AUTOREGULAÇÃO: UMA HABILIDADE A APRENDER

16/03/2012 22:04

O termo autoregulação refere-se aos inúmeros processos de pensamento que gerenciam os nossos impulsos e emoções. A autoregulação ajuda-nos a aceder aos raciocínios que nos permitem ser assertivos, inibindo os impulsos primários e orientando a nossa atenção para a construção de uma resposta adequada à situação. Quando interagimos uns com os outros, muitas das vezes não dizemos diretamente ou literalmente aquilo que pensamos, e por um bom motivo: estamos sujeitos às regras da nossa cultura para interagir de uma maneira que respeite os sentimentos e espaço pessoal daqueles que estão interagindo connosco. A ferramenta mais importante para promover a interação efetiva é a autoregulação.

VALORES: UMA REFERÊNCIA PARA A AUTOREGULAÇÃO

No artigo: Que tipo de pessoa você quer ser? abordei a questão do benefício de orientarmos a nossa vida através dos nossos valores (daquilo a que damos significado). No artigo: Desapegue-se da sua personalidade, aprenda a desempenhar um papel falei que a capacidade de agirmos de acordo com o que queremos (seguindo os nossos valores) reside no intervalo entre um estímulo e a consequente resposta. É exatamente neste intervalo de tempo (entre o estímulo e a resposta) que a habilidade para aplicarmos a autoregulação pode expressar- se. E esta expressão é visível na observação dos nossos comportamentos e atitudes.

Mas, para aplicar eficazmente a autoregulação temos de ter um indicador que nos sirva de referência para que possamos perceber em relação ao que é que devemos regular as nossas emoções, sentimentos, comportamentos e pensamentos. O ponto de referência mais credível são os nossos valores, como por exemplo: amor, compaixão, perseverança, integridade, entusiasmo, cidadania, igualdade,entre outros.

Para termos uma noção mais exata de como podemos aprender a utilizar a nosso favor a autoregulação, devemos levar em consideração que não somos seres cristalizados, imutáveis. Partindo deste pressuposto, a referência sobre a qual nos vamos regular flui, muda e altera-se de acordo com os nossos objetivos ao longo do tempo. Se partimos do principio que aquilo que mais muda durante 24 horas de um dia preenchido de afazeres dispares, serão por certo os nossos estados emocionais, estes provavelmente não serão os melhores orientadores. As nossas emoções e sentimentos são fluídos, voláteis, impermanentes, pelo que não são a referência mais credível na qual nos podemos basear para regularmos os nossos comportamentos. Então quais são essas referências? Tal como já referi: São os valores!

Em grande parte dos artigos tenho vindo a expressar a informação que não somos os nossos sentimentos, nem pensamentos, nem comportamentos. Nós somos aquele que sente, pensa e age de acordo com um conjunto de valores, motivações, interesses e objetivos. Desta forma, se agirmos erradamente e comprovamos não estarmos alinhados com os nossos valores ou interesses, temos sempre a possibilidade de numa próxima oportunidade agir de forma mais adequada. Se fracassarmos, não nos tornamos automaticamente num fracassado. Se agirmos com hostilidade, não passamos necessariamente a ser daí para o futuro pessoas hostis. Mas não passamos a ser se conseguirmos regular-nos de acordo com as referências que escolhemos para orientar as nossas escolhas e caminhos a tomar na vida. Sem isto, ficamos à mercê das nossas emoçoes, que são voláteis, temporárias, fluídas e subtis.

 

AUTOREGULAÇÃO: UMA HABILIDADE A APRENDER

A autoregulação pode ser considerada como uma  habilidade extremamente importante na sociedade atual, ela está relacionada com muitos resultados positivos, como o sucesso na escola, na universidade, no trabalho, o status social  e económico, com a saúde e também com a satisfação nos relacionamentos. A ausência de autoregulação ou interferência nos mecanismos e habilidades que a suportam, está muitas vezes relacionada a problemas nas relações interpessoais, vício, e problemas psicológicos. Estudos recentes sobre a qualidade da autoregulação consideram-na como um traço de personalidade e uma habilidade. Pessoas com capacidade de autoregulação elevada têm mais facilidade em controlar os seus impulsos do que pessoas com capacidade de autoregulação baixa. No entanto, enquanto habilidade a autoregulação pode ser treinada: atos repetidos de autoregulação potenciam a autodisciplina e a capacidade de direccionarmos a nossa energia para aquilo que é mais importante para nós (Muraven & Baumeister, 2000).

A reter: A autoregulação, por exemplo, pode ser a capacidade para não fazermos aquilo que não queremos fazer.

EMOÇÕES: UMA FORÇA EM MOVIMENTO

Pesquisas mostram consistentemente que a autoregulação é necessária para reforçarmos o nosso equilíbrio emocional.  Na perspetiva comportamental, a autoregulação é a capacidade de agir no seu melhor interesse a longo prazo, de forma consistente com os seus valores mais profundos. A violação dos seus valores mais profundos pode originar sentimento de culpa, vergonha e ansiedade, que minam o bem-estar. Na perspetiva emocional, a autoregulação é a capacidade de acalmar-se quando está chateado, irado, fulo ou descontrolado e motivar-se, energizar-se e elevar-se quando você está para baixo. A autoregulação estabelece assim uma forte relção com a capacidade que cada um de nós tem para gerir as emoções.

Se você pretende melhorar a sua habilidade de autoregulação, é importante começar por compreender a função das emoções em geral e, especificamente os sentimentos. As emoções são uma tremenda energia em movimento. A palavra “emoção“, derivado do latim, significa literalmente “para se mover.” Os antigos acreditavam que as emoções moviam os comportamentos. Nos tempos modernos, nós dizemos que elas motivam o comportamento. As emoções energizam-nos a fazer as coisas através do envio de sinais químicos para os músculos e órgãos do corpo, elas preparam-nos para a ação.

A reter: Emoção é movimento

MOTIVAÇÕES BASE:

Seja subtilmente ou intensamente, consciente ou inconscientemente, ostensivamente ou dissimuladamente, todas as emoções têm uma das três motivações básicas:

  • Aproximação
  • Evitamento
  • Ataque

Na motivaçãoaproximação“, pretendemos obter mais de alguma coisa, experimentar mais, descobrir mais, aprender mais, ou apreciar mais, queremos aumentar o nosso valor, o valor de algo, ou dar mais atenção a algo. As emoções típicas na “aproximação“ são: interesse, prazer, compaixão, confiança e amor. Os comportamentos  comuns são: aprendizagem, encorajamento, relacionamento, negociação, cooperação, deleite, persuasão, orientação, definir limites e proteção.

Na motivação “evitamento“, pretendemos ficar longe de algo, diminuir o valor ou importância de algo e dar menos atenção a algo. As emoções típicas são: medo, perda, vergonha e orgulho. Os comportamentos comuns de evitamento são: ignorar, rejeitar, retirar-se, demitir-se e restringir.

Na motivação “ataque“, pretendemos desvalorizar, insultar, criticar, prejudicar, coagir, dominar, incapacitar ou destruir. As emoções de ataque são a raiva, ódio, desprezo e repugnância. Comportamentos característicos de ataque são a exigência, manipulação, domínio, coação, ameaça, briga, prejudicar, e abusar.

SENTIMENTOS

Os sentimentos são a componente consciente das emoções que supostamente melhor conseguimos descrever acerca do que pensamos estar a sentir no nosso corpo, relativamente a algo (situação, pensamento, comportamento, atitude, entre outros), mas por vezes mal compreendidos. Em contraste com a simplicidade das motivação básicas, os sentimentos são complexos, estão em constante mudança, e sujeitos aos nossos humores (como a depressão), sensações (como calor, frio, prazer, dor, conforto, desconforto) e estados fisiológicos (como a fome e o cansaço). Tudo isto pode (erradamente) sentir-se como emoções, razão pela qual muitas vezes atribuímos (erradamente) um significado psicológico para qualquer coisa que possamos sentir como desconfortável, desagradável e angustiante.

Por vezes, grande parte dos nossos problemas psicológicos, ansiedade, mal-estar emocional, infelicidade e descontentamento surgem por más interpretações que fazemos daquilo que sentimos.  A sensação de desconforto pode parecer-se muito semelhante a emoções negativas conduzindo-nos a uma terrível confusão, fazendo que a nossa atenção seja dirgida para sentimentos (catalogando o que sentimos), ao invés de perceber as nossas motivações.

Provavelmente tornámo-nos demasiado sensíveis ao desconforto, pensamentos negativos, sensações corporais de incómodo, frustração, fracasso, erros, fazendo com que rapidamente saltemos para conclusões precipitadas acerca do quão o nosso bem-estar está a ser afetado e o quão miserável e doloroso é estar assim. A repugna exagerada originada pelas más interpretações fundadas na catalogação de sentimentos como: estou desesperado, estou triste, estou infeliz, estou furioso, sou um fracasso, estou desta ou daquela forma, retira-nos a possibilidade de apenas estarmos a sentir coisas que estamos preparados para sentir, sem que necessariamente tenhamos de generalizar para o nosso estado geral ou para a nossa vida em geral.

 

Nos mamíferos, os sentimentos não são fins em si mesmos, mas um meio que impele a focar a atenção em algo, então devemos agir sobre a motivação da emoção presente. Por exemplo, se você estiver interessado em algo, mas não fizer nada para obtê-lo, a emoção de interesse geralmente inconsciente começa a fazer sentir-se como excitação, antecipação, um palpite irritante, ou ansiedade.

Fato a considerar: Pode dizer-se que você não está a ter um problema de ansiedade, mas sim uma reação fisiológica (que se apresenta em forma de informação subtil: sensações de mal-estar no corpo) ao fato de não estar a obter o que deseja, ou querer obter o que deseja.

Se você tiver ignorado alguém que ama e não se aproxima para comprimentá-lo e interagir, a emoção geralmente inconsciente de culpa vai começar a fazer sentir-se como frustração, impaciência, ansiedade ou depressão. Mais tarde você vai pensar porque razão está sentir-se assim, e se tem esse sentimento, algo de errado está a acontecer. O que aconteceu é que o seu organismos fez você sentir-se mal de forma muito subtil, porque você não se comportou de acordo com aquilo que valoriza: a pessoa que ama. Se você for interpretar o sentimento e ignorar a sua consciência ou a razão porque ama aquela pessoa, pode começar a duvidar do sentimento que tem acerca dela. O seu problema teve inicio. Uma total confusão de sentimentos, pelo fato de querer interpretar psicologicamente algo que simplesmente tinha de ser sentido como: “upss, eu devia ter cumprimentado“. Como pode então resolver isso sem que tenha de colocar tudo em causa? Aproxima-se da pessoa e pode dizer: “A minha atenção estava direccioanda para algo que eu precisava de resolver e distraidamente ignorei-te“.

Quando agimos sobre a motivação básica das emoções, temos pouca ou nenhuma consciência dos nossos sentimentos. É assim que você pode interessar-se por alguma coisa, olhar para o relógio e perceber que algumas horas passaram, durante o qual, não tinha consciência dos seus sentimentos. É de igual forma que podemos não prestar atenção a alguém que amamos através da motivação de evitamento e ficarmos surpresos quando o parceiro nos acusa de o ignorarmos, o que estavamos inteiramente inconscientes de estar a fazer.

Claro, você pode tornar-se consciente dos sentimentos, se você refletir sobre eles, mas por certo irá interferir com a motivação e alterar o comportamento, bem como distorcer o sentimento. Por exemplo, você pode provavelmente recordar um momento romântico, como caminhar na praia ou estar deitado em frente a uma lareira acolhedora, quando o seu parceiro quase arruinou tudo, perguntando: “O que você está sentindo agora?” Você teve que parar de compartilhar interesse e prazer e pensar sobre o que é sentir-se a compartilhar interesse e prazer.

INTERPRETE OS SEUS SENTIMENTOS COM BASE NOS SEUS VALORES

A auto-regulação é mais atingível quando focada em valores, em vez de sentimentos. Os nossos sentimentos deves ser avaliados como sinais sobre a realidade, ou melhor dizendo sobre a percepção que temos da realidade. Por outras palavras, os sentimentos são um meio de autoregulação, ao invés de um fim em si. De fato, a autoregulação é difícil de ser atingida quando focamos a nossa atenção apenas nos sentimentos, simplesmente porque o foco amplia-se, expande-se e distorce-os.

Exemplo 1: “Eu sinto-me mal …”. Focaliza a atenção sobre o sentimento ruim, que invoca explicação, avaliação, justificativa, e muitas vezes a interpretação dos sentimentos.

Exemplo 2: “Isto é o quão ruim eu me sinto …. Estas são as razões pelas quais eu me sinto mal …. Eu tenho o direito de sentir-me mal …. Isto é o que os sentimentos ruins dizem sobre mim ou dos que me rodeiam …. “

Nos exemplos apresentados anteriormente, a pessoa foca-se no que supostamente está errado. Se você culpa outra pessoa pelos sentimentos que está a experienciar, provavelmente irá estimular os motivos para a retaliação, impedindo-o de melhorar o que está realmente a causar os sentimentos negativos.

Os sentimentos são uma parte importante de como nós criamos significado e como motivam o nosso comportamento. No entanto, os sentimentos não são os únicos a contribuir para que tal suceda, e raramente são o aspeto mais importante  para a compreensão do complexo significado dos nossos comportamentos. Na verdade, o foco apenas nos sentimentos sem considerar os valores promove mais o desenvolvimento de vícios, compulsões e problemas psicológicos do que comportamentos benéficos adequados e ajustados.

Sermos consistentes na habilidade de utilizarmos eficazmente  a auto-regulação requer foco nos nossos valores mais profundos, em vez de apenas nos sentimentos. A violação dos nossos valores, invariavelmente, produz sentimentos ruins, enquanto se nos movimentarmos e orientarmos nos valores, eventualmente, estaremos a contribuir para nos sentirmos mais autênticos, capacitados e com bem-estar emocional.

Abraço