Por que Freud rejeitou Deus?

13/08/2023 17:16

 

 

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A necessidade de se possuir uma crença religiosa segundo Freud, estaria ligada à necessidade do homem de se relacionar com o pai, sendo assim, uma reedição do sentimento de desamparo infantil. Ou seja, seria a reedição da necessidade de proteção de um pai vivida na infância, de uma proteção contra um poder superior do Destino. A religião, nesse caso, se explicaria pela nossa necessidade inconsciente de mascarar esse sentimento de desamparo, buscando uma proteção e orientação para nossas ações e procedimentos pessoais contra o Destino que é desconhecido. Nesse sentido, pode-se pensar que a religião, juntamente com suas crenças, figura-se como uma forma de mecanismo de defesa utilizado pelo eu para de proteger dos perigos advindos do mundo externo.

Segundo Freud , uma das características da religião é a tentativa que esta realiza, muitas vezes até bem sucedida, de dar sentido à existência terrena. A questão sobre o porquê da vida humana, ou seja, seu objetivo ou seu propósito, já foi levantada diversas vezes, porém, sem respostas satisfatórias. A maioria dos homens descarta a possibilidade de não existir esse propósito e a religião entra como uma possibilidade para resolver essa questão.

O autor afirma ainda que "os juízos de valor do homem acompanham diretamente os seus desejos de felicidade, e que, por conseguinte, constituem uma tentativa de apoiar com argumentos as suas ilusões" (FREUD, 1929-30/1978b, p. 193). E é assim que a religião se utiliza dos valores morais da sociedade, fazendo com que esses apoiem seus preceitos advindos de realizações de desejos, configurando-se como uma ilusão.

O ser humano, ao que parece, não quer abrir mão do pai potente, perfeito e, por isso, busca a religião, mais precisamente o pai da religião. Em Nome-do-Pai, e como que para manter o culto milenar à figura paterna, a sociedade, posiciona-se como defensora da autoridade do pai, atribuindo à sua ausência na família todas as transformações sociais vividas nas últimas décadas. Desde o momento em que o sujeito não encontra mais essa referência na família, ele pode buscá-la em outros lugares. Nesse sentido, a procura e a valorização da religião podem ser saídas bem utilizadas, uma vez que aí se consegue obter a personificação dessa figura do pai tão buscada.Sob o ponto de vista religioso, o sujeito tem que continuar dependente da figura do pai como norteadora; caso contrário, as religiões perderiam o controle sobre as vidas de seus fiéis.

Frente à mudança de parâmetros da sociedade, a religião promove ainda mais fortemente a ideia de um Deus que detém a verdade sobre todas as coisas e que pode curar esse sujeito que se apresenta vazio de ideais, desprotegido e vulnerável quanto às várias ofertas de prazer a ele apresentadas, e que continua na busca desesperada de reviver ou de salvar a autoridade paterna.

Aliada a essa constante necessidade de proteção do pai, há também uma busca incessante de sentido, realizada pelo sujeito, e a religião os oferece aos montes. O sujeito se reporta ao Outro sempre com uma demanda de interpretação sobre o seu ser. A maioria das religiões proporciona um local específico para que essa comunicação aconteça, tido como sagrado, e um livro de regras e histórias que enchem de sentido a vida do sujeito, dando a ilusória sensação de segurança. Ela corporifica em um lugar o Nome-do-Pai, substancializa uma função e a transforma em um pai perfeito, contagiando fantasiosamente o sujeito.

Assim, movido pela sua ilusão, o sujeito quer alcançar o paraíso perdido, tão prometido pela religião. Um lugar onde não se experimenta a falta, fazendo com que ele seja completo, perfeito e, definitivamente, feliz. Sem perda, sem culpa, sem desejo. Ou seja, um lugar que não é possível de existir. Essa é uma oferta extremamente sedutora . Desse modo, a religião consegue manter-se muito presente em nossa sociedade até a atualidade, configurando-se como refúgio e fonte de garantia de felicidade para o sujeito.

 

Aqui, não poderíamos deixar de ressaltar como a afirmação de Freud, em O Futuro de uma Ilusão, de que a religião iria perder sua força conforme a ciência fosse avançando não se verifica. Ao contrário do que Freud previu, o sentimento religioso e a busca por Deus não diminuíram na atualidade, o que pode ser verificado com o crescente número de novas seitas que vêm proliferando em nossa sociedade.  

Circunstâncias pessoais da vida de Freud, durante seu crescimento, não lhe permitiram a experiência da sensação de proteção. Seus primeiros anos de vida foram marcados por mortes significativas: seu avô paterno, seu tio e seu irmão Julius. A última morte marcou a experiência psíquica de Freud para toda a vida. Ele teve outras perdas: sua babá, a quem foi superapegado, desapareceu de sua vida sem dar notícia. Freud, quando era pequeno, saiu de sua cidade natal, e seu pai perdeu o emprego. Depois, entrou para a escola pública, e pegaram seu tio favorito contrabandeando, prenderam-no e julgaram-no. Em suma, nenhum dos adultos com os quais Freud precisou contar foram capazes de oferecer-lhe proteção e segurança. Eles falharam com Freud de uma maneira ou de outra. Meus estudos mostram que crianças precisam de modelos de confiança e figuras adultas para dar forma a uma representação de Deus que seja acreditável. Freud não teve essa experiência. Ele sentiu que tinha que tomar conta dele mesmo, sozinho. Para ele, em suas palavras, “não há nenhuma Providência” para prestar atenção nele. Como cientista, ele acreditou apenas nos métodos científicos que implica que tudo que não é provado cientificamente não existe. Esse segundo fator contribuiu para consolidar sua descrença na existência divina.

 Freud concluiu que Deus descrito pela religião como uma divindade que nos protege, não existe. Na consciência dele, a representação de Deus clamava por um aspecto de proteção. A experiência emocional de Freud indicava para ele que nenhuma das figuras paternas nem os adultos de sua vida foram capazes de protegê-lo das perdas profundas e do sofrimento. Ele não teve experiências para formar sua crença na representação da providência e proteção de Deus.

Freud demonstrou com material clínico que Deus e a opinião religiosa eram formadas como resultado da transformação das representações paternas, assim como no complexo de Édipo. Tal conclusão foi a mais significativa contribuição de Freud para a psicologia da religião. Pesquisas no mundo todo confirmaram as conclusões de Freud. Para Freud, Deus é construído sobre a representação do pai. Ele dizia que Deus é “uma exaltação do pai”, “uma sublimação do pai”, “um substituto do pai”, “uma cópia do pai” e finalmente que “Deus é o pai”. Freud negligenciou examinar o significado da mãe na formação da representação de Deus. Psicanálise é uma disciplina empírica e teórica. Sua metodologia não permite nenhuma conclusão sobre a existência de alguma divindade, pois tal divindade não pode ser sujeitada à pesquisa empírica. Apesar de tudo, psicanalistas observam que as pessoas acreditam em Deus ou que elas rejeitam Deus. Isso significa que elas têm uma representação de Deus que foi formada em suas mentes durante seu processo de crescimento. Acreditando ou não, a real existência de Deus não faz parte da psicanálise. E isso está diretamente relacionado com a qualidade das nossas relações emocionais com nossos pais, adultos e figuras religiosas.

Freud elucidou as Escolas de Psicologia da crença em Deus e a elaboração psíquica da representação da divindade. Freud, o homem, poderia não acreditar por causa de suas próprias experiências, cultura e circunstâncias científicas. Ele foi convencido de que a religião era essencialmente uma defesa baseada na projeção da figura paterna dentro de uma proteção e providência de Deus. Ele acreditou que a ciência poderia ajudar seres humanos a desistir da religião e renunciar ao desejo por proteção, como ele escreveu em The Future of an Illusion. Nas últimas décadas, a psicanálise aceitou e ampliou as dinâmicas freudianas no entendimento da formação da representação de Deus e aceitou que crença e necessidades espirituais são componentes significativos dos seres humanos.