Traços de personalidade e doenças mentais estão num continuum

02/12/2018 16:37

Gostamos de traçar linhas claras entre comportamento normal e anormal. É reconfortante, para aqueles que pensam ser normais. Mas não é acurado. A psicologia, psiquiatria e genética comportamental estão convergindo para mostrar que não há uma linha clara entre “variação normal” em traços de personalidade humanos e doenças mentais “anormais”. Nosso modo instintivo de pensar em insanidade — nossa psiquiatria intuitiva — está erradíssimo.

 

Para entender a insanidade, temos de entender a personalidade. Há um consenso científico de que traços de personalidade podem ser bem descritos por cinco dimensões principais de variação. Estes “Grandes Cinco” traços de personalidade são chamados abertura, conscienciosidade, extroversão, agradabilidade e estabilidade emocional. Os Grandes Cinco se distribuem todos numa curva normal, são estatisticamente independentes uns dos outros, herdáveis geneticamente, estáveis pelo curso da vida, julgados inconscientemente ao se escolherem amigos e pares e encontrados em outras espécies como chimpanzés. Eles predizem uma grande série de comportamentos na escola, trabalho, casamento, cuidado parental, crime, economia e política.

 

Transtornos mentais são associados frequentemente a extremos mal-adaptativos dos Grandes Cinco traços. Super-conscienciosidade prediz transtorno obsessivo-compulsivo, enquanto baixa conscienciosidade prediz adicção a drogas e outros “Transtornos de controle de impulsos”. Baixa estabilidade emocional prediz depressão, ansiedade e transtornos bipolar, limítrofe e histriônico. Baixa extroversão prediz transtornos de personalidade esquiva e esquizoide. Baixa agradabilidade prediz psicopatia e transtorno de personalidade paranoide. Alta abertura está num continuum com esquizotipia e esquizofrenia. Estudos com gêmeos mostram que estas ligações entre traços de personalidade e doença mental existem não só no nível comportamental como no nível genético. E pais que são um tanto extremos num traço de personalidade têm mais probabilidade de ter um filho com a doença mental associada.

 

Uma implicação é que os “insanos” são com frequência só um tantinho mais extremos nas suas personalidades do que seja o que for que promova sucesso em sociedades modernas — ou mais extremos do que nos deixa confortáveis. Uma implicação menos palatável é que somos todos insanos em certo grau. Todos os humanos vivos têm vários transtornos mentais, na maioria leves porém alguns graves, e estes incluem não só transtornos psiquiátricos clássicos como depressão e esquizofrenia, mas formas diversas de estupidez, irracionalidade, imoralidade, impulsividade e alienação. Como o novo campo da psicologia positiva reconhece, estamos todos muito longe do ótimo da saúde mental e somos todos mais ou menos loucos de muitas maneiras. Não obstante, a psiquiatria tradicional, como a intuição humana, resiste em chamar qualquer coisa de transtorno se a sua prevalência é mais alta do que cerca de 10%.

 

O continuum da personalidade/insanidade é importante na política e no cuidado em saúde mental. Há debates zangados e irresolvidos sobre como revisar a 5ª edição da obra central de referência da psiquiatria, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), a ser publicado em 2013.[NT] Um problema é que psiquiatras americanos dominam os debates do DSM-5, e o sistema de seguro americano exige diagnósticos categóricos de doenças mentais antes de os pacientes serem cobertos para medicações e terapias psiquiátricas. Também, a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA aprova medicamentos psiquiátricos apenas para doenças mentais categóricas. Estes problemas de seguro e aprovação de medicamentos fazem pressão para definições de doenças mentais serem artificialmente extremas, mutuamente exclusivas e baseadas em listagens simplistas de sintomas. As seguradoras também querem poupar dinheiro, de modo que fazem pressão para que variantes de personalidade comuns — timidez, preguiça, irritabilidade, conservadorismo — não sejam classificadas como doenças dignas de cuidado. Mas a ciência não se adéqua aos imperativos do sistema de seguro. Permanece em aberto se o DSM-5 será escrito para a conveniência dos seguradores americanos e oficiais da FDA ou pela acurácia científica internacional.

 

Os psicólogos mostraram que em muitos domínios, nossas intuições são falíveis (embora frequentemente adaptativas). Nossa física intuitiva — conceitos corriqueiros de tempo, espaço, gravidade e ímpeto — não pode ser reconciliada com a relatividade, mecânica quântica ou cosmologia. Nossa biologia intuitiva — ideias de essências de espécie e funções teleológicas — não pode ser reconciliada com a evolução, genética populacional e adaptacionismo. Nossa moralidade intuitiva — autoenganadora, nepotista, clânica, antropocêntrica e punitiva — não pode ser reconciliada com nenhum sistema de valores morais consistente, seja aristotélico, kantiano ou utilitarista. Aparentemente, nossa psiquiatria intuitiva tem limites semelhantes. Quanto mais cedo aprendermos estes limites, melhor poderemos ajudar pessoas com doenças mentais graves e mais humildes seremos acerca da nossa própria saúde mental.

 

Este estudante de filosofia está extremamente interessado e esperançoso pelas crescentes ciências da mente. Ele acredita que podemos chegar ao consenso pelo diálogo racional e superar nossos vários tribalismos. Ele também acredita que um grande passo nessa direção é esclarecer sobre os fatos da nossa natureza e vieses, seguir o oráculo e conhecermo-nos a nós mesmos. A Rainha de Copas disse a Alice que conseguia acreditar em seis coisas impossíveis antes do café-da-manhã. Ele está quase lá.