As queixas de esquecimento são as razões mais frequentes de encaminhamento dos pacientes para avaliação neuropsicológica e proporcionam um bom ponto de partida para a consulta, ainda que não sejam muito específicas

11/02/2021 11:29

. Muitas vezes, a família se queixa de memória e o problema, na verdade, é outro; por exemplo, esquecimento de palavras indicando anomia ou afasia, e não amnésia. Para analisar queixas relacionadas à memória, deve- -se fazer uma distinção básica entre suas di- ferentes categorias. A memória episódica (eventos da ex- periência pessoal), que pode ser anterógrada (novas informações recentemente armazenadas) ou retrógrada (informações mais antigas), depende do sistema hipocampo-diencefálico para seu funcionamento. Na síndrome amnéstica, ha- verá queixa da memória anterógrada com razoável preservação da retrógrada no início das demências, mas, à medida que o curso avança, também esta última vai se mostrando comprometida. A amnésia an- terógrada relativamente pura pode ser encontrada quando há dano hipocampal, particularmente no início da DA, na encefalite herpética e na esclerose mesial temporal da epilepsia do lobo temporal. Uma síndrome amnéstica transitória, com déficit anterógrado mais pronunciado e déficit. Dados da história clínica que sugerem amnésia anterógrada ou retrógrada Amnésia anterógrada:  esquecimento de eventos pessoais e familiares recentes dificuldade com a data atual, perguntas ou histórias repetitivas, perda de objetos e pertences pela casa , dificuldade na lembrança de recados , aumento da necessidade de listas ou agendas , incapacidade de acompanhar e/ou lembrar-se do enredo de filmes, livros e novelas Amnésia retrógrada: n perda de dados autobiográficos antigos n dificuldade com datas antigas importantes n perda de familiaridade com parentes n desorientação, com pouco senso de direção ,retrógrado variável, é observada na amné- sia global transitória, enquanto “memórias em lacunas” e repetição de breves episódios de esquecimento sugerem amnésia epiléptica. A confabulação, como na síndrome de Korsakoff, pode ser delirante, porém mais comumente envolve a desorganização e fu- são de memórias reais, que acabam sendo evocadas fora de contexto (Kipps & Hod- ges, 2005). Outro sistema importante é o da memória semântica, que se encarrega dos significados das palavras e do conhecimento geral, sendo que seu bom funcionamento depende da integridade das porções ant riores do lobo temporal. Pacientes com deficit semântico costumam se queixar de“esquecimento de palavras”. O vocabulário se encontra reduzido, sendo frequente a troca de palavras específicas por termos genéricos e vagos. Há um prejuízo concomitante na compreensão do significado das palavras, o que inicialmente ocorre para palavras me- nos utilizadas. Ressalta-se que dificuldade para “encontrar palavras” pode ser observada em quadros ansiosos e no envelhecimento não patológico, mas nesses casos o problema é variável ou flutuante, não relacionado ao prejuízo na compreensão. A memória de trabalho (do inglês working memory) se refere à capacidade que permite manter informações relevantes por alguns segundos durante a execução de uma determinada tarefa, sendo dependente da porção dorsolateral do córtex fron- tal. As queixas incluem: iniciar tarefas e não finalizá-las, perder a linha de pensamento, esquecer-se do motivo de ir a um cô- modo, não conseguir manter informações por períodos curtíssimos, esquecer que es- tá ao telefone e trocar de atividade, etc. Geralmente, esses sintomas são mais evidentes para os pacientes que para os acompanhantes. A memória de trabalho é sensível ao en- velhecimento não patológico e a processos patológicos diversos, estando comprometi- da em quase todas as formas de demência, bem como em muitos transtornos psiquiátricos. Linguagem Um equívoco comum em entrevistas clí- nicas é reduzir a participação do pacien- te, mantendo a conversação apenas com o acompanhante. É fundamental ouvir o discurso do paciente, observando atenta- mente sua fluência, articulação, prosódia, compreensão e pragmatismo. Pode-se identificar facilmente dificuldade para encontrar palavras e erros parafásicos, mas outros distúrbios da linguagem podem ser de difícil detecção, sobretudo quando se mantém a conversa em torno de assuntos domina- dos pelo paciente, sem sair de sua zona de conforto linguístico. Eventualmente, uma história de fluência deficitária pode mas- carar anomia significativa ou incompreensão de certas palavras, o que torna relevante a avaliação rotineira do uso e do entendi- mento de palavras infrequentes. Função executiva Como a disfunção executiva é uma das que mais repercutem na funcionalidade e nas atividades de vida diária do paciente, com frequência os prejuízos relacionados cha- mam atenção da família e são relatados na consulta. Prejuízos desse domínio cog- nitivo costumam envolver tomadas de de- cisão, erros de planejamento, julgamento, solução de problemas, controle do impul- so e pensamento abstrato. A função execu- tiva é tradicionalmente atribuída ao córtex dorsolateral pré-frontal, mas esse conjun- to de habilidades se distribui de forma mais ampla no cérebro, envolvendo substância branca frontal e núcleos da base. Uma in- finidade de doenças pode evoluir com dis- função executiva, visto que os lobos fron- tais são o sítio de manifestação de muitos  processos patológicos degenerativos, vasculares, neoplásicos, infecciosos, inflamató- rios e traumáticos. Apraxia- O termo apraxia se refere à incapacidade de executar movimentos aprendidos, estando as funções motoras e sensitivas intactas. Ainda que existam categorias, como ideo- motora e ideatória, essa classificação é pou- co utilizada na prática clínica. Parece mais útil descrever a localização da apraxia (oro- bucal ou de membros) e descrever qual é o tipo de execução comprometido – por exemplo, se há erros espaciais ou de sequên- cia nas diferentes tarefas. A identificação da topografia da apra- xia é assunto controverso, mas o lobo pa- rietal esquerdo e os lobos frontais parecem desempenhar papel evidente. A apraxia orobucal está intimamente associada às le- sões da região inferior do lobo frontal es- querdo e ínsula, e frequentemente é acom- panhada por afasia motora, relacionada à lesão da área de Broca. Apraxia assimétrica progressiva e restrita a membros sugere de- generação corticobasal. Habilidade visioespacial Nesta área, a família ou o próprio pacien- te relatam dificuldade de orientação espa- cial (perde-se em lugares conhecidos), in- capacidade para traçar mapas mentais de deslocamento de uma região para outra, di- ficuldade de reconhecimento ou de síntese visual. As informações do córtex visual são direcionadas por meio do córtex temporal ou parietal por uma de duas vias: a via dor- sal (“onde”) conecta a informação visual com a posição espacial e orientação no lobo parietal, enquanto a via ventral (“o quê?”) conecta a informação visual com o arquivo de conhecimento semântico nos lobos tem- porais. Os campos visuais frontais direcio- nam nossa atenção para alvos em nosso campo visual. AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA A avaliação psiquiátrica constitui elemen- to fundamental no contexto da avaliação neurocognitiva (Teixeira & Kummer, 2012). Como mencionado previamente, estados alterados do humor e outros sintomas psi- copatológicos podem influenciar algumas funções cognitivas ou mesmo o processo de avaliação. Embora cada vez mais utilizadas, as escalas ou os inventários de autopreen- chimento não substituem a avaliação psi- quiátrica para estabelecer o diagnóstico de transtornos mentais. Muito frequentemente, o paciente ne- ga os sintomas comportamentais, mas o acompanhante pode ajudar a relatar algum comportamento social embaraçoso, alterações nos hábitos e nas preferências alimen- tares ou comportamento sexual inapropria- do. A capacidade de sentir empatia e jul- gar o estado emocional dos outros (Teoria da Mente) costuma estar comprometida nas síndromes associadas ao córtex pré-frontal ventromedial. A apatia é um traço comum de inúmeras doenças neurológicas e trans- tornos psiquiátricos no idoso, e geralmen- te se refere ao acometimento de estruturas mediais pré-frontais.