Querer controlar tudo não faz bem.

15/11/2017 19:53

Querer controlar tudo não faz bem

Querer controlar tudo é uma dessas fantasias criadas pelos tempos modernos. A história do homem é a de uma conquista progressiva sobre as forças da natureza. Começou com um mamífero impotente diante dos desafios do ambiente onde vivia. De lá para cá, o ser humano deu um salto gigantesco que o levou a desvendar progressivamente os mistérios de quase tudo que o rodeia.

Vivemos tempos frenéticos. Tudo acontece a um ritmo muito mais rápido que a nossa capacidade de assimilar. É por isso que não é estranho que uma das fantasias recorrentes seja precisamente a de querer controlar tudo. No fundo há um desejo de pisar em terreno sólido, para sentir que temos o leme da nossa própria vida.

 

O problema é que nem sempre percebemos que controlar tudo é uma fantasia. Um propósito irrealizável que, quando esquecido, dá lugar a uma série de comportamentos malsucedidos que só atraem ondas de ansiedade. Nós nos descobrimos constantemente perdendo o controle, e isso nos frustra.

Tudo está em movimento e existem centenas de fatores além do nosso controle. O que está vivo muda constantemente. Hoje avistamos um caminho e amanhã outro. A única coisa da qual temos certeza absoluta é a morte. A vida, por outro lado, se desenrola entre incertezas e fluxos inesperados.

A fantasia de querer controlar tudo

Nós não estamos mais nos tempos em que era possível viver de forma pacífica. Somos constantemente bombardeados por centenas de estímulos. Você se levanta e vêm à sua cabeça muitas ideias e sentimentos que se atropelam entre si. Sentimos que há muito a fazer e pouco tempo para isso.

 

Todos os dias também enfrentamos sentimentos e emoções contraditórios. Às vezes temos que nos forçar para redirecioná-los, mesmo sem ter aprendido a compreendê-los. Simplesmente temos que funcionar. E para isso é necessário impor limites a nós mesmos, deixar logo os pensamentos ou as emoções incômodas que nos impedem de produzir, alcançar, agir.

Mulher com flor no rosto

Mesmo que não pensemos nisso, queremos poder controlar tudo. É por isso que cada vez que algo sai do plano, ou quando um obstáculo aparece, podemos reagir com irritação. É uma espécie de rebelião contra esses imperativos da realidade que vão contra nossos propósitos.

Nessas circunstâncias, é usual que acabemos imersos em alguns paradoxos. Conseguimos controlar o fluxo de dinheiro, mas não podemos controlar a insônia. Nós nos tornamos capazes de estabelecer o controle sobre nossa fadiga, mas as relações que tanto importam estão fora de controle. Por mais que tentemos, nunca conseguimos controlar tudo.

Observação consciente e atenção plena

Existe uma verdade conhecida pelas culturas não-ocidentais da qual nos esquecemos muitas vezes: a vida não é vivida com a mente, mas com os sentidos. O pensamento está presente o tempo todo, intermediando nossa abordagem à realidade. A mente orienta a nossa vida com base em preconceitos, medos, ambições, etc. Da mesma forma, isso nos priva de experimentar profundamente cada um dos nossos dias.

O que isso tem a ver com essa ânsia de controlar tudo? O que acontece é que o pensamento funciona dessa maneira: ele limita, ele tenta apreender tudo para se apropriar e direcionar em algum sentido. Percepções, sentimentos e emoções funcionam de forma diferente. Eles são mais rebeldes e caóticos, mas também mais gratuitos e autênticos. Eles são aquela área que “sabota” nossas tentativas de impor controle sobre tudo. É também o que nos permite experimentar a felicidade.

 

Muitas vezes acabamos lutando contra nós mesmos. Nosso pensamento coloca um conteúdo lá e então nos esforçamos para erradicá-lo. Nós não tentamos entender, mas sim tirá-lo da consciência o mais rápido possível. Sentimos, por exemplo, um acesso à ansiedade e imediatamente tentamos remover a inquietação para fazê-la desaparecer. Talvez se adotássemos uma posição de aceitação e observação, poderíamos nos encontrar com um panorama diferente.

Aprendendo a perceber a nós mesmos, sem julgar, sem pensar, mas simplesmente nos contemplando… Sem querer controlar tudo, mas permitindo que as coisas fluam, tanto interna quanto externamente. Esse é o caminho que nos leva de volta a experimentar a vida de uma maneira mais genuína. Sem apreensões. De tudo isso surge uma nova forma de compreensão, que não se expressa como aprendizagem intelectual, mas vital. Uma forma mais elevada de consciência que leva ao equilíbrio.

Nós, geralmente, não toleramos muito bem a incerteza, assim como a frustração quando as expectativas que tínhamos depositado em algo não são cumpridas da forma como gostaríamos. A verdade é que é bastante desagradável quando isso acontece, assim como, às vezes, também é perturbador o fato de não saber o que vai acontecer em determinada situação.

O que eu posso controlar?

No mundo externo, nada. Em você mesmo, todo o seu ser, simples assim. Essa realidade nos torna livres e sossegados, se estivermos vivendo e crendo nela. Existe uma infinidade de problemas e circunstâncias estressantes ou lamentáveis, e é normal nos emocionarmos quando isso acontece. As emoções que surgem em caso de uma ameaça ou uma perda são totalmente normais e nos ajudam a lidar com o problema presente em nossa vida.

mulher-pensando-no-que-pode-controlar

Quando suas emoções, pelo contrário, se tornam muito intensas, frequentes ou duradouras, é porque está faltando algo em seu “software interno”. Provavelmente está tentando controlar o incontrolável. Provavelmente você está dizendo a si mesmo que as coisas tinham que ser de outra forma, exatamente da forma como você gostaria…. e essa forma de pensar, no fim das contas, te deixa frustrado, porque as coisas não são assim só porque nós queremos que sejam.Podemos controlar nossa forma de ver o mundo e tentar modificá-la, pois ninguém pode entrar no nosso pensamento. No entanto, é totalmente absurdo fingir que o que é externo, o que nos cerca, seja de outro mundo.

Interiorize a ideia de que não há nada que você possa controlar além de você mesmo e você se tornará uma pessoa flexível e emocionalmente forte, capaz de desfrutar do que tem em suas mãos.

Tolerar a incerteza e a frustração

Para sermos mais saudáveis a nível psicológico, é conveniente aprender a tolerar a incerteza e a frustração. A incerteza aparece quando nós enfrentamos algo e não temos certeza do que está por vir. Algumas pessoas reagem com ansiedade diante da incerteza, porque se “preparam”, caso o que esteja por vir seja algo assustador ou perigoso.

Dessa forma, colocam em prática a estratégia da preocupação contínua. O caso é que, por mais que nos preocupemos por algo, isso não vai evitar que, no final das contas, aconteça o que tiver que acontecer. 

Mesmo que você se preocupe muito porque notou que anda tendo uma dor de cabeça muito forte, isso não fará com que você tenha, ou não, uma doença. Outra coisa diferente é que se, finalmente, te diagnosticarem com alguma doença, você seja responsável e se preocupe, algo que é totalmente lógico e sensível.

dúvidas-o-que-podemos-controlar?

Acabamos nos encontrando com a frustração, esse sentimento que surge quando nossas expectativas não são cumpridas. Esperamos que a vida, os demais e inclusive nós mesmos tenhamos reações de acordo com determinadas regras que nós mesmos inventamos, então ficamos chateados, nos deprimimos e ficamos ansiosos.

O resultado final é que o mundo segue seu caminho e nós prescrevemos a nós mesmos uma desagradável chateação. Dois problemas pelo preço de um… vale a pena?

Passos para deixar de controlar

Alguns passos que você pode seguir para deixar de controlar e tolerar a sensação de incerteza que o rodeia são:

  • Aceite e tolere que as certezas e seguranças não existem: neste mundo, a única coisa que podemos ter certeza é que algum dia nós vamos morrer, mas nada mais. Não podemos ter certeza absoluta de que nosso parceiro nos ama e de que nunca vai nos abandonar, muito menos se iremos ficar doentes ou se teremos sucesso em nossa área de trabalho.
  • Mesmo que nos esforcemos muito em algo, isso não quer dizer que vamos conseguir: a verdade é que obteremos melhores resultados de acordo com a forma como fazemos as coisas, mas nem sempre é assim, já que o mundo é injusto  por definição. Por essa razão, é melhor se esquecer dos resultados e focar nossa atenção em aproveitar o que fazemos, sem importar o que possa acontecer no futuro.
  • Esqueça as normas rígidas sobre você mesmo, os demais e o mundo: nada, ou quase nada, vai sair exatamente como queremos. Ficar chateado, deprimido ou ficar ansioso por aquilo que escapa do nosso controle é uma perda de energia e de tempo.
  • Responsabilize-se por você mesmo: a boa notícia é que você pode, sim, controlar a si mesmo, então comece a fazê-lo desde já. A realidade pode ser observada por muitos ângulos, e você também pode se esforçar para ser um pouco mais flexível e parar de se importar tanto com tudo. Isso tudo, é claro, sem chegar a um estado de desinteresse… que na realidade é outra maneira de ser controlado pelo medo.