A sua coroa caiu, princesa.Quais são as consequências de crescer vendo histórias de princesa?

02/10/2018 10:35



A literatura infantil tradicional sempre se caracterizou por difundir uma imagem sexista da realidade. Os contos de fadas estão muito presente nos filmes e contos tradicionais infantis, e entre eles encontramos as histórias de princesa. Geralmente com uma protagonista mulher, essas histórias envolvem um príncipe que salvará uma princesa que passa a vida esperando por ele.

Nesse exemplo, os meninos e as meninas se identificam com os personagens de forma bastante significativa. Há inclusive uma identificação emocional, com atribuição de uma enorme importância para as mensagens transmitidas.


Em alguns casos mais recentes, as histórias incorporam as mudanças sociais que aconteceram nas últimas décadas, mas no geral elas se mostram ultrapassadas, sexistas, discriminatórias e conservadoras. Vejamos a seguir.

Qual é o impacto de crescer vendo histórias de princesa?
Os contos de uma sociedade são um espelho da mentalidade desta, e através dos contos de fadas diversas histórias de princesa são difundidas dentro da sociedade. Isso ilustra uma ideologia que impera, que é a da mulher vivendo para o homem. Nesse tipo de conto o papel que cada sexo possui é muito claro, e isso influencia a noção de gênero que vai se formando ao longo da infância de nossas crianças.

As histórias de princesa fazem referência a um personagem feminino representado por uma bela moça. Geralmente, há também um personagem do mal, uma bruxa por exemplo, que muitas vezes possui poderes mágicos. A princesa é sempre caracterizada por ser bela e bondosa, e por sofrer pelas ações de algum personagem do mal. Ela será salva desse contexto por um homem, um príncipe, e viverá feliz para sempre.


O papel que uma mulher tem nesse tipo de conto de fadas gira em torno de cuidar do lar, das crianças, e talvez também de alguma outra pessoa ou animal. A meta principal de uma mulher em uma história de princesa é se dedicar ao matrimônio, muitas vezes essa sendo seu único objetivo.

Símbolos representativos
Temos alguns símbolos quanto à caracterização que distingue as personagens femininas desses contos dos personagens masculinos.

Os valores que são transmitidos nas histórias de princesa constroem uma imagem de papéis diferentes para cada sexo, que muitas vezes são totalmente opostos. Um estudo realizado pela escritora Turín (1995) analisou alguns dos símbolos mais representativos nos contos de fadas:


Os óculos: não costumam ser usados pelas personagens, sendo geralmente um símbolo de sabedoria, não de beleza.
Os utensílios domésticos (panos, avental, vassoura, etc…): simbolizam a dona de casa e mãe de família que se dedica exclusivamente aos seus afazeres do lar e não se desliga deles jamais.
As janelas: as princesas e fadas costumam se ocultar do mundo que as rodeia, o que significa apatia ou passividade.
Ao contrário, os personagens masculinos que aparecem nas histórias de princesas sempre são representados como homens fortes, valentes, lutadores. Pode acontecer também de estarem em uma posição de submissão, como no caso de um mordomo ou servente. Mesmo nesse caso, nunca aparecem fazendo uma tarefa do lar, muito menos aqueles representados como fortes e inteligentes.

Os contos de fadas
Contos clássicos como Branca de Neve, A Bela Adormecida, Cinderela e A Bela e a Fera são alguns exemplos de contos de princesa e de fadas em que as princesas são belas e charmosas. Elas se dedicam exclusivamente ao seu lar, e se encontram reclusas e excluídas de uma esfera privada e social.

Nessas histórias, os personagens feios são sempre associados à maldade, e a maioria dos conflitos acontece por inveja ou rivalidade em relação à beleza da princesa ou o amor do príncipe.

O papel da mulher é sempre o mesmo, a de uma perfeita dona de casa, como se fosse um dom ou uma capacidade que só as mulheres conseguissem desempenhar. Esses valores estereotipados desvalorizam a autonomia e o trabalho da mulher e dificultam uma educação igual para ambos os sexos.

A história da Branca de Neve
Como conclusão, as histórias de princesas e os contos de fadas da literatura infantil tradicional acabam sendo uma ferramenta que perpetua os papéis sexuais estereotipados. Alguns comportamentos são reforçados, enquanto outros são reprimidos.

Felizmente, hoje em dia esses valores e normas que são transmitidos de geração para geração já estão começando a ser vistos como algo defasado e obsoleto. No entanto, temos que continuar trabalhando com outros aspectos atemporais que também são abordados nesses contos, como o bem e o mal, o valor do esforço, o valor do respeito, da amizade, etc.

Os contos de fadas têm devastado o inconsciente coletivo quando se fala de amor. Não precisamos comer banquetes para sermos felizes, e nem que o conto termine em final feliz. Temos que procurar ser feliz sem contos, e não buscar um conto com final feliz.

O que nós precisamos é viver felizes da nossa própria forma, construir relacionamentos independentes, fazer o nosso próprio destino. Nada de escolher príncipes encantados ou princesas de mundos cor-de-rosa, senão as rosas nos espetarão. Elas podem deixar bolhas, mas pelo menos aprendemos que elas fazem bem, mas que também podem nos machucar.


Já existem muitas ilusões que foram quebradas. Nós caímos do cavalo; o amor não é como a Disney retratava e nem como os contos de fada quiseram nos fazer acreditar.

A sua coroa caiu de tanto chorar, princesa. Os sapos não se transformam em príncipes. Eles nunca fizeram isso. Os príncipes já não te carregam no colo, já não te resgatam do dragão e nem te dão beijos que lhe devolvem a vida.

As princesas também já não são o que eram ou o que “deveriam ser”. Elas agora querem ser engenheiras, não bonecas. E se querem ser bonecas, muitas querem ser bonecas exemplares. Fortes, independentes, empoderadas.

Salve-se. Rasgue o vestido. Voe com os pássaros e esqueça as madrastas e carroças encantadas. Não se conforme e nem aceite o seu destino, escolha. Questione, não viva em um conto de fadas, procure ser feliz.
menina com espelho em um conto de fadas

Não faz muito sentido ser uma mulher de porcelana, frágil e delicada. Adeus à ingenuidade e à inocência, olá à astúcia, sagacidade e independência emocional.

“Esqueça o príncipe encantado, procure por um homem real que te veja melhor, te escute melhor


Troque os “eu preciso de você para respirar” por “eu gosto de respirar com você”. Não morra até que o príncipe chegue. Seja bruxa, brinque com os dragões, alimente os sapos e cozinhe no seu caldeirão as melhores poções de amor próprio. Priorize-se. Livre-se das trevas.

E você, príncipe, livre-se da sua capa e da sua espada. Você não precisa lutar contra o dragão e nem resgatar a princesa. Você não está encantado, só está apaixonado. Quando quiser. E você também chora, ri e canta. Você não é de ferro, também é de carne e osso.

Não, você não tem que salvar o mundo dos outros antes do seu próprio mundo. Você também tem direito aos detalhes, aos cuidados e às emoções. Converta-se no lobo mau e não negue os seus sentimentos. As armaduras pesam, você sabe bem disso.

Você não tem que passar a vida se protegendo; permita-se sentir e explorar. Resgate a si próprio e não se sinta obrigado a ir de castelo em castelo, nem a cruzar os sete mares em busca de um casamento ou da bênção de reis superprotetores.

Não procuremos castelos encantados com masmorras para as pessoas do mal. Não procuremos muralhas nem planícies coloridas. Procuremos olhos que nos façam sentir tontos, que faça o nosso coração bater mais forte e sorrisos que nos deixem apaixonados. Mas que sejam sorrisos que nós criamos.

Os contos de fadas são sempre um conto com um final feliz, e não é isso o que queremos. Não queremos amores eternos infundados em destinos mágicos e banquetes da realeza. O que realmente nos faz felizes é viver o nosso ar, cheio de liberdade e loucura.

Por isso, não temos que procurar um conto com final feliz, e sim sermos felizes sem contos. Sem expectativas. Sem fada-madrinha. Sem coroas. Sem sapos. E que a única magia que conheçamos seja a do amor próprio, porque só assim poderemos exigir um caminho de estrelas.

Referências bibliográficas:
Laínez, C.M. (2016). Los estereotipos sociales de la mujer y la familia durante el franquismo.
López, A. (s.f). Coeducación y estereotipos de género en la literatura infantil.