CLUBE DA LUTA E A VITÓRIA POR MEIO DA DOR.

publicado em cinema por Sílvia Marques
Uma das mais belas passagens de Clube da luta é quando a personagem interpretada por Helena Bonham Carter se compara ao vestido que usa, ao dizer que aquela roupa que foi amada intensamente por alguém durante um dia, foi comprada por ela por apenas um dólar. O que realmente desejamos comprar na sociedade de consumo?
David Fincher surpreende com um olhar dissecador sobre a realidade. Para quem quiser ver as mazelas de uma sociedade controlada pelo consumo e pela solidão, o que resta fazer é olhar atentamente as feridas abertas, expostas pelo cineasta. Clube da luta tornou-se uma obra estigmatizada pelo atentado em um cinema do shopping Morumbi, na cidade de São Paulo, promovido por um psicopata que atirou a esmo nos espectadores do filme.
Na época várias discussões surgiram a respeito da capacidade que o filme tinha de despertar o lado violento de cada um. Muitos estudos apontam para o poder transformatório do cinema no imaginário coletivo e também nas ações e pensamentos individuais. Sabe-se que o cinema promove profundas mudanças na forma de pensar e de agir a longo prazo. Entretanto, Clube da luta é muito mais sobre a sociedade de consumo do que a violência. Fincher devassa uma sociedade em que são os objetos que compramos que nos possui e não nós a eles, como disse o sexy e irreverente alter ego do personagem protagonista.
Diferentemente da sociedade de consumo, onde se quer acumular dinheiro e todos os tipos de poder, neste filme, os participantes do clube querem perder. Homens atormentados pelos mais variados dramas encontram uma válvula de escape para suas dores perdendo as lutas e não as vencendo, o oposto radical das sociedades capitalistas e competitivas, que dividem as pessoas em vencedoras e perdedoras.
Em Clube da luta ganha quem perde. O filme merece alguns minutos da nossa atenção antes de ser rotulado como uma apologia à violência. A linguagem fragmentada e acelerada, ás vezes incomoda um pouco, mas nos remete claramente ao mundo anunciado nos catálogos de lojas, que vendem promessas de felicidade na forma de eletrônicos, eletrodomésticos e uma série de objetos dispensáveis. Nos remete a uma sociedade em que tudo acontece muito depressa, em que mal temos tempo para questionar o que acontece ao nosso redor, o que acontece a nós mesmos.
Uma das mais belas passagens de Clube da luta é quando a personagem interpretada por Helena Bonham Carter se compara ao vestido que usa, ao dizer que aquela roupa que foi amada intensamente por alguém durante um dia, foi comprada por ela por apenas um dólar. O que realmente desejamos comprar na sociedade de consumo? O romance entre Jack e Marla, por vezes, é intrépido e intenso. Em outros momentos, ele simplesmente a repele como a um objeto que perdeu a graça.
Ambos se esbarram em grupos de apoio variados e um reconhece no outro um impostor. Como dois viciados químicos, eles se reconhecem naquela bizarra dinâmica de integrar-se por meio da dor alheia. Mais do que se reconhecerem. Eles se incomodam com a presença um do outro pois são o lembrete do simulacro de suas vidas.
Outra cena que merece destaque é quando Marla atravessa a rua despreocupadamente sem olhar para os carros nem apressar o passo por causa deles. Em um mundo tão vazio, viver e morrer são praticamente a mesma coisa já que estamos de certa forma meio mortos mesmo. E é neste sentido que a criação do clube da luta é uma grande sacada: os membros do clube se sentem vivos novamente por meio da dor. Numa sociedade anestesiada para emoções profundas e sentimentos elaborados, a dor parece um caminho redentor.
Clube da luta analisa também o tema de se falar muito e de quase nada se ouvir. Jack, o protagonista interpretado por Edward Norton, afirma participar de grupos de apoio à diversas doenças, por encontrar em tais reuniões pessoas capazes de ouvir o que os outros dizem. Mais que ouvir. Elas realmente se importam, choram, compartilham, emergem para um sentido mais significativo da vida, quando mergulham nas profundezas da dor alheia. A cada leitura, Clube da luta se revela como algo mais delicado e urgente: abaixo do consumo e da incomunicabilidade está a solidão.
Alter Ego é ?PUBLICADO POR JONAS SAKAMOTO
(locução latina, do latim alter, altera, alterum, outro + ego, eu)
1. Outro eu.
2. Pessoa em que se deposita a máxima confiança.
Um alter ego, como a própria expressão aponta, é um outro eu ou outra roupagem de nós mesmos. As nuances e pensamentos ligado a isto pode fazer algo digno de ser trabalhado e analisado, e o que pode desencadear numa história (falando de cinema) é um tanto interessante e rico, pois a ideia de ter dentro de uma única pessoa duas pessoas é algo aleatório e interessante.
Alguns fimes souberam trabalhar de forma magnífica personagens com esses traços, ressaltando além do que já foi dito, situações e dilemas em que eles se questionavam e até dialogavam entre si mesmos. Possíveis revoluções, descobertas e uma busca por saber de fato quem realmente eles são é o que norteia a evolução deles, fazendo assim personagens únicos e no mínimo, interessantes.
Como é o caso do clássico da década de 90, Clube da Luta (Fight Club), na trama retirada do livro de Chuck Palahniuk temos Jack (O narrador interpretado por Edward Norton), uma pessoa que simplesmente tem tudo o que quer e "ganha" a vida em um emprego que não passa do que já é. Ele acha que sofre de uma insônia, procura tratamento, mas a solução aparentemente se dá ao ir em encontros como de Alcóolicos Anônimos, de Doenças e afins, o que se desfaz ao conhecer Marla Singer (Helena Bonham Carter). O personagem que ele vem conhecer depois se chama Tyler Durden (Brad Pitt), Tyler simplesmente é o que o Jack mais admira e sonha um dia ser, e nele está tudo o que o Jack quer. Ambos criam o Clube da Luta, indagam, conversam e compartilham ideias e no desenrolar da história você observa uma forte ligação entre ambos e a medida que o filme evolui os outros personagens e nós sentimos que algo está estranho, como por exemplo a revolta da Marla e a cena dentro do carro do Tyler "conversando" com o Jack.
Outro filme que trabalhou isso de forma épica, foi a obra O Operário (The Machinist), um filme que literalmente bagunça com seus neurônios e bate na sua cabeça de forma psicodélica. A trama mostra Trevor Reznik (Christian Bale) que não dorme há cerca de um ano e vítima de uma brutal insônia, que faz com que ele simplesmente aparente um zumbi. Indagações e flashs de uma vida que já teve sentido aparecem em vários momentos e um quebra-cabeça parece cada vez fazer sentido (ou não). O Operário é um filme digno de ser assistido mais de uma vez por se tratar de aspectos atemporais e jogadas psicológicas magistramente articuladas, além da presença de uma peça chave no filme (Assista ao filme!).
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O Cavaleiro das Trevas merece sim um espaço nesta temática, por mostrar dois personagens até antagônicos vivendo sobre a mesma carne. Bruce Wayne/Batman (Christian Bale) é no minímo interessante, pois ele apresenta vários traços emocionais e psicológicos, a busca por justiça e a tentativa de compartilhar seu medo com a cidade de Gotham torna a trama do morcego uma jornada de indagações e pura busca de algo que conflutua dentro dele mesmo. Já pararam pra pensar que cada vilão dele é um traço de sua personalidade? Mas é assunto para um outro momento.
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