Comportamento suicida na infância.

18/11/2019 00:00

Lorraine R. – O que fazer quando uma criança tenta o suicídio, mas os pais, ao invés de darem atenção a isso, ignoram e tratam como se a criança tivesse de “palhaçada” (termo usado por eles)? Me sinto omissa e de mãos atadas, pois não posso tomar a frente dos pais, como por exemplo levá-la a buscar tratamento psicológico. É um caso familiar. Sou recém formada em Psicologia e o que fiz naquele momento - já que ocorreu há algum tempo e eu era apenas estudante - foi acolher essa criança da forma que podia. Me pareceu ser de extrema importância para ela, mas tenho medo do que pode vir.

Regina C. – Sou de Belo Horizonte (MG), estudante de Psicologia, e pergunto:  Desde a infância a criança dá sinais de ser suicida? Quais são eles?

Loredanna S.– Quais seriam os sinais do comportamento suicida na infância?

E quais as melhores formas de intervenção nesses casos?

Moisés F. – Nos casos de suicídio infantil, Angerami-Camon denomina como o “Escarro da Existência Humana”. Como se pode prevenir ou ir em direção à prevenção para o suicídio infantil?

Priscila S. – O índice de suicídio infantil é pequeno? Em sua maioria, é por causa de separação e falta de amor dos pais?

Davinni S. M. – O que dizer de crianças que tentam o suicídio?

Rafaela – Se uma criança cresceu sofrendo abuso sexual do pai e, agora, depois de adulta, ela fala em morrer, ainda existe esse risco ou ficou no passado?

Como mencionei anteriormente, tenho discordâncias no que se refere a chamar certas mortes infantis, causadas pelas próprias crianças, de suicídio.

Podemos ver na produção de alguns autores que se dedicaram ao estudo do desenvolvimento infantil, como Vigotski, Walon e inclusive Piaget, que o desenvolvimento de conceitos da própria volição e da consciência de si são capacidades humanas que levam algum tempo para se desenvolver e, penso eu, que para se considerar suicídio uma morte causada pelo próprio indivíduo, essas funções devem estar plenamente desenvolvidas.

É ponto pacífico o fato de que as idades atribuídas universalmente para o surgimento dessa ou daquela função são apenas indicativos, mas não são estanques. Assim, não se trata de estabelecer uma idade a partir da qual pode-se ou não compreender uma morte como suicídio. Trata-se de se estabelecer se uma criança que ainda não tenha plena consciência do outro e de si, não tenha sua volição plenamente desenvolvida e que não tenha um conceito formado acerca da morte, ou seja, que compreende sua universalidade e, principalmente, sua irreversibilidade, podea tirar, intencional e conscientemente a sua vida.

Se buscarmos na literatura especializada, veremos que muitas dessas mortes se dão por temor da represália, por medo de decepcionar e/ou perder o amor dos pais, por não compreender e não dar conta de avaliar as possibilidades de solução de problemas que se lhes apresentam. Com isso, aos olhos dos adultos, os motivadores das mortes infantis causadas pelas próprias crianças aparecem como menores e insuficientes. Diante disso, vale lembrar que as crianças ainda não possuem conhecimento suficiente acerca do mundo em que estão inseridas, que lhes permita compreender e enfrentar os problemas da mesma forma que os adultos. O que coloca em destaque o papel do adulto na formação de suas consciências e personalidades e, quando me refiro aos adultos, aqui, não estou falando apenas da família e da escola, mas da sociedade como um todo. Todos e todas deveríamos nos sentir mais responsáveis pela educação e desenvolvimento de nossas crianças e agir de acordo com isso.

Apesar de não se tratar de literatura científica, mas de um documento histórico, no já mencionado Śěmahot, os rabinos fazem um alerta interessante, de que não se deve ameaçar as crianças com castigos, frente aos quais estas podem se desesperar e acabar tomando atitudes desmesuradas, como tirar as próprias vidas.

Além disso, cabe trazer aqui um exemplo que pode ilustrar a questão da compreensão das crianças acerca da realidade e o cuidado que cabe aos adultos em sua educação. Uma criança, prima de uma adolescente que se matara, por quem ela nutria profundos sentimentos, perguntou à sua professora de catecismo se encontraria a prima quando morresse. A professora respondeu afirmativamente à pergunta da criança que, diante disso, tirou a própria vida, no mesmo local e da mesma forma que a prima. Temos que considerar sempre que a forma de apreensão da realidade pelas crianças tem peculiaridades que devem ser consideradas ao se tratar de determinados assuntos, como, por exemplo, a morte em geral e o suicídio.

O mencionado até aqui, em absoluto diminui a gravidade da questão. Pelo contrário, a meu ver, somente a amplia. Mais que isso, obriga-nos a observar outras questões, que não só a criança, mas a sociedade e suas instituições como a família e a escola, obriga-nos a olhar para ela buscando por outras questões que não necessária e exatamente aquelas que se buscaria caso se tratasse de um suicídio.

Certamente, as crianças podem apresentar comportamentos que indiquem a possibilidade de que atentem contra si mesmas, flagelando-se, machucando-se (inclusive irreversivelmente) ou até tirando suas próprias vidas. Além disso, mesmo o que se conhece por para-suicídio, ou seja, uma tentativa que não tem a intenção de tirar a própria vida, pode ter final trágico entre as crianças, devido à sua imperícia e ao desconhecimento dos meios e técnicas. Dessa forma, sem a intenção de morrerem de fato, podem iniciar ações irreversíveis.

A manifestação do desejo de morrer, independente da idade (ou seja, em adultos também), deve sempre ser considerada e levada a sério. Deve-se acolher e discutir tal questão com a pessoa e buscar auxílio especializado. Contudo, considerando outras questões anteriormente levantadas, ou seja, há que se possibilitar ao indivíduo, com auxílio, compreender a realidade que lhe faz desejar e, às vezes, buscar a própria morte e ajudá-lo a buscar soluções coletivas para solucionar tal questão.

Situações de violência, seja física ou psíquica, certamente contribuem para que as pessoas, em geral, busquem a morte como uma forma de escapar ao destino que se lhes apresenta. Certamente, quanto mais dependente e vulnerável é esse indivíduo, determinadas formas de fugir às situações violentas se apresentam. Além disso, vale sempre lembrar que as marcas deixadas por qualquer experiência emocional intensa, seja positiva ou negativa, acompanham o indivíduo em sua história, e violência intensa, seja física ou psíquica, desempenha papel nefasto e degradante na constituição do indivíduo. Dessa maneira, situações de abusos e humilhações podem sim conduzir a criança a buscar a própria morte.

Contágio/ Efeito Werther

Davinni S. M. – No caso de famosos que cometeram suicídio, vocês acreditam que há alguma influência destes para os jovens fãs dessas celebridades?

Poliana – Gostaria que falassem sobre o “efeito contágio” do suicídio.

A ideia do contágio, também chamado de “Efeito Werther”, recebe esse nome por conta do livro de Johann Wolfgang von Goethe, Os Sofrimentos do Jovem Werther, em que o escritor alemão relata as desventuras amorosas de seu personagem através de cartas fictícias.

A referência é feita porque, à época, houve diversos suicídios que foram relacionados com a leitura do livro, fazendo com que fosse, inclusive, proibido e retirado de circulação em alguns países. A análise que se faz, muitas vezes, é que a leitura do livro induzia à morte ou contagiava os leitores.

Parece-me caber uma análise distinta. Certos autores, compositores, cientistas, entre outros, têm a capacidade de captar e sintetizar, em suas obras, certos sentimentos comuns de determinado momento histórico. O que ocorre, então, não é um contágio, mas um reconhecimento das pessoas na expressão daquele sentimento. Dessa maneira, pode-se analisar os suicídios que ocorrem após a notícia de determinado suicídio, como a expressão de um certo reconhecimento no sofrimento que levou alguém à morte, mas não um contágio propriamente dito.

A Alemanha em que viveu Goethe era uma sociedade de instituições sócio-políticas arcaicas, coexistindo com uma parte da Europa que se desenvolvia a passos largos na direção do capitalismo e das instituições democráticas. O cenário alemão é bucólico, desesperador para o alemão comum. Hoje, lê-se o mesmo livro e não vemos pulular os índices de suicídio em virtude disso.

A ideia de contágio, muitas vezes, serve à mídia de justificativa para calar diante dos diversos suicídios que ocorrem. É certo, tal como recomenda a OMS em seus manuais, a necessidade de cuidado na divulgação dos acontecimentos, como é, na verdade, a divulgação de qualquer acontecimento. Contudo, se a mídia assumir um papel de fato informativo, desempenhará um papel importante na reflexão da sociedade acerca não só do suicídio propriamente dito, como também de suas múltiplas determinações e consequências. Vale lembrar que parte considerável da mídia responde a outros interesses, os da ideologização da realidade e de manutenção da sociedade tal como se encontra e, dessa maneira, discutir seriamente a questão do suicídio seria colocar em risco sua própria condição social.

Família

Aline S. M. – Que intervenções são mais eficientes no atendimento da família de um paciente que teve um suicídio frustrado?

Davinni S. M. – Caso a tentativa de suicídio seja concretizada, vocês acreditam que se deve fazer um acompanhamento da família? De que maneira?

Cindy M. – Gostaria de saber como fica o tratamento dos pais de um suicida?

Como tratar a culpa dos pais nesse caso?

Diante da tendência de responsabilizar e culpabilizar a vítima, é comum que recaia sobre as famílias e outras pessoas próximas daqueles que tentaram ou conseguiram tirar suas próprias vidas, uma série de sentimentos como a culpa, a vergonha, a dúvida, além, é claro, da tristeza de perder um ente querido ou uma pessoa próxima.

Diante disso, o apoio à família e a pessoas próximas é importante para contribuir para que superem a perda, para que busquem compreender as questões que a morte daquela pessoa traz à tona e que possam fazer algo de produtivo com isso.

É certo que, em algumas situações, o suicídio pode estar bastante relacionado a questões familiares e, nesse caso, trabalhar tais questões é importante para que isso não corrobore com o suicídio ou adoecimento de outros componentes da família.

Capitalismo

Cícero10 – Dentro desta perspectiva, em que a sociedade moderna nos força a ser feliz, deixa-nos sem ferramentas para enfrentar a dor. E, como não sei lidar com essa dor vem a solução de morrer, como remédio para essa dor?

Jussara M. A. – Minha pergunta é para Nilson Netto. Como ele pensa em relação ao aumento dos casos de suicídio, e o imperativo do gozo, trazido por uma sociedade capitalista marcada pela lógica do consumo?

Paulo V. P. – Sou estudante de Psicologia. Gostaria de saber se seria possível levantar a seguinte hipótese sobre a tentativa, ideação e suicídio exitoso - a questão do sentimento de “despertencimento”?

O Francisco Wilson faz a seguinte pergunta: Por que dar tanta importância aos fatores ideológicos do sistema capitalista se em outros sistemas, como o socialista, há também o suicídio? O suicídio atinge todas as culturas e tempos históricos.

Atentar para os fatores ideológicos do capitalismo é importante, a começar, por esse ser o modo de produção no qual estamos inseridos e, como estou falando do suicídio nessa sociedade, devo buscar as características dessa sociedade, para compreender os suicídios que nela ocorrem. Certamente, em outros modos de produção, o suicídio também existiu, ou melhor dizendo, neles, as pessoas também tiraram suas vidas. Contudo, não cabe necessariamente a palavra suicídio. Seria equivocado pensar que em toda e qualquer sociedade, momento histórico e cultura, a morte de si ou qualquer outro fenômeno humano é exatamente igual, apesar de, muitas vezes, manterem a mesma aparência. O que leva muitas pessoas a análises anistóricas, presentistas e descontextualizadas. Esse equívoco, do anacronismo, é bastante comum e daí a importância de evidenciá-lo, até mesmo porque nem sempre é de fato um equívoco, muitas vezes, é uma estratégia ideológica intencional para encobrir a realidade.

Abri minha fala me remetendo ao fato de que a forma como as pessoas e as sociedades lidavam com o suicídio foram mudando historicamente, justamente para mostrar que, apesar de poder ser um fenômeno que atinge e atingiu grande parte das culturas e tempos históricos, isso não aconteceu da mesma maneira em todos eles, já que cada um desses momentos teve e tem suas próprias peculiaridades. Assim, o suicídio na sociedade capitalista tem suas características próprias e se as perdermos de vista, não estaremos analisando adequadamente o fenômeno, o que nos impedirá de lidar adequadamente com ele e em parte, é exatamente o que me parece ocorrer diuturnamente.

Parece-me que a possibilidade das pessoas tirarem suas próprias vidas não será extinta em outras formas de sociabilidade, afinal, a possibilidade de um ser humano tirar, intencional, deliberada e conscientemente a sua vida é uma possibilidade legítima. A grande questão que se coloca é, justamente, o quanto está sendo possível, nessa sociedade, que o suicídio seja adjetivado dessa maneira. Além disso, outras formas de sociabilidade estabelecem distintas relações com a morte, fenômeno que também não me parece ser extinguível. As experiências erigidas sobre o ideal socialista se deram sob condições determinadas, que não cabem ser discutidas aqui. Mas, de qualquer forma, é fundamental compreender as características das mortes em tais sociedades, para que, caso sigam acontecendo, não sejam de forma alienada e que as questões que venham à tona com essas mortes sejam compreendidas.

O Cícero questiona: “dentro desta perspectiva, em que a sociedade moderna nos força a ser feliz, nos deixa sem ferramentas para enfrentar a dor. E, como não sei lidar com essa dor, vem a solução de morrer como remédio para essa dor?

Somos cobrados constantemente acerca de nossos sentimentos e emoções, temos que ser cordiais, bem educados, atenciosos, agradáveis, contentes, sorridentes, como se a vida fosse um mar de rosas. Temos que ser assim para termos boas relações com os amigos, com a família, com as pessoas na rua, em nossos empregos. Mas quando fugimos à norma, logo vêm as sanções, por parte de todos os mencionados e outros tantos.

Esquece-se de que sentimentos que estão sendo menosprezados, quando não, rechaçados ultimamente, é parte constituinte e necessária da vida Com isso, se as pessoas acordam tristes um ou outro dia, logo se autodiagnosticam com depressão, se esses dias se estenderem ou se tornarem frequentes, as pessoas atualizam tal autodiagnóstico para depressão crônica e, o quanto antes, buscam por um remédio, da forma mais rápida e fácil possível. Ligam para alguém e perguntam o “nome daquele remédio”, quando não, ainda conseguem alguns comprimidos com o amigo e ao consumi-los, se tudo correr “bem”, os efeitos serão os esperados e a vida deixará de ser tão pesada. Contudo, consideremos que o agente causador da tristeza, nessa pequena crônica, continua oculto e, em absoluto, a vida desse sujeito mudou, o que mudou foi o funcionamento do seu organismo.

Fique claro que o parágrafo anterior é uma paródia, a depressão não só existe como deve ser tratada de maneira séria. Os medicamentos são expressão do desenvolvimento tecnológico de nossa sociedade, mas em geral não são tratados dessa maneira. Pretendi mostrar, de forma bem abreviada, três males profundamente arraigados em nossa sociedade: a patologização dos sentimentos, a medicalização da vida e o autodiagnóstico. Parece-me que essas questões precisam ser mais e melhor estudadas, já que cada uma por si só dá conta de fazer um grande estrago, imaginemos todas elas, agregadas a tantas outras, o que não podem causar?

Essa necessidade de aparentar estar sentindo algo que não se está sentindo de fato pode ser constituinte de diversos sofrimentos e de uma profunda sensação de vazio, que também não podem ser manifestados e que devem ser controlados de qualquer maneira, mesmo que à base de medicamento. Assim seguimos, produzindo e reproduzindo esse círculo vicioso que, vale lembrar, beneficia a manutenção do sistema. Certos lobbys profissionais, certas indústrias, enfim, cumprem determinado papel nessa sociedade.

Ao mencionado vazio e, muitas vezes, ao sofrimento, costuma-se buscar sanar não só com o consumo de medicamentos, mas também com o consumo de outras tantas coisas, de objetos a pessoas, e, nesse caso, estou colocando as pessoas na condição de coisas, mesmo. A lógica da acumulação e da valorização do valor, própria do capitalismo, acaba expressando-se em outras esferas da vida ou, para ser mais exato, na totalidade da vida.

Sobre a questão do despertencimento, ressalto aqui que, em uma sociedade, na qual parte considerável das pessoas, ou para ser mais exato, a absoluta maioria delas, que produzem as riquezas do mundo em que vivemos, mas delas não usufruem, fica difícil considerar-se pertencente a algum grupo. Ainda mais diante da intencional fragmentação que a ideologia dominante vem operando na classe trabalhadora, dividindo-a em infindos grupos que se perdem em suas particularidades e perdem de vista o que há de universal entre eles, perdem-se nas peculiaridades de suas opressões peculiares, esquecendo-se de que são todos explorados.

Esses fenômenos, que são estratégicos do ponto de vista da manutenção da sociedade, são deletérios para as vidas da imensa maioria das pessoas, levando, certamente, muitas delas a tirarem suas próprias vidas.

Transtornos psíquicos

Simony – Podemos afirmar que as pessoas que cometem suicídio são depressivas e que não tentarão apenas uma vez?

Catarina V. – Há frequência de suicídios por pessoas que não apresentam depressão?

Mesmo que a pessoa manifeste algum transtorno psíquico, esse pode não estar diretamente ligado com seu suicídio. Além disso, ao estabelecer uma relação direta, imediata, entre um fenômeno e outro, perdem-se determinantes que podem anteceder os transtornos, originando-os e que podem estar diretamente ligados ao suicídio; ou ainda, ao centrar-se no transtorno, pode-se perder outros fatores concomitantes, que sejam importantes determinantes do suicídio. Assim, para se compreender corretamente o fenômeno, deve-se saturá-lo de múltiplas determinações que permitam compreender sua origem e desenvolvimento, para que se possa planejar estratégias para lidar com tal questão.

Drogas

Lucitânia G. O. – O uso abusivo de drogas seria uma forma de buscar o suicídio? Isso é epidemia?

Em geral, as pessoas fazem uso de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, para experimentar os efeitos de tal substância, para suprir a necessidade dessa substância sentida pelo organismo, ou para lidar com algum tipo de sintoma físico ou psíquico.

Contudo, em situações específicas, os sujeitos podem usar, intencionalmente, dosagens exageradas dessas drogas, com o intuito de tirarem as próprias vidas. Além disso, sob o efeito de determinadas drogas, os indivíduos podem não estar totalmente no controle de suas próprias condutas, o que significa que podem estar mais suscetíveis a ideias e condutas suicidas. Entretanto, seria limitado estabelecer uma relação direta dessas ideias e condutas com a utilização da droga, sem considerar outros fatores da vida de tais indivíduos, bem como as múltiplas determinações que subjazem ao consumo de tais drogas, tanto quanto ao próprio suicídio.

Há teorias que consideram a hipótese de suicídios “a longo prazo”, como se comportamentos considerados autodestrutivos como a ingestão de álcool e outras substâncias psicoativas, gorduras e alimentos pouco saudáveis, a prática de esportes radicais ou determinados tipos de trabalho que colocam os indivíduos em condições insalubres fossem práticas suicidas, o que me parece, mais uma vez, que é generalizar o conceito de forma a obscurecê-lo.

É importante, também, considerarmos o fato de que a sociedade está cada vez mais medicalizada e que ao se pensar a relação entre drogas e suicídios, deve-se considerar também a utilização de psicofármacos.

Ética

Luiza B. – Como fazer essa intervenção? Interna? Pede-se para os familiares ficarem vigiando o paciente? Como proceder depois que sabemos que a pessoa vai se matar?

Jaqueline O. – Se o paciente adulto menciona o desejo de se matar, o psicólogo deve avisar a família mesmo contra a vontade do paciente?

Aniquilamento/ sofrimento

Lilian M. – Como entender, do ponto de vista do suicida, o tamanho da angústia que leva o sujeito a libertar-se dela? Da angústia ou conflito existencial” com seu próprio extermínio? Como evidenciar isso?

Moisés F. – Como as tonalidades afetivas ou disposições afetivas (angústia, tédio, desamparo), bem como a culpa e o desespero afetam a cotidianidade do homem contemporâneo, tendo assim como possibilidade o suicídio para o sofrimento imensurável?

Jonas R. – É correto afirmar que o suicídio NUNCA visa acabar com a vida, mas, sim, acabar com a dor?

Jussara M. A. – Sou psicóloga e trabalho em um hospital geral da rede federal, e um dos trabalhos que desenvolvo é no atendimento dos adolescentes usuários da instituição, ambulatorialmente ou durante internação. Outro trabalho que desenvolvo é num Caps AD, com dependentes químicos. Em ambas as situações, lido com a situação do suicídio. Durante meu percurso clínico, pude observar a multicausalidade que envolve essa questão e que também se trata de um sofrimento da ordem do insuportável, mas que não é só do sujeito do ato, é um sofrimento compartilhado entre seu grupo familiar. Concordo plenamente que se trata de um apelo ao outro pela impossibilidade de suportar esse sofrimento. Trabalhando com esses dois grupos, adolescentes e dependentes químicos, assusto--me com o aumento crescente dos casos de suicídios. Penso que a família, completamente implicada nesse sofrimento, seja também assistida, além do sujeito do ato. Gostaria de saber como vocês veem isso?

Poliana – O que leva um sujeito em felicidade extrema propor fim a própria vida?

Não é incomum que aqueles que atentam contra a própria vida não estejam buscando propriamente a morte, muitas vezes, o que desejam de fato é interromper a dor e o sofrimento profundos, ou outras situações insustentáveis. Outras vezes, buscam pelo completo aniquilamento, ou seja, por uma condição de inexistência, de ser apagado completamente da história.

Contudo, a morte não proporciona nenhuma das duas situações. Diante da primeira situação, ela interrompe o sofrimento porque tira o sujeito da vida, entretanto, as situações que lhe causavam sofrimento continuam existindo no mundo, mas sem a sua existência. Na segunda situação, o indivíduo, mesmo deixando de existir, permanece existindo na história e na memória daqueles que se relacionaram com ele.

Assim, é importante considerar que os indivíduos devem ter clareza de que a morte não transforma, por si só, a realidade. Que constantemente, as denúncias que poderiam ser trazidas são escamoteadas pela ideologia e que, para transformar a realidade, é necessário que as pessoas estejam vivas, organizadas, que tenham essa intenção clara para si mesmas e que ainda assim, encontram-se obstáculos difíceis de serem transpostos.

Há, todavia, situações em que indivíduos desejam terminar, dar fim a suas vidas, cientes de todas essas questões.

É bastante incomum que as pessoas em plena felicidade (considerando tal possibilidade) tirem a própria vida. No entanto, entre os antigos, tratava-se de uma condição buscada com maior frequência, por não quererem viver a perda de tal condição de bonança, alguns se matavam no momento em que consideravam ser o ápice da plenitude.

Gênero

Helen13 – Gostaria de saber sobre o suicídio e a correlação com a saúde do homem.

Rosane Q.– Porque os homens são mais eficazes no ato do autoextermínio do que as mulheres?

As tentativas de suicídio são historicamente mais comuns entre as mulheres, enquanto os suicídios consumados são mais comuns entre os homens, salvo exceções, como a China.

A resposta comumente dada a esse fato é a de que isso ocorre porque os homens utilizam meios/formas mais eficazes para atentar contra a própria vida.

Todavia, não se pode negligenciar o que dizem essas quantidades de tentativas de suicídio entre as mulheres, o que tal fenômeno diz sobre as relações que se estabelecem nessa sociedade, sobre as condições de vida e saúde, física e psíquica dessas mulheres. Esses fatos deveriam nos indicar as condições opressivas e exploradoras, nas quais vivem as mulheres, em uma sociedade machista como a nossa.

De fato, os meios geralmente utilizados pelas mulheres são imediatamente menos violentos e menos letais que aqueles utilizados pelos homens, entretanto, isso não basta para explicar o porquê do fato das mulheres atentarem mais contra suas próprias vidas. Mas o fato dos homens morrerem mais em decorrência de suas tentativas acaba por encobrir uma realidade degradante à qual uma parte grande das mulheres está submetida em nossa sociedade.

Além disso, um fenômeno que vem crescendo e que também traz uma denúncia importante é o suicídio de homossexuais, transgêneros e mais especificamente transexuais, sendo que a maioria deles está diretamente ligada ao preconceito, à homofobia, à não aceitação da família e às mais diversas formas de violência às quais essas pessoas estão submetidas cotidianamente.

Uma questão importante, ligada à questão da forma como os homens costumam lidar com sua saúde e mais especificamente com sua saúde mental, é o fato de não quererem, muitas vezes, assumir determinados sofrimentos psíquicos, por acreditarem que assumi-los seria sinal de fragilidade. Tal fato pode fazer com que certos sofrimentos se transformem em questões muito mais complexas, tornando-se sofrimentos muito mais difíceis de se superar.

Multidisciplinaridade

Paulo B. – Sou psicólogo residente em Saúde da Família no município de Santa Rosa, Rio Grande do Sul, uma cidade com elevados índices de suicídio.

Sou residente aqui, há 5 meses, e já me deparei com alguns casos de ideação e tentativa de suicídio. Isso me faz agradecer ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) pelo tema do debate. Além disso, quero solicitar aos colegas, se possível, falar um pouco da importância da multidisciplinaridade na atuação junto ao suicídio, uma vez que a atenção básica (Unidade Básica de Saúde) é a porta de entrada no Sistema Único de Saúde (SUS) e também o ente mais próximo da população, por atuar junto ao território.

Davinni S. M. – Como as equipes de saúde podem se preparar para atender casos de pacientes que tentaram o suicídio?

Fabricio B. – Se partimos do princípio da multifatorialidade e da complexidade ligadas ao suicídio e dada a constatação de que o número de suicídios vem crescendo nas últimas décadas, certamente não dá para delegar a uma única instituição, no âmbito da Rede de Atenção Psicossocial, a responsabilidade pelo suicídio. No âmbito do SUS, como poderíamos demarcar o papel específico da Atenção Básica com relação ao suicídio?

Infelizmente, o que tenho acompanhado na prática é a estratégia que se reduz ao encaminhamento: “Pensou em suicídio? Manda para o serviço especializado”. No município onde trabalho, inclusive, muitas vezes (nem sempre, evidentemente), a ideia de “ameaça de suicídio” é usada pelos próprios profissionais da Atenção Básica para justificarem a necessidade de encaminhamento emergencial aos serviços de Saúde Mental.

Bombeiros e policiais

Rachel S. – Trabalho no principal Pronto Socorro de Belo Horizonte, Minas Gerais, e percebo a dificuldade, não só dos familiares, em informar o que ocorreu com o paciente em caso de suicídio, mas também dos profissionais do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e corpo de bombeiros que, quando perguntados sobre o que aconteceu, dizem que não sabem. Creio ser grande a subnotificação dos casos.

Davinni S. M. – Vocês acreditam que bombeiros e outros profissionais que atendem a chamados de emergência deveriam possuir treinamento específico para abordar essas pessoas?

A sensibilização de toda a equipe de profissionais que lidam diretamente com pessoas que tentaram tirar suas vidas ou que chegaram a tirá-la é fundamental. Não é incomum que muitos desses profissionais, em algumas situações, cheguem a destratar essas pessoas.

Muitas vezes, esses profissionais se incomodam de estar atendendo uma ocorrência de tentativa de suicídio ou de suicídio consumado, pensamentos e, muitas vezes, até verbalizações como “podia estar salvando uma vida, mas estou aqui perdendo meu tempo com quem quis tirá-la” não são raros.

Esse tipo de tratamento definitivamente não é adequado para essas situações, por colocarem ou o próprio sujeito que tentou se matar, ou familiares de quem se matou em situações deveras constrangedoras. Romper com os tabus que envolvem a morte voluntária e discutir abertamente essas questões com os profissionais é fundamental.

Há relatos de situações em que profissionais chegam a aplicar certo sofrimento ou humilhação no trato com essas pessoas, como uma forma de “dar uma lição”, já que “era isso que queriam”. Uma tentativa de fazer justiça que, na verdade, demonstra o próprio sofrimento de profissionais, que despreparados deixam-se tomar por suas crenças pessoais ou por uma “ética” equivocada.

Mesmo quando tais fatos, lamentáveis, não acontecem, é necessário lembrar que o trabalho contínuo com essas questões extremas gera sofrimento nos trabalhadores e que se deve desenvolver estratégias para que esses possam lidar da melhor maneira com essas situações.

Por fim, cabe ressaltar a importância de que, em se tratando de um fenômeno que possui múltiplas determinações, de complexa interação, não só pode, como deve ser analisado por profissionais de diversas áreas que possam, a partir de sua especificidade, contribuir para a compreensão do fenômeno.

Educação

Beatriz P. – Dentro da Psicologia Escolar, como prevenir essa situação?

Como trabalhar na escola?

Rogério O. – Olá, sou estudante de Psicologia e estou iniciando meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). O tema será suicídio. Porém, estou na dúvida na escolha dos sujeitos participantes da minha pesquisa. Pensei na hipótese de realizar com profissionais da educação, pois estou pensando que a instituição “escola” poderá ser um espaço onde se pode trabalhar a prevenção primária do suicídio de jovens estudantes. Existe algum manual de prevenção dirigido aos profissionais da educação?

Estudantes Psi

Daniela – Sou da Bahia, da Faculdade Adventista, 8º período, e estou assistindo ao debate. Queria saber sobre a grande incidência de estudantes de psicologia que cometem suicídio.

Stephanie Mota – Nos últimos anos, têm sido recorrentes os casos de suicídio ou tentativas de suicídio envolvendo estudantes de Psicologia nas mais diversas universidades do país. Na mesma via, há um movimento por parte das universidades e de docentes, de silenciar esses casos, muitas vezes, ignorando a existência desse sofrimento de alunos dentro da instituição.

Gostaria de uma orientação em relação a quem ou quais atitudes podemos tomar frente a essas situações que só têm aumentado, mas que vêm sendo ignoradas por muitas universidades e coordenadores de curso.

Sobre a questão dos suicídios relacionados com a educação, é importante ressaltar que os índices de suicídio que mais crescem mundialmente estão entre os jovens entre 15 e 25 anos de idade e que, em nossa sociedade, parcela considerável dos jovens dessa idade está em alguma instituição escolar, ou pelo menos deveria. Vale lembrar também Freud, que tomo aqui como representante de um momento histórico, que em 1910, na conferência intitulada Contribuições para uma discussão acerca do suicídio teceu uma profunda crítica às escolas de seu tempo, afirmando:

Se é o caso que o suicídio de jovens ocorre não só entre os alunos de escolas secundárias, mas também entre aprendizes e outros, este fato não absolve as escolas secundárias; isto deve talvez ser interpretado como significando que no concernente a seus alunos, a escola secundária toma o lugar dos traumas com que outros adolescentes se defrontam em outras condições de vida. Esse deveria ser um espaço que despertasse nos estudantes o desejo pela vida e o interesse pelo mundo externo, além disso, deveria dar acolhimento ao estudante neste momento em que está se desvinculando dos laços familiares. Parece-me indiscutível que as escolas falham nisso, e a muitos respeitos deixam de cumprir seu dever de proporcionar um substituto para a família e de despertar o interesse pela vida do mundo exterior. [...] A escola nunca deve esquecer que ela tem de lidar com indivíduos imaturos a quem não pode ser negado o direito de se demorarem em certos estágios do desenvolvimento e mesmo em alguns um pouco desagradáveis. A escola não pode adjudicar-se o caráter de vida: ela não deve pretender ser mais do que uma maneira de vida. (FREUD, p.218)

Parece-me que sua afirmação ainda faz sentido se pensarmos na escola contemporânea, principalmente se tomarmos o seguinte dado da cartilha da OMS para professores e outros profissionais da educação:

Ter pensamentos suicidas uma vez ou outra não é anormal. Eles são parte do processo de desenvolvimento normal da passagem da infância para a adolescência, à medida que se lida com problemas existenciais e se está tentando compreender a vida, a morte e o significado da existência. Estudos com questionários mostram que mais da metade dos estudantes do segundo grau já tiveram pensamentos de suicídio (OMS, 2001, p. 03).

A primeira questão a se atentar na passagem citada é o fato de trazer a discussão sobre o suicídio para o campo da normalidade/anormalidade. Além disso, indicar que os pensamentos sobre tirar a própria vida seriam parte do “desenvolvimento normal” acaba servindo para justificar o fato de que mais da metade dos adolescentes pesquisados terem pensado em tirar a própria vida.

Muitos desses suicídios, tentativas de suicídio e até mesmo ideações, estão relacionados a diversas formas de violência e humilhação, não só aquelas causadas pelos colegas na forma de assédio (bullying), como, muitas vezes, pelo sentimento de menos-valia por não ter a mesma produtividade ou capacidade de acompanhar o conteúdo que os colegas. Além disso, muitas vezes, estão relacionados a ameaças e perseguições feitas pelos professores e outros profissionais da escola.

Tem sido fenômeno recorrente em diversos países, os chamados “massacres”, em que os estudantes com uma longa história de humilhações e violências sofridas adentram às escolas armados e matam colegas, professores e funcionários, tirando posteriormente suas vidas. Vale dizer que diante do barbarismo dessas situações, costuma-se responsabilizar àqueles que são vítimas de uma lógica perversa, encontrando assim um responsável direto para o ocorrido e desresponsabilizando a sociedade que cria as condições dessa barbárie.

Além disso, as instituições têm se mostrado pouco preparadas para lidar com as tentativas de suicídio ou suicídios consumados, seja quando esses ocorrem entre os partícipes da instituição escolar, dentro da própria instituição, seja quando ocorrem com seus partícipes, fora da instituição, ou ainda quando ocorre com pessoas diretamente ligadas a ela, como pais e parentes de estudantes ou profissionais da instituição.

Estudos como o de Domingos e Maluf (2003) têm mostrado que o luto, quando se refere ao suicídio, tem uma das formas mais difíceis de se elaborar entre os escolares.

Os suicídios na escola não têm atingido somente os estudantes secundaristas, mas também os estudantes de ensino superior. São conhecidos os altos índices de suicídio e tentativas entre estudantes de medicina. Contudo, esses índices vêm crescendo entre estudantes de outras especialidades, entre elas, a Psicologia. Algumas universidades têm criado programas de suporte para os estudantes, todavia, deve-se atentar para o fato de que a assistência estudantil não tem dado conta de garantir as condições mínimas de sobrevivência aos estudantes, com bolsas insuficientes em quantidade e valor, com a falta de moradias e restaurantes universitários, em tempos em que, com as atuais políticas do governo, estudantes se deslocam da região em que habitam para lugares completamente ermos. A política expansionista, sem a garantia de qualidade, tem gerado uma situação insustentável para esses/as jovens.

Tampouco o suicídio tem atingido somente os estudantes, vem abrangendo também professores e outros profissionais das instituições de ensino. O que nos remete, novamente, às deploráveis condições de trabalho às quais os trabalhadores da educação vêm sendo submetidos e às relações institucionais constantemente perpassadas pelo assédio moral, a humilhação e a violência em suas mais diversas formas de manifestação, perpetradas pelos gestores e, muitas vezes, até mesmo pelos estudantes.

Moralismo e Estigmatização

Davinni S. M. – Quais são as alternativas viáveis para não estigmatizar os suicidas?

Jonas R. – O suicídio é um ato de coragem, de covardia ou os dois?

Deslocar a discussão para o campo moral, em nada contribui para se lidar com o fenômeno, pelo contrário, isso apenas piora a condição daqueles que desejam e buscam pela própria morte e para aqueles que sobrevivem às mortes de pessoas queridas. Com isso, apenas se contribui para a estigmatização do suicida, causando ainda mais sofrimento a todas as pessoas envolvidas.

Para se evitar a estigmatização, o que me parece deveras necessário, há que se trabalhar o assunto de forma a fazer com que deixe de ser tratado como um tabu, o que certamente facilitaria a lida com essa questão em todos os sentidos.