Como a ansiedade muda a nossa percepção do mundo?

14/01/2018 17:19
cuidardoser |
 
 
 
 



Se você é uma pessoa ansiosa, provavelmente já percebeu que a ansiedade muda a nossa percepção em relação ao que acontece ao nosso redor.

É sempre importante esclarecer que existem basicamente dois tipos de ansiedade. Um deles é adaptativo e a sua função é nos preparar para enfrentar um perigo ou uma situação ameaçadora. Em outras palavras, é uma resposta instintiva para nos proteger de um risco potencial.


O outro tipo de ansiedade é psicológico ou patológico. Ele simplesmente aparece, embora não haja riscos reais. Talvez seja mais preciso dizer que ele surge em face de ameaças imaginárias ou supervalorizadas, quase sempre mal definidas. É como se houvesse um perigo, mas não podemos determinar onde está ou o que é.

A ansiedade se expressa de muitas maneiras. O que essas manifestações têm em comum é o fato de que o sentimento de medo ou apreensão é muito exagerado. Às vezes, leva a uma constante ruminação de pensamentos. Outras vezes, acaba desencadeando ataques de pânico ou leva ao isolamento.

“O medo aguça os sentidos. A ansiedade os paralisa.”
– Kurt Goldstein –

Como lidar com a ansiedade

Quando a ansiedade muda a nossa percepção: o viés cognitivo
Na ansiedade patológica há uma percepção distorcida ou alterada do mundo. Isso significa que você seleciona ou presta atenção apenas na informação da realidade que explica, ou poderia explicar, a sensação de ameaça. Do mesmo modo, esta informação é interpretada de forma equívoca e nos concentramos muito mais nela do que nos outros fatos.

Alguém que, por exemplo, se sente ansioso no relacionamento com as outras pessoas, tenderá a ver nelas apenas alguns aspectos em detrimento de outros. Estará sempre muito atento a qualquer gesto de rejeição, por menor que seja. Um silêncio pode ser interpretado como uma indicação de que não é amado ou de que as pessoas não querem falar com ele. Não dará valor aos sinais de aceitação ou interesse, a menos que sejam extraordinariamente visíveis.

Se a ansiedade for mais imprecisa, o ansioso começará a ver “sinais fatídicos” em qualquer manifestação da natureza. Por exemplo, um nascer do sol muito colorido o leva a sentir que “algo vai acontecer”. Uma lua muito iluminada gera medo, e ele não sabe por quê.

A teoria dos quatro fatores
O psicólogo Michael Eysenck desenvolveu uma proposta conceitual chamada “Teoria dos Quatro Fatores”. Ele define os principais caminhos que o pensamento de alguém ansioso assume com base na sua própria percepção. Cada uma dessas vias implica um viés cognitivo. Os quatro fatores são:

Percepção tendenciosa de um estímulo específico. Ocorre quando a ansiedade é dirigida especificamente para um objeto ou um aspecto muito preciso da realidade e cria as chamadas “fobias”. Se a ansiedade recai sobre o seu próprio comportamento, é chamada de “fobia social”.
Percepção tendenciosa do próprio corpo e das suas reações fisiológicas. Aparece quando o próprio organismo é o campo de batalha. As suas funções e respostas são vistas como um sinal de perigo. Isso leva ao “transtorno da angústia”.
Percepção tendenciosa do próprio pensamento e das ideias pessoais. Neste caso, o que é percebido como um risco ou algo ameaçador é o que acontece dentro da sua mente e provoca o transtorno obsessivo compulsivo (TOC).
Percepção global distorcida. Corresponde a casos em que a ansiedade é direcionada a todos os fatores listados: elementos específicos, o próprio comportamento, o corpo e a mente. Quando isso acontece, ocorre o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG).
Cada uma dessas manifestações de ansiedade faz com que a pessoa veja a realidade de forma totalmente tendenciosa. No ansioso há uma forte resistência ou uma impossibilidade de introduzir informações que questionem a validade do que ele percebe.

Trabalhar a interpretação equivocada
Todos os transtornos de ansiedade podem ser tratados, mesmo nos casos mais severos. Uma terapia destinada a superar esses sintomas ensinará a pessoa ansiosa a concentrar a sua atenção em outros aspectos da realidade que ela está ignorando.

É possível aprender a dar significados mais amplos do que percebemos. Às vezes, precisamos de alguém que nos ajude a entender que sentir o coração acelerado não significa que estamos à beira de uma parada cardíaca. Ou que é normal que algumas pessoas não gostem de nós, mas isso não significa que elas pretendam nos fazer algum mal.

Qualquer tipo de ansiedade é importante. Na verdade, quando ignoramos os sintomas da ansiedade como uma estratégia de enfrentamento, eles tendem a crescer e a invadir a personalidade. Procurar ajuda rapidamente é a melhor maneira de enfrentar esses estados que nos causam tanto sofrimento.

Ansiedade flutuante: o vazio onde vivem meus medos e incertezas

Não temo nada em particular, mas na realidade… tudo me assusta. Porque a ansiedade flutuante é assim, é a incerteza que me persegue e me pega, que me faz perder o ar e a vontade de sair de casa. É como viver em um quarto sem janelas e em solidão, é morar indefinidamente na concha das minhas preocupações, no novelo asfixiante dos meus desesperos sem solução…

Virginia Woolf disse nos seus diários que a vida é um sonho, mas é o próprio despertar que nos mata. É como se de algum modo chegasse um momento pontual na nossa existência em que é preciso “despertar”, abrir os olhos às responsabilidades, aos fardos, ao movimento irrefreável das nossas cidades, a esse som às vezes desafinado das relações humanas… Assim, quase sem nos darmos conta, percebemos que todo esse movimento não apenas nos vence, como também nos diminui.


“O medo sempre está disposto a ver as coisas pior do que elas realmente são.”
-Tito Lívio-

Despertar para a vida e descobrir que às vezes dói e que às vezes pode ser difícil é algo que milhares e milhares de pessoas sentem, sem dúvidas. Porém, há algo muito mais complexo que dia após dia inúmeros homens e mulheres vivem. Trata-se de um medo difuso e sem forma, medo de estar preso a um padrão comportamental de preocupação excessiva e recorrente sobre quase qualquer coisa, qualquer acontecimento.

Do mesmo modo, esse cenário emocional, no qual a incerteza crônica e o estresse constante só aumentam, dá forma a uma manifestação clínica conhecida como “ansiedade livre flutuante” e que, por sua vez, faz parte do Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Convém dizer mais, estamos diante de uma realidade tão desgastante quanto complexa, posto que diferentemente de outros transtornos, a preocupação e as relações não se voltam a uma série de aspectos pontuais, mas abrangem tudo.

O Transtorno de Ansiedade Generalizada poderia ser resumido em uma frase tão simples quanto contundente: “Sempre estou pensando que algo ruim vai acontecer”

Ansiedade flutuante: o medo irracional, o medo não adaptativo
Carlos tem 35 anos e, depois de 10 anos de relacionamento com uma mulher, acaba de ser deixado. Ela se apaixonou por outra pessoa e mesmo que o nosso protagonista, em aparência, esteja bem, as pessoas mais próximas dele estão percebendo certos aspectos bem chamativos. Apesar de Carlos sempre ter sido um pouco ansioso, após o término do relacionamento, ele se tornou obcecado por várias coisas, uma delas é a saúde dos seus pais: ele tem medo de que fiquem doentes e morram.

Além disso, no trabalho as pessoas também estão notando alguns detalhes. Carlos é arquiteto e, há algum tempo, começou a ficar obcecado com a ideia de cometer um erro. Ele se preocupa em excesso em fazer perfeitamente bem o seu trabalho e teme que algo ruim aconteça sob sua responsabilidade. Carlos também tem medo de não conseguir pagar a hipoteca. Por causa disso, já está pensando em quais saídas poderia encontrar caso isso acontecesse. No entanto, nada disso aconteceu ainda.

Se demos o exemplo desse homem imaginário, foi devido a uma razão bastante concreta. Estima-se que o Transtorno de Ansiedade Generalizada e, em essência, esse medo flutuante que impregna quase cada aspecto da vida desses pacientes, afetam em maior grau as mulheres. Contudo, os dados também mostram algo muito relevante: quase 60% das pessoas atingidas pela doença não recebem tratamento ou não se atrevem a dar o primeiro passo em busca de ajuda, sendo uma boa parte dessas pessoas homens.

Estresse: querer estar “ali” enquanto você está “aqui”
Poderíamos definir o estresse como o estado cognitivo, emocional e comportamental que gera o desejo de querer estar "ali" enquanto estamos "aqui".
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Por que tudo me preocupa? Por que eu vivo nesse abismo de incertezas e angústias?
Para entender um pouco melhor esse transtorno e, em essência, essa manifestação clínica que é a ansiedade flutuante, devemos compreender primeiro qual função o medo exerce nas nossas vidas: ele nos prepara para reagir frente uma ameaça “real”, é um mecanismo adaptativo apurado e excepcional que nos permite sobreviver. No entanto, o que acontece quando sentimos medo e não há uma ameaça real?

E mais ainda… o que acontece quando chega um momento em que esse medo e essa angústia se impregnam em cada aspecto da nossa vida? O que acontece simplesmente é que ficaremos encalhados em uma dimensão paralela digna do pior pesadelo. Porque não há nada pior que viver com medo.

Possíveis causas
Muitos cientistas e neuropsiquiatras deixam claro: o TAG é uma síndrome diferente de qualquer outra. Assim, da faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, nos explicam que essa ansiedade flutuante se deve a uma disfunção em diferentes partes do cérebro, sendo uma delas a amígdala.

Lembramos que a amígdala, aquela pequena estrutura do tamanho de uma amêndoa, lida com nossas emoções, nossa memória e nossa percepção do medo. Em dado momento, e por razões desconhecidas, os circuitos que constituem essa delicada região cerebral são alterados e, com isso, a própria ordem e o equilíbrio da nossa vida também se alteram.

Ansiedade flutuante

Como tratar o Transtorno de Ansiedade Generalizada?
Como sempre acontece com o tratamento da ansiedade, são necessárias duas abordagens para lidar com essa condição clínica. A medicação, por sua parte, reduz os sintomas e permite, por sua vez, as condições necessárias para que a psicoterapia seja muito mais efetiva.

“A catástrofe que tanto preocupa frequentemente se revela menos horrível na realidade do que era na sua imaginação.”
-Wayne W. Dyer-

Geralmente são utilizados fármacos baseados na inibição seletiva da receptação de serotonina. No entanto, e em muitos casos, também é necessária a administração de alguns antidepressivos – embora lembremos sempre que cada paciente é único e sua realidade pessoal vai exigir um tratamento exclusivo.

Ansiedade flutuante

Por outro lado, a terapia cognitivo-comportamental e todas aquelas terapias focadas no combate ao estresse são muito eficientes para reduzir essas preocupações excessivas provocadas pela ansiedade flutuante. Com elas aprendemos estratégias eficazes de enfrentamento e desenvolvemos comportamentos mais saudáveis e integrados.

Para concluir, vale destacar também que não custa nada cuidar de outros aspectos da nossa vida: a alimentação e a prática de algum esporte ou técnica de meditação também são ferramentas complementares que podem ser usadas para dominar o medo, concentrar melhor a atenção no que é importante, essencial, e aprender assim a pensar de maneira correta para viver melhor.

Imagens cortesia de Agnes Cecile.