Considerações de Jorge Larrosa acerca de experiência de ensino
2.3. popularizou-se por seus conceitos e reflexões sobre a experiência. Em sua obra intitulada “Notas sobre a experiência e o saber de experiência” (2004, p. 154), descreveu que “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece” (LARROSA, 2004, p. 154). Nessa visão, Larrosa estabelece que o viver, a experiência, não tem um mesmo significado para todos; que a experiência tem que “passar” por nós, e nos afetar, para que adquira algum sentido. A experiência é algo particular, consistindo em acontecimentos que me afetam de tal modo que podem fazer mudar meu jeito de pensar, sentir, viver etc. Tais acontecimentos não dependem da pessoa em si, não é ela quem atua, mas é o que lhe acontece, o que a atropela, o que a afoga é que pode mudá-la. Nesse sentido, a experiência envolve a perspectiva de abandonar as certezas e se permitir permeabilizar-se a imprevistas novidades. Larrosa (2004, p. 154) considera que, na atualidade de nosso convívio cotidiano, “nunca aconteceram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara”, e enumera as razões sociais para tal afirmação sobre a escassez da experiência, semelhantemente a Borg (2003). A experiência, então, torna-se cada vez mais difícil, principalmente pelos fatos apresentados no Quadro 1. Assim, em comparação à abordagem rogeriana centrada na pessoa, as considerações sobre a experiência de Larrosa (2004) ressaltam pontos semelhantes sobre a vivência do indivíduo. Assim como Rogers (1951; 1959) valoriza as características individuais do ser, de modo que transpareça seus sentimentos, Larrosa (2004) insiste que a aprendizagem efetiva ocorre na dimensão da experiência daquilo que afeta o estudante em significância. Entre os princípios que regem a aprendizagem de Rogers (1951; Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 13, n. 2, p. 407-420, jul./dez. 2013 413 Quadro 1 – Motivos apontados por Larrosa (2004) para a crescente raridade da experiência Excesso de informação A sociedade moderna valoriza e obriga os sujeitos a ser informantes/informados. Tudo já está explicado em inúmeros processos de informação, seja em revistas, televisão, internet. As pessoas são informadas, sabem de tudo, conhecem tudo, mas são pouco afetadas pelo que sabem e conhecem. É como um viajante que, antes de empreender sua viagem, se entope de guias de viagem a ponto de estar tão informado do que verá que, quando chega ao seu destino, só consegue enxergar o que os guias de viagem informaram que era para ver. Excesso de opinião Devemos nos informar, e então dar nossa opinião. Tem que se ter uma opinião sobre tudo, posicionar-se sobre tudo, e isso diminui a experiência, uma vez que ela não se sustenta na garantia das certezas. Falta de tempo Tudo o que se passa, passa cada vez mais depressa. A velocidade com a qual recebemos, processamos e reagimos aos fatos impede a conexão significativa entre os acontecimentos e também deteriora a memória, já que os acontecimentos são imediatamente substituídos por outros que igualmente nos excitam por um momento, mas não deixam vestígios. Também é imperdoável ficar para trás, nessa obsessão por seguir o passo acelerado do tempo. Excesso de trabalho A ocupação constante leva à falta de tempo para a experiência. Tudo é pretexto para atividade, independentemente da motivação. Sempre estamos em ação, por não podermos parar, como se nada nos acontecesse. Somos seres automáticos, sem a possibilidade de um momento para parar, escutar, ver, atentar-se aos detalhes, demorar-nos neles, suspendermos nossas opiniões. Fonte: Os autores (2013). 414 Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 13, n. 2, p. 407-420, jul./dez. 2013 1959), percebe-se que a verdadeira aprendizagem ocorre não na transmissão, mas como o que é ensinado ganha força de experiência. Assim, o aprender, assim como a abertura à experiência, ocorre no momento em que o aprendiz se “desarma” do que conhece e se permite a ignorância, o não saber. É diante desse não saber que ele se torna permeável à experiência, exposto às novas sensações, sem barrá-las por conhecimentos prévios. Dessa forma, a aprendizagem significativa conversa intimamente com a abertura à novidade, àquilo que incomoda, mas ao mesmo tempo encanta por sua novidade. Se a aprendizagem efetiva se faz na experiência, é todo o mundo afetivo do aprendiz que também entra em jogo nesse processo. Não se aprende, portanto, apenas na racionalidade, mas por efeito dos afetos que são acionados na experiência, trazendo todo um mundo de significação erigido pelo aprendiz até então. O ambiente educacional também foi discutido por Rogers (1951; 1959) e Larrosa (2004). Segundo esses autores, a tradicional crença de que a racionalidade, por si só, poderia resolver todas as dificuldades de aprendizagem na instituição de ensino deveria ser substituída por uma escola em que o fator humano fosse considerado prioritário. Assim, a dedicação emocional deveria ser aflorada em meio ao raciocínio, pois o clima facilitador do processo ensino-aprendizagem se intensifica ao unir mente e sentimentos. Portanto, a experiência, ou a aprendizagem significativa, é mais profunda e duradoura quando a personalidade do estudante é completamente envolvida (sentimentos e intelecto), o que demonstra a convergência dos estudos realizados por Rogers e Larrosa. Quanto mais o estudante se aceita na relação com o professor, quanto mais na abertura afetiva e intelectual realizada, o aprendiz percebe que pode errar, fracassar, sem ser julgado menor por isso (aceitação incondicional), maiores são as possibilidades de ele se abrir a uma relação mais genuína com o professor e consigo mesmo. 3. METODOLOGIA Em relação à sua forma, esta pesquisa é qualitativa, pois, segundo Terence & Escrivão Filho (s/d apud HEYINK & TYMSTRA, 1993), é uma alternativa apropriada nos estágios iniciais da investigação, em que se busca explorar o objeto de estudo e delimitar as fronteiras do trabalho quando há especial interesse na interpretação do respondente em relação aos seus comportamentos, motivos e emoções, quando o tema da pesquisa envolve tópicos abstratos, sensíveis ou situações de forte impacto emocional para o respondente e/ou quando o universo da pesquisa é pequeno e a quantificação não é apropriada. Diante do exposto, a metodologia utilizada nesta pesquisa foi composta pela coleta de dados através de questionários enviados a dez Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 13, n. 2, p. 407-420, jul./dez. 2013 415 professores de Língua Inglesa como língua estrangeira de um curso de idiomas localizado em Viçosa, Minas Gerais. A escolha da escola de idiomas cujos docentes seriam questionados ocorreu pela aprovação dos dirigentes. A partir desse universo, obtiveram-se respostas de três professores. Nesse sentido, percebe-se que a aplicação de entrevistas semiestruturadas e/ou de questionários poderia contribuir para consolidar esta pesquisa, pois é possível “conhecer o significado que o entrevistado dá aos fenômenos e eventos de sua vida cotidiana, utilizando seus próprios termos” (LAKATOS; MARCONI, 2010, p. 278). Além disso, foram realizadas pesquisas bibliográficas, permitindo que se tome conhecimento de material relevante, tomando-se por base o que já foi publicado em relação ao tema, de modo que se possa delinear uma nova abordagem sobre ele, chegando a conclusões que possam servir de embasamento para pesquisas futuras. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Com o intuito de perceber os possíveis movimentos de aprendizagem significativa na relação entre professor e aluno, pelo contato com docentes de Língua Inglesa do município de Viçosa, Minas Gerais, foram aplicados questionários a três professores, escolhidos aleatoriamente no que diz respeito à escola a que pertenciam. Todos os participantes atualmente ministram aulas numa escola privada de inglês em Viçosa, Minas Gerais. A participante R1 é do sexo feminino, tem 30 anos de idade, viveu nos Estados Unidos durante dois anos e ensina inglês há seis anos, sendo quatro na escola em questão. Graduou-se em Direito pela UFV em 2007, porém nunca atuou na área, segundo ela, por “não aceitar as implicações da profissão que apenas veio a conhecer ao entrar no mercado de trabalho”. A respondente R2 é do sexo feminino, tem 24 anos e cursa Secretariado Executivo Trilíngue na UFV. Estudou inglês nos Estados Unidos durante um ano ao mesmo tempo em que trabalhava como baby sitter. Ensina inglês há três anos e há um ano trabalha como professora no curso. Também dá aulas particulares para alunos em sua casa há pouco mais de um ano. A participante R3 também é do sexo feminino, 24 anos de idade, e também é aluna do curso de graduação em Secretariado Executivo Trilíngue da UFV. Não tem experiência fora do Brasil, tendo aprendido Inglês apenas em cursos particulares. É professora de inglês há aproximadamente um ano e meio na escola em questão, não havendo atuado como professora anteriormente. Ao questionar como surgiu o interesse em lecionar língua estrangeira, os respondentes apontaram predominantemente o valor pessoal que essa ação apresentava. As respostas indicam que o interesse do professor em lecionar, apesar das necessidades financeiras, parece que encontra seu primeiro elemento motivador na significância do tema a ensinar na vida 416 Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 13, n. 2, p. 407-420, jul./dez. 2013 do educador, configurando um elemento de influência contextual (BORG, 1998). Perguntou-se, também, como seriam compreendidos os conceitos “ensinar” e “aprender” a partir da experiência docente dos respondentes. Unanimemente, as características da “aprendizagem centrada na pessoa” (ACP), postulada por Rogers (1959), puderam ser identificadas nas respostas, a exemplo de empatia, aceitação incondicional e congruência por meio de interatividade. As respostas indicam que, além da necessidade da interação empática (uma vez que cada aluno surge como um mundo singular que não funciona como mero “receptor” das informações transmitidas pelo professor), torna-se necessário que o professor se abra a uma experiência de ignorância. Para Larrosa (2004), a aprendizagem significativa se torna possível àqueles que não estão por demais tomados de informações e conhecimentos. Ela emerge de uma vulnerabilidade e não de um confronto em que um quer afirmar sua verdade sobre o outro. Dessa forma, os professores entrevistados indicaram que, para conseguir atingir os alunos e promover uma experiência de aprendizagem, o professor igualmente deve se abrir à experiência com o estudante, abandonando a perspectiva dicotômica de que ele é aquele que tem o saber e o aluno é aquele que nada sabe. É quando o aluno é reconhecido em seu saber, em seu valor, em sua experiência, que se aumenta a possibilidade de este mesmo aluno também se abrir àquilo que o professor se dedica a ensinar. Percebeu-se que, a partir da teoria humanista da aprendizagem e das respostas obtidas pelos questionários, por vários anos os docentes eram considerados mestres com conhecimentos inalcançáveis, com o dever de compartilhar sua sabedoria com seus súditos aprendizes. A respondente R1 apontou essa realidade e caracterizou sua modificação: “Hoje, entendo que ensinar e aprender são vias de mão dupla. Não há quem ensine sem aprender e vice-versa.” Ainda sobre o questionamento de como seriam compreendidos os conceitos de “ensinar” e “aprender” a partir da experiência docente dos respondentes, R2 e R3 trazem à cena da discussão a importância de se promover um aprendizado que promova significância e igualmente seja produtor de experiência, principalmente dentro da perspectiva conceitual de experiência defendida por Larrosa (2004). E o “estar aberto ao novo”, como indicado por R1, é também se autorizar à incerteza e à ausência de garantias. Estar aberto ao novo é se autorizar à experiência de uma ignorância potencializadora de uma ampliação do mundo, pois, como indicou Larrosa (2004), um homem cheio de certezas é um homem que carrega consigo um mundo terminado e, assim, é incapaz de experiência. Por meio de uma situação-problema, aos questionados foi pro- Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 13, n. 2, p. 407-420, jul./dez. 2013 417 posta a indicação de uso de estratégia para viabilizar o processo de ensino- -aprendizagem em sala de aula. Nas respostas, encontrou-se tendência em gerar um clima favorável entre professor e estudante, de forma que a interação entre os indivíduos fosse profícua. A presença do termo “humor” ressaltou que as pessoas inter- -relacionadas no processo ensino-aprendizagem precisam estar sentimentalmente engajadas. Assim, esse processo poderia ser otimizado pela união entre intelecto e sentimento (ROGERS, 1959). Além disso, apresenta-se destacada nas respostas a necessidade de trazer a vida e os sentimentos dos alunos para a sala de aula, enfim, “utilizar exemplos do dia a dia dos alunos”, fazendo com que o conteúdo da aula perca seu distanciamento do universo cotidiano dos aprendizes e passe a fazer parte das significações de sua realidade. Para isso, é necessário que o professor cultive uma perspectiva de aceitação do outro, tal como proposta por Rogers, já que será ele o legitimador da relação do universo de significância entre o aluno e a matéria ensinada. No momento em que o professor faz a ligação entre a matéria em sala e o universo do dia a dia do educando, autorizando também que o aluno fale de si, de sua história, de suas crenças e comprometimentos, ele está valorizando como significativas as experiências de seus alunos. Tal postura nos aproxima da perspectiva da aprendizagem centrada no aluno. Mesmo os professores entrevistados não indicando que cultivam a postura de autogestão na educação, como defendida por Rogers (1959), a perspectiva de autorizar que sua vida cotidiana se presentifique e se legitime na sala de aula conversa com as preocupações de produção de uma aprendizagem que seja significativa ao educando. Outra visão dessa situação-problema foi mostrada por R1, que evidenciou, semelhantemente à valorização da experiência do sujeito por Larrosa (2004), a necessidade de considerar a vivência do discente. O estabelecimento de uma relação de confiança, de acordo com Rogers (1994), é imprescindível para aquele que aprende, seus sentimentos, suas opiniões, sua pessoa. Isso contribui positivamente para a interação entre o formador e o aprendiz. A abertura à confiança por parte do aluno diz respeito à produção de um ambiente educativo que produza a sensação de que cada um será aceito em sua singularidade, poderá ser ele mesmo, sem ser oprimido por julgamentos que exigem dele posturas ideais. Dessa forma, a aprendizagem significativa está intimamente relacionada com a abertura à novidade, àquilo que incomoda, mas ao mesmo tempo encanta por sua novidade (LARROSA, 2004). Por sua vez, um ambiente que favoreça a abertura à novidade é também aquele que permita que as pessoas arrisquem, coloquem em cena seus pensamentos, suas ideias, suas incertezas, sem o medo de serem ridicularizadas ou julgadas. Não se aprende, portanto, apenas pelo uso de racionalidade, mas também por efeito dos afetos que são acionados na 418 Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 13, n. 2, p. 407-420, jul./dez. 2013 experiência, trazendo todo um mundo de significação erigido pelo aprendiz até então (ROGERS, 1959). A partir da comparação entre o exposto pelos respondentes e os estudos teóricos, foi possível perceber as principais variáveis presentes na relação ensino-aprendizagem, no caso de Língua Inglesa como língua estrangeira. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho pretendeu descrever a temática do ensinar e do aprender em torno da Teoria Humanista, com prioridade para os trabalhos do psicólogo Carl Rogers. Notou-se, pelos questionários aplicados a três docentes de Língua Inglesa do município de Viçosa, Minas Gerais, que eles, mesmo sem conhecimento teórico, se utilizam de propostas de ensino e interação com seus alunos, que os aproximam dos princípios da aprendizagem significativa na relação entre professor e estudante, postulados tanto por Carl Rogers quanto por Jorge Larrosa. Os dados obtidos propiciaram estas questões: até que ponto é favorecedor de uma aprendizagem significativa aquele professor que ensina o que lhe é, por sua vez, também significativo? Como fazer um aluno sentir paixão por uma matéria se o próprio professor não doa essa paixão? Assim como Rogers valorizou as características individuais do aprendiz, de modo que transpareçam seus sentimentos, a investigação bibliográfica permitiu descobrir os estudos de Larrosa (2004), que insistiu que a aprendizagem efetiva ocorre na dimensão da experiência daquilo que afeta o estudante em sua significância. Para esses estudiosos, a imersão na experiência e na aprendizagem significativa promoveria processos de aprendizagens mais duradouros, uma vez que o material a ser aprendido conversaria com o próprio mundo de significância do aprendiz, envolvendo tanto seu intelecto quanto também seus sentimentos. Os estudos de Rogers (1951; 1959) e Larrosa (2004) demonstraram que o ambiente educacional também deve ser favorável à aprendizagem. Contudo, quando se fala aqui em “ambiente educacional”, deve-se estar claro que tal ambiente diz respeito não apenas às condições físicas adequadas para a aprendizagem, mas, principalmente, às condições emocionais e relacionais para tal fim. Segundo esses autores, a tradicional crença de que a racionalidade, por si só, poderia resolver todas as dificuldades de aprendizagem na instituição de ensino deveria ser substituída por uma escola em que o fator humano fosse considerado prioritário. Isso porque, como propõe Rogers, o principal motor humano não é a busca por dinheiro ou sucesso, mas sim a busca por amor e significância. Dinheiro e sucesso são ferramentas para tal fim, porém não necessariamente promovem a sensação de significância necessária ao sujeito. Dessa forma, o ambiente de uma sala de aula deve ser favorecedor dessa experiência de amor, no Revista de C. Humanas, Viçosa, v. 13, n. 2, p. 407-420, jul./dez. 2013 419 sentido de que o aluno se sinta respeitado em sua diferença, em sua alteridade e em seus valores. Apenas sendo respeitado em seu mundo e não se sentindo agredido, é que ele poderá se aventurar a se abrir à experiência que o professor traz, promovendo um encontro em que o principal não é a anulação da experiência do outro, mas sua multiplicação, ampliando, assim, o pensar sobre o mundo. Este trabalho também foi um estímulo para projetos maiores, como aprimorar a relação professor-aluno e até mesmo o rendimento em sala. O presente estudo contribui positivamente para os profissionais envolvidos tanto no ato de ensinar em salas de aula, quanto na mobilização de processos de aprendizagens e dinâmicas motivacionais em outras áreas como empresas, clubes, comunidades etc. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARCELOS, A. M. F. A cultura de aprender