FILME-Constituição do delírio no filme Spider
23/06/2019 22:41
Spider é um filme do ano de 2002, do diretor canadense David Cronenberg. Nele, conta-se a história de Spider (Ralph Fiennes), um sujeito esquizofrênico que, após uma internação psiquiátrica, passa a viver em uma pensão protegida. Lá, começa a tecer, a partir de visitas aos lugares onde cresceu e de fragmentos de lembranças, o que se apresenta ao espectador como a história de sua infância
O filme começa com Spider, o protagonista, assim chamado pela mãe, chegando à pensão protegida em que vai morar, saído de uma internação. Ao longo do filme, Spider parece empreender uma tentativa de constituição de um delírio, revisitando cenas importantes e marcantes da sua infância e tentando reconstituir sua relação com seus pais. Essa tentativa vem acompanhada de muita ansiedade, o que pode ser observado na escrita nervosa que Spider mantém em seu caderninho. O caderno é composto de vários fragmentos amontoados separados por linhas, escritos de lado, de cabeça pra baixo, sem organização ou esquema determinante, que relacione os itens entre si. O texto que o protagonista tenta constituir sobre sua vida não é um texto estruturado, o que pode ser uma boa imagem para se pensar na constituição subjetiva do psicótico que, ao contrário do neurótico, não possui um eixo principal a partir do qual todas as coisas se organizam, não há amarragem ou organização centralizadora do seu saber e do seu mundo, nada se apresenta como forma de significação eletiva.
Farei um breve recorte de algumas cenas importantes para pensar essa questão: Cena 1: A mãe pede que Spider vá ao bar onde está o pai, para chamá-lo para o jantar e, chegando lá, ele vê uma mulher que lhe mostra o seio e ri alto com suas amigas. Cena 2: Spider observa pela janela os pais se beijando no portão. Cena 3: Spider observa a mãe experimentando uma camisola e ela pergunta se ele acha que o pai vai gostar. Spider sai correndo. Cena 4: O pai e a amante matam a mãe e a partir daí a amante tomará o lugar da mãe.
A partir disso, podemos pensar que o protagonista não podia suportar o desejo da mãe pelo pai, o que significaria uma ruptura na relação total que mantinham mãe e filho. A mãe ficou dividida em duas partes que ele não podia integrar, uma “boa” e uma “má”, a sua “mãezinha”, como ele mesmo se refere, e a amante do pai. Spider rejeita as cenas em que o a mãe investe seu desejo no pai, substituindo a imagem da mãe pela imagem da amante. Para explicar essa troca, para que ela faça sentido, Spider “inventa” a cena do pai e amante matando a mãe, criando uma nova realidade que deverá ocupar o lugar daquela que foi rejeitada, devido a sua natureza insuportável. De acordo com Freud, o psicótico rejeita um fragmento da realidade, e é a partir da necessidade de criar um substituto para o fragmento rejeitado que se dá a tentativa de constituição do delírio onde surgira uma fenda na relação do Eu com o mundo extern