A arte de pensar positivo para viver melhor.

20/10/2018 16:56

O princípio de Pollyanna tem sua origem nos romances de Eleanor H. Porter. Sua protagonista, uma menina com o mesmo nome, tem a capacidade de se concentrar apenas no lado positivo das coisas. Esse otimismo fervoroso e determinado serviu de inspiração para definir o viés que nos permitiria, em essência, viver mais felizes e mais conectados com os outros.

É realmente apropriado focar nossa visão pessoal para a positividade que esse princípio psicológico enuncia? É muito provável que a maioria de nossos leitores tenha sérias dúvidas e mostre algum ceticismo. Às vezes, como bem sabemos, essas lentes cor-de-rosa podem nos fazer perder certos ângulos de nosso entorno, certas nuances de grande relevância que diminuem o realismo e a objetividade de nossa visão.

 

“O jogo consiste em encontrar algo pelo que estar sempre feliz”.
-Pollyanna-

O florescimento da psicologia positiva liderado por Martin Seligman está passando atualmente por importantes reformulações. Entidades como a Universidade de Buckingham (a primeira instituição mundial a treinar e formar seus alunos nos fundamentos dessa perspectiva) estão mudando algumas de suas bases. Uma delas é relativa à definição de felicidade.

De alguma forma, podemos dizer que a “nova” psicologia positiva tem abandonado a pretensão de nos ensinar a ser mais felizes. A famosa cultura da felicidade e todos esses livros e trabalhos de autoajuda estão dando lugar a um novo formato, a uma nova perspectiva. Uma onde nos dar ferramentas para também saber lidar com o negativo e as adversidades. Porque na vida nem sempre podemos nos concentrar nesse lado luminoso e otimista como fazia a sempre resoluta e vivaz Pollyanna…

Ilustração de Pollyana

 

Princípio de Pollyanna, em que consiste?

Depois de ficar órfã, a pequena Pollyanna foi enviada para viver com sua amarga e estrita tia Polly. Longe de desistir, a pequena não hesitou em continuar aplicando, dia após dia, a filosofia de vida que seu próprio pai criou desde muito cedo: transformar sua realidade em um jogo onde você pode ver apenas as coisas boas e positivas.

 
 

Não importava o quão infeliz fosse a situação; Pollyanna era capaz de resolver e enfrentar qualquer circunstância com o mais firme otimismo e alegre determinação.

Além disso, um efeito notável deste personagem literário era também a influência que costumava causar nos outros. Mais cedo ou mais tarde, o personagem mais miserável, apático ou triste acabava se rendendo à personalidade brilhante e luminosa da menina.

Os livros de Eleanor H. Porter, como vemos, transmitiam uma sublimação absoluta do positivismo, algo que serviu de inspiração para dois psicólogos dos 70, os doutores Margaret Matlin e David Stang.

Como são as pessoas que aplicam o princípio de Pollyanna?

  • Em um estudo publicado na década de 1980, Matlin e Stang puderam ver, por exemplo, que as pessoas com uma clara tendência para a positividade, longe do que poderíamos pensar, levam muito mais tempo para identificar os estímulos desagradáveis, perigosos ou os eventos negativos que acontecem ao seu redor. Ou seja, não há um “cegueira” para a realidade, como alguns podem pensar.
  • O princípio de Pollyanna nos diz que, estando plenamente conscientes de que existem fatos e realidades negativos na vida, escolhemos nos concentrar apenas no positivo. O resto não importa. Além disso, mesmo que estejam envolvidos em um evento negativo, a pessoa se esforçará para reorientar essa situação para uma saída mais otimista.
Pessoas que aplicam o princípio de Pollyanna

 

Uma memória focada e centrada no positivo

O Dr. Steven Novella, um renomado neurofisiologista da Universidade de Yale, tem vários trabalhos e estudos sobre o que é conhecido como a falsa memória ou os erros de armazenamento tão comuns nas pessoas.

Assim, um fato curioso sobre o princípio de Pollyanna ou o viés de positividade é que as pessoas otimistas geralmente não se lembram bem dos eventos negativos de seu passado.

A qualidade de sua memória é ideal e perfeita, com todos os eventos processados ​​como “positivos”. Por outro lado, não armazenam os eventos dolorosos ou complexos da mesma maneira, por não os considerarem significativos.

Tendência positiva e preconceito de linguagem: todos somos Pollyanna

Esses dados são realmente curiosos. Em 2014, a Universidade de Cornell, em Nova York, realizou um estudo para descobrir se nossa linguagem, em geral, tende à agressividade ou ao viés da positividade. O professor Peter Dodds e sua equipe analisaram mais de 100.000 palavras em 10 idiomas diferentes, realizando análises profundas das interações em nossas redes sociais.

Assim, e por mais impressionante que pareça, nossa linguagem e as mensagens que enviamos têm um peso emocional claramente positivo. Essas conclusões coincidem com as estabelecidas pelos psicólogos Matlin e Stang nos anos 70, a saber: as pessoas tendem ao “pollyanismo”

Críticas ao princípio de Pollyanna

Alguns psicólogos preferem falar da Síndrome de Pollyana ao invés do Princípio de Pollyanna. Com essa mudança de terminologia, buscam chamar a atenção para as limitações ou até para os aspectos preocupantes envolvidos nessa dimensão psicológica levada ao “extremo”.

Por exemplo, se escolhermos focar apenas nesse lado mais otimista da vida, é possível que demonstremos uma certa incompetência ao administrar as situações difíceis. O Princípio de Pollyanna ajuda em alguns momentos, é verdade.

Ter sempre ter uma visão alegre e luminosa das coisas nos dá motivação, não há dúvida, mas para viver também é necessário lidar com os momentos negativos e aprender com eles. Nossa realidade inclui luzes e sombras, e nem sempre podemos escolher o lado mais ensolarado.

Críticas ao princípio de Pollyanna

 

Com o que ficamos então? É recomendável seguir a filosofia do princípio de Pollyanna ou não? A chave para tudo, como sempre, está no equilíbrio. No olhar intermediário voltado para o lado luminoso da vida, mas que não fecha os olhos ou evita as dificuldades.

No fim, a psicologia positiva é sempre inspiradora, mas, às vezes, alcançar ou não o sucesso ou evitar que certas coisas aconteçam não depende 100% da atitude que você tem.

Tudo que reluz não é ouro, portanto, devemos estar preparados para gerenciar da melhor maneira qualquer circunstância, sabendo como lidar com luzes, sombras e todas as escalas de cinza…

Pensar positivo e ter um maior controle sobre o fluxo de nossos pensamentos é investir em qualidade de vida. Porque aquele que controla a voz da negatividade é capaz de influenciar diretamente as suas próprias emoções. Porque quem pensa e sente positivamente influencia seu comportamento, seu organismo, e inclusive sua própria saúde. No final das contas, a felicidade parte do que ocorre dentro de nós mesmos, não de fora.

Apesar de todos sabermos destes princípios, no nosso dia a dia continuamos a dar importância demais para esta voz crítica que ama a negatividade. É ela quem nos lembra dos erros de ontem. É essa presença que nos coloca para baixo, nos levando às portas da ansiedade, nos antecipando o que pode ou não ocorrer se fizermos isto ou aquilo. Antes de nos desesperarmos por causa deste tipo de pensamento que muitas vezes nos caracteriza, vale a pena ter um ponto muito claro.

“Nenhum pessimista jamais descobriu os segredos das estrelas, ou abriu uma nova porta para o espírito humano”.
-Helen Keller-

Os neurocientistas nos lembram que o cérebro humano está programado para concentrar-se no negativo. Não é uma maldição nem um castigo impresso em nosso DNA. É nosso mecanismo de sobrevivência. Ao antecipar os perigos (ainda que eles não sejam reais), preparamos nosso organismo para nos defender deles. Sensações como a preocupação, a inquietude ou a ansiedade liberam instantaneamente diversas substâncias químicas como o cortisol, para permitir que estejamos sempre “alertas”.

Por outro lado, outra coisa que os neuropsicólogos também nos indicam é que os pensamentos negativos atuam como o hábito de fumar. Não só impactam a nossa saúde e bem-estar. Muitas vezes ficam impregnados à nossa volta, afetando nossas famílias, amigos, colegas de trabalho… Porque o cérebro daqueles que nos escutam também sofre mudanças, também acaba se sentindo nervoso e irritável…

Aprendamos, portanto, a pensar positivo, invistamos em qualidade de vida começando por treinar nossos pensamentos.

 
A arte de pensar positivo

 

Pensar positivo para treinar seu cérebro em direção ao bem-estar

Barbara Fredrickson é uma conhecida cientista da Universidade de Stanford, famosa pelos seus estudos em psicologia positiva. Assim como nos explica em seus estudos, superar a influência da negatividade é um desafio que, uma vez vencido, se transforma em um investimento rentável. Mais que uma arte, pensar positivo é o resultado de um exercício contínuo com o qual se busca modificar a programação de “fábrica” do nosso cérebro.

Como já sabemos, a nossa mente tem uma inclinação natural para focar o lado negativo a fim de garantir a nossa sobrevivência. Portanto, devemos conseguir incluir dentro de nós um outro caminho, um outro programa sofisticado para investir não apenas em enfrentar os riscos, mas também para investir em bem-estar, em felicidade. No final das contas, o pensamento positivo gera clareza, equilíbrio e direção. Nos ajuda a não nos perdermos nos pântanos do medo para sermos mais proativos, mais seguros de nós mesmos.

Vejamos a seguir como podemos treinar nosso cérebro para que aprenda a pensar positivo.

1 . Treine sua atenção para que ela esteja focada no presente

Daniel Goleman lembra a importância de treinar nossa atenção em seu livro “Focus”. Devemos vê-la quase como um músculo, uma entidade que devemos colocar a nosso serviço, e não a serviço de uma mente errante. O objetivo é o de que este processo psicológico básico esteja mais controlado por nós mesmos do que por estímulos externos ou por um pensamento anárquico.

  • Como curiosidade, vale lembrar que o circuito do pensamento se estende ao longo do giro do cíngulo superior e do córtex medial pré-frontal. Nossas racionalizações fluem através destas estruturas cerebrais. Às vezes esse caminho de células, conexões e neurônios está tão hiperativo que é difícil ter controle sobre ele. Em pouco tempo aparecem o esgotamento, o estresse, a apatia, a negatividade…
  • Uma maneira de controlar o pensamento é controlar a nossa atenção. Para conseguir isso, não há nada melhor do que “desconectar” esse fluxo de pensamentos. Durante pelo menos 15 minutos tentemos não pensar em nada. Imagine a superfície de um lago, silenciosa e lisa como um espelho. Tudo está em equilíbrio, não há sons. Somente calma.
  • Uma vez que possamos silenciar a voz dos pensamentos, concentraremos nossa atenção no que está nos envolvendo. No momento presente.
Folha quase transparente

 

2.Pensar positivo, a arte de ter um propósito

Pensar positivo exige ter um propósito. A negatividade e todo esse barulho de pensamentos inviabilizantes são como um ciclone sem rumo que leva tudo embora. Portanto, para romper com essa tendência mental improdutiva é preciso definir o nosso propósito.

Quero me sentir bem, quero ter calma, quero alcançar meus objetivos, quero estar bem comigo mesmo…

Todas estas metas seguem uma direção, um sentido claro. Assim, e uma vez que tenhamos nossa atenção focada no momento presente, o que faremos é enumerar os nossos propósitos um por um, com convicção. A definição de objetivos é uma chave para o bem-estar, é dar sentido à vida, é se fascinar e deixar que essas emoções positivas influenciem a nossa conduta.

3.Treine a capacidade do seu cérebro para trabalhar com informação positiva

Pensar positivo não requer apenas foco, atenção adequada, propósitos e vontade. Requer também construir redes em nosso cérebro para recordar a importância de trabalhar com a informação positiva. O que queremos dizer com isso? Basicamente que, ainda que digamos a nós mesmos: “tenho um objetivo a cumprir”, nossa mente às vezes segue posicionada em mecanismos antigos, numa rota de ações negativas e inviabilizantes.

  • Para trabalhar com informação positiva é preciso eliminar nossas atitudes limitantes.
  • Além disso, é preciso criar um eu mais relaxado, mais aberto às experiências e mais otimista. Devemos deixar os erros do passado de lado para poder ver as oportunidades do presente.
  • Da mesma forma, será muito importante aprender a utilizar filtros para ficarmos apenas com a informação útil, aquela que ajuda e que estimula, e não aquela que nos coloca mais uma vez na nossa zona de conforto.
Mulher segurando barco

 

Para concluir, sabemos que pensar positivo sem dúvida nos permite viver melhor e aproveitar um equilíbrio interior adequado. Agora, o “pensamento positivo” exige também um profundo trabalho pessoal. Devemos nos reconciliar com nosso “eu” presente para nos sentirmos merecedores de algo melhor. Somente assim nosso “eu” futuro se consolidará como alguém mais forte, mais criativo e mais amável consigo mesmo.