Reflexão: Em algum lugar, na parte mais interna de seu ser,há luz, bondade, poder e serenidade.
Depressão- A doença da alma
A depressão é o mal que mais atacaas mulheres e cresce entre os homens, mas já pode ser tratada com sucesso pela medicina Maurício Cardoso e Sérgio Ruiz Luz |
Depressão grave é a dor que fica mesmo quando o problema vai embora. É a melancolia profunda que não se despede nem quando o namorado volta. Ela não é provocada pelos infortúnios da vida nem pode ser curada com situações prazerosas. O depressivo crônico que tem uma dívida se livra do débito se ganhar na loteria – mas não da tristeza. Depressão severa é uma doença, um desarranjo na química cerebral que precisa e – felizmente – pode ser tratado com remédio e psicoterapia. Segundo a Organização Mundial de Saúde, ela se tornou no ano passado o mal mais comum entre as mulheres, superando o câncer de mama e doenças cardíacas. No ano 2020 será a segunda moléstia que mais roubará anos da vida útil da população em geral. Ficará atrás apenas das doenças do coração. Como ainda não surgiu nenhum tratamento preventivo, os médicos dão como certo que vão surgir 2 milhões de novos deprimidos clínicos no mundo a cada ano. Só no Brasil são mais de 10 milhões de sofredores patológicos.
A americana Lucy Puryear, diretora da clínica feminina do Baylor College, de Houston, sustenta que a diferença deve ser procurada também nos hormônios femininos. "Os momentos de risco maior ocorrem nos dez dias que precedem o período menstrual, depois do parto e, especialmente, entre os 22 e os 45 anos de vida", afirma Lucy. São períodos em que os hormônios alteram sua concentração no corpo feminino. Uma outra explicação científica não agradaria muito aos homens, que sempre se consideraram mais resistentes do que as mulheres. Simplesmente, as mulheres seriam muito mais abertas para aceitar e revelar que sofrem de depressão. "Por ser confundida com um traço de fraqueza de caráter pela sociedade, a depressão tende a ser negada pelos homens. Mas não pelas mulheres", diz Lucy. No fundo, elas estariam sendo mais corajosas que os homens. De qualquer modo, o número de homens vítimas da depressão também é muito alto.
Os tratamentos deram um salto evolutivo. As primeiras pílulas surgidas para essa finalidade, na década de 50, provocavam efeitos colaterais tremendos, como diarréias e problemas de visão. As novas gerações de medicamentos (entre eles, o mais conhecido é o Prozac) conseguiram suprimir a maioria dos sintomas indesejáveis. Até os casos de crises profundas, aquelas em que o paciente se encontra à beira de tentar o suicídio, têm salvação na medicina moderna. "A depressão deixou de ser um flagelo cercado de preconceitos para ser uma doença controlável", afirma Antonio Egidio Nardi, psiquiatra da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Controlável apenas? Sim. Os médicos preferem falar em cura permanente apenas para uma porcentagem pequena de pacientes. Dados mais recentes do Instituto de Saúde dos Estados Unidos, o NIH, mostram que, a longo prazo, sete em cada dez pacientes que reagem bem aos remédios no começo do tratamento precisam ter suas dosagens aumentadas ou as drogas mudadas para que os benefícios perdurem.
A história do estudante gaúcho André Pedroso, 17 anos, é uma lição sobre os estragos provocados pela depressão.
"Fazia um ano que meu pai tinha morrido por causa de um derrame cerebral. Ele era rígido, mas eu me dava bem com ele. Um ano depois, comecei a cair. Ficava triste, deprimido, meu rendimento na escola baixou. Durante a depressão, perdi a vontade de sair de casa, ficava três, quatro dias trancado no meu quarto, completamente no escuro, dormindo ou assistindo à televisão. Perdi a fome e emagreci 12 quilos. Nem trocava mais de roupa. Fiquei agressivo e quando ia à escola arranjava briga por qualquer besteira. Minha namorada sumiu e também perdi os amigos. Achei que era hora de procurar um médico. Fui a um psicólogo, mas ele só perguntava se eu usava drogas. Comecei a melhorar depois que larguei a escola. Estou indo a um psiquiatra, o único que não pediu que minha mãe fosse lá primeiro. Aos poucos, comecei a fazer pequenas tarefas que me davam prazer, como a pintura, e consegui voltar a sair de casa. Hoje levo uma vida igual à de qualquer outro adolescente."
Por sua complexidade, demorou muito para que fosse detectada com segurança e se aprendesse a lidar com ela. Durante muito tempo foi subestimada pela medicina e pela sociedade. Mesmo com o melhor acompanhamento médico, isso ainda pode acontecer. Em São Paulo, Duda Molinos, 33 anos, um dos mais requisitados maquiadores de moda do país, passou dez meses horrorosos. Ele vomitava sem parar. Desesperou-se buscando novos tratamentos para o estômago. Tudo em vão. O desconforto só aumentava. "Devem ter se passado dez anos de depressão até começar a sentir reações físicas. Vomitava tudo o que comia. Consultei o médico, fiz todo tipo de exame, e não se constatou nada de anormal com o estômago, o intestino, nada. Perdi 6 quilos em seis meses. As pessoas sussurravam: 'Ele está HIV positivo', 'está com câncer de medula'. Isso me fazia sentir ainda pior. Não havia dia ensolarado nem trabalho interessante. Eu não sentia o menor prazer. Achava que ia morrer. Depois de dez meses de tortura e de pesquisas para resolver meus problemas de estômago, meu médico me encaminhou ao psiquiatra. Seu diagnóstico: eu estava profundamente deprimido. Quinze dias depois de medicado, parei de vomitar. Minha cabeça também mudou. O remédio me trouxe a vida de volta, e eu resolvi vivê-la."
Segundo a Associação Nacional de Depressivos e Maníaco-Depressivos, dos Estados Unidos, os pacientes costumam sofrer em média oito anos e passar por cinco médicos antes de chegar ao diagnóstico correto e ao tratamento que lhes dará alívio. Aos poucos, essa questão começa a ser resolvida. "Os médicos formados em psiquiatria sempre fizeram residência em neurologia. Pela mesma razão, os formandos em neurologia e em clínica geral agora também devem passar pela psiquiatria", diz Wagner Gattaz, chefe do departamento de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Antes, quando um paciente se apresentava no consultório com algum tipo de desajuste emocional, a tendência era o médico receitar-lhe um calmante. Hoje, ele o encaminha ao psiquiatra. A expressão "doença mental" associada à palavra "depressão" não assusta tanto.
"Nunca pensei que precisaria de um psiquiatra na minha vida", diz a publicitária Rose Saldiva, 51 anos, que tentou tratar-se com sessões de psicoterapia antes de procurar um médico. "Se você precisa mesmo de funilaria, não adianta ir ao cabeleireiro. Procurei o psiquiatra e em quinze dias comecei a sentir os efeitos positivos do tratamento com remédios."
"Desandei a cometer erros básicos no escritório onde trabalhava como secretária da diretoria. Esquecia datas, preparava documentos errados e fichava a papelada fora de ordem. Não conseguia me concentrar em nada. Em casa, minha vida se tornou um pandemônio. De repente comecei a sofrer de insônia e não tinha disposição nem para escovar os dentes. Fui me isolando do mundo", lembra a dona de casa mineira Rosemeire Pessoa, 33 anos. "Também comecei a sentir muita dor de cabeça. Só procurei o médico dois meses depois, quando sofri paralisia do lado direito do corpo. Surgiu a suspeita de que eu pudesse ter um coágulo no cérebro. Fiquei desesperada porque meu primeiro filho, Yuri, tinha apenas 7 meses." Rosemeire se recuperou depois de nove meses de tratamento com antidepressivos. A economista paulista Marili Bardes, de 38 anos, sofreu de um outro tipo da doença, que a fez alternar momentos de abatimento profundo e de euforia exagerada. Esse tipo de depressão é chamado pelos médicos de bipolar e seus pacientes são diagnosticados como maníaco-depressivos. O sofrimento é mais desconcertante que o das depressões tradicionais. Depois do poço profundo que lhe custou o emprego, Marili voou para o pico da hiperatividade. "Nessa fase, uma das minhas loucuras preferidas era torrar dinheiro comprando presentes para as amigas. Meu marido cancelou nossa conta conjunta, bloqueou meus cartões de crédito e foi embora de casa. Só voltamos a viver juntos quando eu comecei a levar a sério o tratamento psiquiátrico."
"Quando Gabriel nasceu, não quis vê-lo, virei a cara. Senti a pior sensação de toda a minha vida na primeira vez que ele mamou no meu peito. Fiquei com raiva de mim por não conseguir amamentá-lo. Só de ouvir o choro dele à noite tinha vontade de me matar. Cheguei a pensar em sufocá-lo, mas não tive coragem. Já consigo brincar com ele, mas ainda me sinto diferente das mães que falam com orgulho dos filhos. Não que eu desgoste do Gabriel. Mas estou vazia de sentimentos. Parece que estou perdida dentro de um enorme buraco negro", conta a estudante baiana Sicília Castello Branco Ledoux, de 26 anos. A doença ataca em todas as idades, mas a maior incidência ocorre entre os 25 e os 40 anos. Dois outros grupos de especial risco são os adolescentes e os idosos. Nos dois casos, a depressão aflora nas pessoas mais suscetíveis por causa das perturbações que vêm com as transformações da puberdade e a deterioração física da velhice. "Quando os filhos começaram a trabalhar e conquistaram independência financeira, passei a me sentir inútil, deslocada. Às vezes, passava o dia inteiro na cama, chorando e pensando em nada e em tudo ao mesmo tempo", conta a pernambucana Carly Teresinha Ferreira Maia, 64 anos, viúva há 25 anos, mãe de cinco filhos, que ainda se recupera do ataque da tristeza sem fim. A depressão foi muito associada no passado ao gênio criador. Beethoven, Schubert e Chopin, na música, Van Gogh e quase todos os impressionistas na pintura, Ernest Hemingway, Virginia Woolf e Fernando Pessoa na literatura foram vítimas da melancolia que machuca. De acordo com as pesquisas mais recentes, a relação entre criação e depressão não passa de um mito. Alguns dos principais sintomas da doença – desânimo, apatia, falta de iniciativa – na verdade matam em vez de estimular a criação. "Os grandes artistas, mesmo os depressivos clássicos, nunca trabalhavam quando estavam atacados de depressão grave", diz o psiquiatra Gattaz. "Se não fosse depressivo, Hemingway certamente teria escrito com a mesma qualidade e produzido mais obras, já que não teria cometido suicídio." Sem dúvida, se tivessem tido a chance de escolher, teriam optado por viver e trabalhar sem depressão. É essa chance que a medicina pode oferecer atualmente para milhões de pessoas.
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