A falsa paz da zona de conforto tem a ver com o autoengano.

01/08/2020 11:57
 Pensamos que, se não nos expusermos ao novo e/ou ao incerto, nos sentiremos mais calmos. Na verdade, ao não fazermos isso, acabamos superdimensionando os nossos medos.
A falsa paz da zona de conforto

 

É chamado de zona de conforto todo aquele conjunto de circunstâncias às quais nos adaptamos passivamente e que, portanto, exercem um grau mínimo de exigência sobre nós. Embora aparentemente isso nos dê tranquilidade, o que a zona de conforto proporciona é uma falsa paz, porque a vida é dinâmica e, mais cedo ou mais tarde, teremos que enfrentar as mudanças, mesmo que resistamos a elas.

O mais problemático é que a zona de conforto não é um espaço para desenvolver a capacidade de se adaptar ao novo. Muito pelo contrário. Quanto mais repetimos as rotinas e nos movimentamos apenas em terrenos conhecidos, mais difícil será visualizar e abordar as variações.

É por isso que se diz que a zona de conforto gera uma falsa paz. Não é a tranquilidade de quem confia em si mesmo, mas a de alguém que tem a fantasia de estar controlando tudo. Ao sair dessa zona de conforto, a suposta paz desaparece e se transforma em insegurança e angústia. A tranquilidade nesse caso não depende da pessoa, mas da estabilidade das circunstâncias, por isso é tão frágil.

A única possibilidade de descobrir os limites do possível é se aventurar um pouco além deles, em direção ao impossível“.
-Arthur Clarke-

A falsa paz da zona de conforto

 

A zona de conforto e o medo

Um dos aspectos mais preocupantes da zona de conforto é que ela é construída em função do medo. O que a pessoa que se instala no contexto das circunstâncias que lhe são familiares busca é, principalmente, sentir segurança. Ela quer reduzir ao mínimo a incerteza e, portanto, demarca um território subjetivo e não sai de lá.

A zona de conforto é configurada a partir do medo. Assim, o objetivo de não sair de lá também é ditado pelo medo. Qualquer coisa que não esteja dentro desse território conhecido é sentida como uma ameaça. O novo, o diferente e o desconhecido são tratados como ameaças. A falsa paz que você experimenta termina quando surge algum imprevisto.

Devido a essa presença latente do medo, muitos pensam que a zona de conforto é, na verdade, uma zona de perigo. E realmente é uma zona de perigo, pois quem se instala ali se torna progressivamente vulnerável, pois a sua segurança e tranquilidade dependem exclusivamente de fatores externos, que podem mudar a qualquer momento.

A falsa paz da zona de conforto custa caro

Além de todos os itens acima, aqueles que permanecem na sua zona de conforto nem ao menos se sentem completamente tranquilos por estarem ali, mesmo que não haja mudanças. Eles são tão dependentes de certas circunstâncias que não é incomum que vivenciem episódios de muita ansiedade e falsas crenças. Embora não corram riscos, eles fantasiam sobre os possíveis problemas que podem ocorrer. Isso causa angústia e acaba com a falsa paz que supostamente deveria prevalecer.

Um preço alto também é pago quando alguém se recusa a atravessar a barreira da zona de conforto. O exemplo mais comum é o do funcionário que odeia o emprego, mas que não o abandona por nada nesse mundo. Certamente, não é reconfortante viver fazendo algo que você não gosta. No entanto, em alguns casos, o medo de enfrentar algo novo e incerto é maior.

Quem se mantém na zona de conforto não está mais tranquilo nem mais feliz. O que eles fazem é criar um esconderijo para lidar com o medo. Com isso, eles não resolvem suas inseguranças; pelo contrário, maximizam a sua intensidade.

A única maneira de superar os medos

A única maneira de superar os medos é enfrentá-los. Todos sabemos disso, mesmo que às vezes tentemos ignorar esse fato. Encarar o medo não é agradável, pelo menos no começo. É algo que nos leva aos nossos próprios limites e que, a princípio, gera sensações que não são nada agradáveis. Sentimos o medo, por um momento, na sua maior intensidade.

A única maneira de superar os medos

 

No fundo, permanecer na zona de conforto é uma maneira de declarar que nos sentimos incapazes de muitas coisas. É verdade que há muitas coisas que não somos capazes de fazer, porque a realidade nos impõe limites. Não somos capazes de ser imortais ou de prevenir situações que nos causem dor. No entanto, podemos encontrar o caminho para recuperar o equilíbrio.

Quando conseguimos confiar em nós mesmos de uma maneira razoável, os medos retornam à sua verdadeira dimensão. Há também um sentimento de tranquilidade que não se compara a essa falsa paz da zona de conforto, mas a uma melhor expectativa do nosso próprio desempenho. É preciso ter essa confiança para deixar a nossa vida do jeito que queremos, em vez de reduzi-la a um cantinho que nos protege, mas que também nos aprisiona.

O momento perfeito para sairmos de nossa zona de conforto surge quando menos o esperamos. Quando isto acontece, precisamos apenas de duas coisas: coragem e a convicção de que merecemos algo melhor. É um voto de fé, um passo que deve ser dado com a mente firme e o coração convencido, uma mudança que nos aproximará finalmente da pessoa que realmente queremos ser.

Uma coisa que todos sabemos é que a expressão “sair da zona de conforto” criou raízes em nossa linguagem. Ela vive em quase todos os cenários, midiáticos e cotidianos, e a febre que surgiu em torno do conceito “crescimento pessoal” é tão grande que é necessário esclarecer certas ideias..

Em primeiro lugar, poderíamos dizer que atualmente nos impõem quase que continuamente que mudemos, porque a mudança em si mesma é positiva e enriquecedora, que nos ajuda a reciclar perspectivas, a integrar novas energias, recursos e a ser mais receptivos a todas estas oportunidades que temos em nossos horizontes e que, às vezes, por indecisão, medo ou timidez, não nos atrevemos a alcançar.

A publicidade, por exemplo, nos convida permanentemente a comprar novos produtos. Ela nos incita a deixar a empresa ou a marca de sempre por uma nova, por uma melhor. Outra vezes, quando comentamos com alguém o “não sei o que fazer, meu namorado quer que moremos juntos”, nunca faltará alguém que dirá a frase clássica: “vai, se joga, é hora de sair da zona de conforto”.

Algo que devemos ter muito claro sobre esse termo é que ele não deve ser interpretado levianamente. A teoria original da zona de conforto tinha princípios básicos e essenciais que talvez estejamos esquecendo. Cada um de nós deve ter um grau adequado de autoconhecimento para saber quando e de que forma dar esse passo adiante, porque a última coisa que desejamos é que nos leve a uma queda livre. Portanto, deve-se saber o momento perfeito, o instante ideal…

Seus sonhos estão muito além da sua zona de conforto

 

A zona de conforto, um espaço onde a temperatura é perfeita

Venderam-nos a clássica ideia de que as coisas mágicas crescem fora da zona de conforto. Pois bem, esta frase tem pontos importantes: a magia está dentro de cada um, e esse bem-estar surge estando onde nos identificamos, nos sentimos felizes, satisfeitos. Portanto, às vezes, será preciso escalar os muros deste entorno cotidiano e cômodo que nos envolve para encontrar algo novo, algo que se ajuste ao que realmente necessitamos.

Outras vezes, por outro lado, essa área confortável nos traz justamente o que necessitamos, nem mais, nem menos, e é assim que algumas pessoas constroem sua felicidade. Por isso, e para entender um pouco mais este termo, será de grande ajuda buscar sua origem, saber de onde vem este conceito.

Foi nos anos 80, quando um grupo de cientistas que pesquisava o leque de temperaturas em que o ser humano pode trabalhar em condições ideais sem sentir nem frio nem calor, que ficou estabelecido que existe uma área de conforto térmico situada entre os 20 e os 24 graus.

Mais tarde, em 1991, foi publicado um livro de gestão empresarial intitulado “Danger in the comfort zone” onde sua autora, Judith M. Bardwick, usava este termo científico na área do crescimento pessoal, definindo-o como o estado onde as pessoas vivem com um nível “0” de ansiedade.

Agora, o que ocorre quando se vive sem ansiedade? A pessoa não inova, não cria, não tem estímulos. É uma vida onde o nível de controle é tão grande que já não se gera nada de novo, nada original.

Mulher tocando flauta fora da sua zona de conforto

 

Em 2009 o psicólogo Robert Yerkes definiu um pouco mais o conceito, falando sobre a “zona de rendimento ideal”, que é uma área onde graças a uma pequena quantidade de estresse e ansiedade nós melhoramos nosso rendimento. Este pequeno grau de excitação é o que nos empurra a procurar novas opções, ter pensamentos inovadores e criativos a fim de nos sentirmos realmente satisfeitos, porém tendo sempre uma “certa” sensação de controle.

Por isso é necessário lembrar um detalhe importante: estes saltos, sem paraquedas e com os olhos fechados, nem sempre são positivos, pois às vezes ao sair muito rapidamente desta zona de conforto, vamos diretamente à zona de perigo, onde perdemos as rédeas do controle e ultrapassamos a do rendimento ideal, onde todos deveríamos começar.

Só eu decido como sair da minha zona de conforto

A frase “sai e arrisca, deixe sua zona de conforto” é quase um grito neoliberal que nos empurra a deixar nossos cenários conhecidos para nos convencer de que assim encontraremos o sucesso. No entanto, muitas vezes nos vemos obrigados a isso não apenas para alcançar o sucesso, mas para sobreviver.  O jovem que deixa seu lar para trabalhar no exterior, por exemplo, nem sempre o faz por vontade de “experimentar”. Às vezes é um exílio obrigatório na busca de melhores oportunidades de vida.

A pessoa que abandona seu cônjuge depois de 10 ou 20 anos de convivência não o faz pelo sucesso, e sim para ser feliz de novo, para se reencontrar consigo mesmo e com a sua dignidade. Portanto, devemos ter em mente que além das vozes desses gurus que nos dizem que nós nos “acomodamos” demais em nossas áreas de conforto, devemos todos lembrar que as mudanças nunca são feitas levianamente. Elas acontecem porque existem necessidades concretas, claras e objetivas: insatisfação, infelicidade, vazio existencial, apatia, mal-estar…

Por isso, e para terminar, basta levar em consideração que “mudar por mudar” não é uma moda, ninguém tem que vir de fora para nos dizer que temos que dar este salto, fazer essa mudança. Somente nós mesmos podemos abrir os cadeados das jaulas da zona de conforto para buscar o que necessitamos, somente nós mesmos escolheremos quando e em qual momento: e este será quando nos sintamos mais fortes e sejamos capazes de romper as ataduras do medo.

Mulher caçando libélulas fora da zona de conforto

FONTE: A MENTE É MARAVILHOSA.