferências arbitrárias sem importância. Eles são símbolos de sobrevivência, morte e nascimento.

sentir

Reações emocionais à subjetividade

Para os seres humanos, no entanto, as emoções já não surgem apenas em situações biologicamente significativas. Elas surgem em torno de conceitos e crenças. Podemos sentir-nos ameaçados por ataques contra o status, ou competência, ou ideias, ou objetivos. Pense em guerras travadas sobre religião ou ideologia. Pense em crianças discutindo sobre o controle remoto da TV. Ou até mesmo sentir ameaça interna quando julgamos não conseguirmos vir a sentir-nos realizados na nossa vida.

Este tipo de sentimentos de natureza negativa surgem sempre que algo que nos é significativo fica comprometido, se perde, ou não nos é possível alcançar. Quando você diz que é um perdedor, certamente também se sente um perdedor, então assume para si mesmo: “Eu sou um perdedor.”

Ainda temos sentimentos fortes, mas eles não se relacionam mais apenas com as necessidades básicas da vida como alimentação, sexo e predadores. Em vez disso, os sentimentos estão ligados a ideias, a conceitos abstratos que crescem fora da cultura e da história. Mas, apesar desta desconexão, respondemos como se as nossas próprias vidas estivessem na linha da frente. Porquê? Porque é assim que nos sentimos. Como se alguém ou alguma coisa estivesse a comprometer os nossos objetivos, interesses ou valores.

Cada ideia que nos interessa possui significados que fazem disparar os centros emocionais do cérebro. Se você zombar das minhas crenças, eu sinto raiva e quero atacá-lo ou defender-me. A minha fúria seria apropriada se você ameaçasse a minha saúde física, mas faz sentido se você simplesmente discordar das minhas ideias? Os conflitos verbais deveriam aumentar? Conduzir-nos à violência? Provavelmente não, mas muitas vezes é o que acontece.

Porquê? Porque a um nível emocional é como se estivéssemos lutando pelas nossas vidas. É o que a nossa fisiologia está preparada para responder de acordo com o passado evolutivo. Os nossos centros de emoção não podem distinguir entre uma briga sobre a única gazela morta há um mês na savana e uma discussão sobre qual o programa de TV que se deve assistir (o cérebro como um todo pode, é claro, mas somente se exercermos uma supervisão racional suficiente para suprimir a reatividade emocional).

AUTOR:MIGUEL LUCAS