A CIÊNCIA PODE PROVAR A EXISTÊNCIA OU NÃO DE UM DEUS?

Acredito que eu não precise apresentar aqui quem é Richard Dawkins [1] ou o que ele faz, quero, primeiramente, deixar claro que admiro seu trabalho – tanto as obras publicadas quanto a divulgação científica que faz [2] – antes de qualquer coisa, mas, recentemente, essa posição, que pretendo dissertar em seguida, vem me “esquentando a cuca”. Pois bem, Dawkins, sem dúvidas nenhuma é um dos grandes nomes do ateísmo militante, se não o maior. Sua defesa do ateísmo, que é bem clara em algumas de suas obras, pretende ter por fundamento, sobretudo, as ciências naturais, principalmente a biologia. Sustenta, em suma, que o universo e tudo que reage nele, tal como as ciências naturais o consideram, bastam-se a si mesmo, e tudo o que nele há de diversificado e “maravilhoso” [3] é resultado do dinamismo do próprio mundo posto em movimento.
Entretanto, a pergunta central que gera dessa posição de Dawkins, vem me atormentando constantemente: será possível abraçar a filosofia ateísta a partir das ciências naturais? Proponho-me, como início e não fim, responder essa questão aqui: Para ser direto, devo dizer: as ciências naturais, de si, não nos permitem nem afirmar nem negar a existência de deus. Essas ciências, como não poderiam ser diferentes, têm uma metodologia específica e estatuto próprio que lhes dão competência em uma área determinada da realidade, mas que também, por sua vez, lhe tiram a competência para outras dimensões do conhecimento. Elas podem alcançar certa dimensão da realidade, mas não toda a realidade. A ciência, a priori, que têm por objeto a realidade como um todo é a filosofia; esta baseada na aplicação dos princípios racionais. Pois bem, a questão da existência de deus, está ligada diretamente ao todo da realidade, afinal, se pressupormos que deus não está ligado ao todo da realidade, não tem por que chamarmos esse “ser” de deus. Mas então, o que é o real? É só a matéria? Para além da matéria existe algo? Só quem tem uma visão do todo, com clareza, pode dizer, com certeza, se deus existe ou não. Essa tarefa, portanto, se é que é possível executá-la, cabe à filosofia, a única ciência que pretende encarar a realidade como um todo.
As diversas ciências naturais, a biologia inclusa, ciência na qual Dawkins se destaca, estão restritas ao mundo físico, que é o seu pressuposto inquestionável, sem se preocupar, se para além desse mundo existe um outro, de natureza diversa, e com toda a razão. Essas ciências, uma vez admitido como pressuposto claro o mundo físico, se propõem a saber como esse mundo se comporta, como os diversos fenômenos naturais podem ser explicados, realizados, reproduzidos, testados e quais as relações entre causa e efeito, etc. Mas tudo ligado ao âmbito desse mesmo mundo, o físico. Note-se bem, eu não estou alegando que há – ou que possa existir – um outro “mundo” além do físico, e muito menos, pretendo explorar mais essa questão aqui, me abstenho, por momento, em entrar em detalhes sobre a existência de outros planos, principalmente sobre as ideias platônicas. Meu objetivo aqui não é alegar – ou provar – que há outro mundo, mas, argumentar que (mesmo que exista ou não) as ciências que me refiro estão ligadas, diretamente, ao mundo físico. Sendo assim, quando um cientista natural – físico, biólogo, químico e etc. – levantam uma questão sobre a existência de deus, sobre se este mundo físico é o único existente, ou sobre o princípio radical do mundo – se é ou não eterno -, ou sobre se há ou não um sentido para as coisas e a vida humana; quando esse levanta questões nesse âmbito, o cientista, na verdade, ultrapassa os limites da sua ciência natural e passa a colocar questões filosóficas no debate. Ele, por isso, já não fala em nome da sua ciência natural, e então, passa a falar como filósofo, sem, às vezes (nem sempre, mas no caso de Dawkins, sim), ter adquirido competência para tal.
Ao fazer o papel de descrever os fenômenos da natureza, que é um dos seus objetivos, suas causas e relações, as ciências naturais não pretendem tirar o véu do sentido radical do mundo e de tudo que existe. A descrição que, grande parte das ciências utiliza, pode ser compatível com diversas cosmovisões do mundo. No âmbito dessas ciências, se quer respeitar seu estatuto epistemológico próprio, a ciência natural não se pode decidir pelo teísmo, deísmo, agnosticismo ou ateísmo. É preciso alcançar outro nível de conhecimento, uma visão filosófica, para chegar à decisão – pessoal – sobre o sentido da realidade como um todo. As ciências naturais podem, na visão de alguns, até apresentar indícios de que o mundo é fruto de uma inteligência (deus) ordenadora e criadora do universo superior a tudo que existe [4], ou, por outro lado, podem insinuar que o mundo se basta a si mesmo e que, as maravilhas que podem ser percebidas na natureza e no universo, a origem das diversas espécies vivas tenham sua razão de ser no próprio interior do mundo, cujo dinamismo, através do acaso e da necessidade, é o “relojoeiro cego” que fabrica “relógios” quase perfeitos (perfeitos na visão de alguns). Mas, por si mesmas, as ciências naturais nunca poderão dar o veredicto final sobre a existência ou não dessa inteligência.
Por fim, em síntese, as ciências podem explicar, e devem, o como e os porquês mais imediatos e importantes dos fenômenos de todo o mundo, mas não têm competência para responder à questão do porquê radical, extrapolando seus limites.
Por fim, eu acredito que Dawkins não entendeu isso – ou não quis entender. Não compreendeu os limites próprios do discurso e do objetivo científico, e quis fundamentar na ciência, mais precisamente na biologia, sua posição ateísta, e esta, por sua vez, deve ser debatida no âmbito da filosofia e não das ciências naturais.