Como explicar a crueldade sem tamanho de uma mãe que tira a vida, por ação ou omissão, do filho indefeso?
É incompreensível que pessoas aparentemente normais exerçam o mal sem qualquer senso de culpa ou vergonha. A monstruosidade é inaceitável dentro da lógica civilizatória, pois é uma expressão da barbárie , observa a antropóloga Mirian Goldenberg. Tanto no fim de Isabella quanto no de Henry, chama atenção o fato de os responsáveis serem pessoas com o comportamento aparentemente normal no dia a dia. Monique deu aulas e chegou à direção de uma escola na Zona Oeste do Rio, onde era respeitada pelos colegas de trabalho e alunos. Jairinho, no quinto mandato, era visto como um político conciliador. À luz das últimas descobertas, essas duas pessoas comuns parecem monstros abomináveis. “Pelas informações disponíveis, eles apresentam algum tipo de loucura. Um potencializa o que o outro tem de pior”, avalia a terapeuta de família Lidia Aratangy.
Para Lidia, o vereador passa a impressão de “se sentir invencível, por já ter agredido outros inocentes sem ter sido punido”. Já em Monique, observa uma atração extremada pelo poder e pelos confortos que o companheiro lhe proporcionava. No dia do enterro de Henry, 10 de março, ela esteve em um shopping center comprando camisetas de grife, para usar no velório, onde fez uma entrada atrasada e, segundo quem estava lá, do tipo triunfal — de botas de salto alto, reluzente crucifixo de ouro, maquiada e penteada. Sentado sozinho, com mãos trêmulas e alheio aos parentes do menino, Jairinho foi o primeiro a chegar, acompanhado de seguranças, e partiu antes do enterro. Segundo a polícia, no dia seguinte, Monique foi a um salão de beleza e gastou 240 reais para fazer cabelo, pé e mão. Ela se refugiou na casa dos pais e Jairinho, na de parentes dele, todos no bairro de Bangu. Mas se viram com frequência — passaram a Sexta-Feira Santa juntos. Pouco antes da prisão, chegaram a ficar uns dias, só os dois, em uma casa do bairro. A polícia monitorava seus passos e acompanhou a ida do casal para a casa da tia, onde foram presos.
Depois de o caso vir à tona, Monique, preocupada com a imagem, disparou em um grupo de parentes e amigos no WhatsApp uma mensagem pedindo a todos “um grande favor”: “Preciso que escrevam uma declaração de como eu era com o Henry, pode ser até um momento que passamos juntos, algum dia reunido, qualquer coisa que mostre minha conduta”.
Descrita como uma pessoa expansiva, sedutora e envolvente, Monique surpreendeu a todos desde o início pela falta de indignação diante do ocorrido, inclusive ao tomar conhecimento da perícia.
“Ela não demonstrou nenhuma surpresa ou desespero”, conta uma amiga. A certa altura, foi às redes sociais não para desabafar, mas para publicar uma foto de copos de café gourmet escoltados por uma bolsa da grife Louis Vuitton sobre a mesa. “Quando vi a postagem do café, pensei: ‘Como assim, ela acabou de perder o filho’ ”, comenta uma pessoa próxima .
MIMOS - Post de Monique exibe a bolsa Louis Vuitton (à esq.) e o prédio onde ela e o namorado moravam: atração por poder e riqueza .
Sob orientação de seu advogado, o mesmo do vereador, criou um perfil no Instagram com o nome inteiro do filho e postou dezoito fotos dos dois; duramente criticada, apagou tudo.
Amigas contam que, aproveitando as longas ausências de trabalho do então marido, Leniel Borel, Monique sempre se encontrou com outros homens. Conheceu Jairinho ainda casada com Borel e, segundo elas, encantou-se imediatamente pelo vereador, “homem educado, poderoso e rico”. Gabou-se à família de que ele tinha vários imóveis na cidade e lhe disse para escolher onde iriam viver juntos. Por sugestão dele, deixou o trabalho em uma escola pública, com salário de 4 000 reais, para assumir o cargo de assessora no Tribunal de Contas do Município, ganhando 16 000 reais. “Ela falou que teria de ir lá pelo menos uma vez por semana para fazer relatórios, mas que Jairinho, por ciúme contratou uma pessoa para se encarregar do trabalho” lembra um parente. Seu temperamento possessivo acendeu um alerta no entorno de Monique, conhecida pela vaidade — fez lipoaspiração no abdômen, pôs silicone nos seios e preencheu os lábios. Ela alardeava que ele havia contratado um detetive para segui-la e mostrava como prova uma foto que ele lhe havia mandado, logo depois de chegar à academia de ginástica, reclamando: “Você acabou indo de shortinho, né?”
O relacionamento rendeu uma profusão de imagens em hotéis e restaurantes de luxo devidamente exibidas nas redes. Agora presos ,por assassinato e tortura de uma criança indefesa, o casal terá uma rotina bem menos glamorosa.
Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733